Foi durante a pandemia que Karina Dias reencontrou uma viagem realizada há 27 anos. Guardados em uma caixa, diários de bordo, fotografias, vídeos e gravações davam conta de um trajeto por sete países da América do Sul. Revisitar o material levou a artista a vários questionamentos e a criar novos trabalhos que são agora apresentados na exposição Como chegar — como partir, em cartaz na Referência Galeria de Arte. "A partir desse reencontro com esse material fui puxando o fio da meada e comecei a trabalhar com os mapas, reli todos os meus diários de bordo e me reconheci naquelas palavras, reconheci minha pesquisa e fui puxando e construindo uma série de trabalhos, a maioria inédito, para contar um pouco do que foi essa viagem por esse continente", conta a artista.
A bordo de um Gurgel Xavante 1984, Karina e o marido, Albert Ambelakiotis, saíram do Brasil e passaram por Uruguai, Paraguai, Chile, Argentina, Peru e Bolívia. O percurso, realizado em 1995, um tempo ainda de mapas analógicos e celulares precários, foi também um encontro com um continente que nem sempre se revela por inteiro, especialmente para os brasileiros, mais isolados por conta de uma extensão territorial continental e da diferença de idioma. Se cada viagem é um poema, de acordo com o escritor Sylvain Tesson no relato de viagem Blanc, essa travessia da América Latina é, para Karina, também uma poesia.
Revisitar o material levou a artista a uma série de questionamentos, mas também a constatar que boa parte dos aspectos das pesquisas plásticas conduzidas ao longo das últimas três décadas já estavam ali. "Com quantos relatos se conta uma viagem e o que significa reencontrar um continente? Tem uma cartografia que indago onde foram parar os sonhos coletivos, isso ficou muito presente nessa viagem. Quando entendemos que somos América do Sul e não só Brasil? Quantas são as rotas de fuga? Como se chega aos lugares? Tudo isso está nos diários de bordo e é o que me ocupa a vida toda", conta.
Foram, no total, 248 dias de estrada ininterrupta, segundo o curador da exposição, Emerson Dionísio Oliveira, um tempo que, na galeria, convida o público a se abandonar à poética de imagens, cartografias, escritas e desenhos. "Eu tinha 25 anos quando fiz essa viagem, hoje tenho 52. Como é olhar para essas viagens hoje? A viagem não abandona a gente, cada vez que a gente encontra a viagem, ela se atualiza. Essa dimensão do tempo permanente e infinito da viagem é fundamental. Tem questões da beleza dos lugares, mas tem as dores também", reflete Karina, ao pensar na própria história do continente sul-americano.
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