É numa das ilhas da Polinésia Francesa, famosa por abrigar o Taiti, que transcorre a mais nova e desobediente aventura cinematográfica do espanhol Albert Serra. Vencedor do prêmio especial do júri na mostra Um Certo Olhar, no Festival de Cannes, com Liberté, filme que tratava de espíritos libertinos infiltrados numa excessivamente organizada sociedade alemã, e ainda autor de A morte de Luis XIV, que revelava os bastidores uma monarquia claudicante liderada pelo personagem de Jean-Pierre Léaud (Os incompreendidos), Serra volta a provocar, mas em voltagem menos aguda.
A densidade musical da trilha sonora de Marc Verdaguer introduz o mistério potencializado pelo roteiro assinado por Serra e ainda por Baptiste Pinteaux e que explora aspectos obtusos da colonização e da dependência da tutoria dos franceses numa área insular paradisíaca. Na surdina, um personagem raro se projeta: com trânsito em muitas camadas sociais, De Roller é um diplomata absurdamente vaidoso, dada sua capacidade, que acalenta um plano não muito claro para uma área recheada de excentricidade e que sofre com sobressaltos pela ameaça de testes nucleares. Mesmo ao lado de atores franceses adorados do porte de Denis Ménochet e Louis Garrel, Benoît Magimel conquistou, pelo enigmático papel de De Roller, o prêmio César de melhor ator de 2022. Singular, na condição de privilegiado integrante de uma burguesia apartada, De Roller traz uma rede de conchavos, costurada, na calada da noite, por egoísmo e muitas incertezas.
Numa cena inesquecível, Magimel brilha num monólogo fortíssimo sobre as putrefatas raízes que dão vida ao poder e ao andamento da política. Selecionado para o Festival de Cannes, o filme que rende bons papéis para Sergi López e, para a atriz trans Pahoa Mahagafanau, se vale de uma diferenciada fotografia de Artur Tort, vencedor do César de melhor direção de fotografia e do prêmio espanhol Gaudí da mesma categoria. Entre a ação de fuzileiros navais, muita bebedeira num night club e apresentações de étnico grupo de dança, o filme explora, com uma edição algo preguiçosa, o aspecto da sondagem de terras pouco exploradas pelo cinema. A suspeita ação de um submarino povoa ainda a trama com denúncia feminista, diante de possíveis crimes de exploração sexual. Com força na criação de uma atmosfera visual, Pacifiction vem crivado de painel impreciso: abundam a falta de lógica e excesso de contradição de alguns personagens.
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