Crítica // Os Fabelmans ####
"Tudo acontece por algum motivo" é a frase de Mitzi (Michelle Williams), a mãe do protagonista de Os Fabelmans, quase intuindo o destino do jovem Sammy (o excelente Gabriel LaBelle) que, nada ao acaso, persegue a vocação de se tornar cineasta. Um alter-ego do mago do cinema Steven Spielberg, condutor do filme (premiado com o Globo de Ouro de direção e filme), Sammy tem jornada singular, como norte de sua afirmação e independência. Ainda criança, Sammy se vê nutrido pelo cinema de Cecil B. De Mille, em especial, com o primeiro filme que assiste: O maior espetáculo da Terra (1952). Ao lado dele, na seção inaugural, estão os cabeças da amalucada família Fabelman, que vem aos moldes das representadas nos filmes de Woody Allen. Aos 76 anos, a maturidade de Spielberg é incontestável.
Burt (Paul Dano), no filme, é o patriarca, aficionado por tecnologia, e que se mostra paciente em entender os estados emocionais de Mitzi. "Você (Sammy) me enxerga de verdade", reforça a mãe, com quê lunático, e sempre atenta à rara sensibilidade do filho. De posse de uma câmera 8mm, ele organiza a imaginação, e aplaina a ansiedade presente no primeiro contato com a sétima arte. No desenvolvimento da gramática do cinema, Sammy aperfeiçoa o empreendedorismo, neste conto de autoconfiança e de segredos em família que, no roteiro, conta com o talento de um colaborador frequente de Spielberg, o prestigioso Tony Kushner. Para além da intuição no contato com atores e da lida com a mesa de edição, Sammy terá, na carreira ainda amadora, a revelação do poder da plateia, nos bancos escolares. Cenas como a da projeção de imagens na palma da mão do personagem e os joguetes com marionetes, desde já, icônicas, reclamam certa origem no cinema de Ingmar Bergman, ainda que, dado o amor por filmes como O homem que matou o facínora, Depois do vendaval e Rastros de ódio, Spielberg esclareça a predileção pela clássica obra do cineasta John Ford.
Fundindo a realidade com o doce fruto do imaginário, Sammy administra as crises de família e constitui o que chama de ponto de vista. Amigo da família, o chamado "tio" Bennie (Seth Rogen) desafia moralismos na trama do mesmo diretor de O resgate do soldado Ryan, que explora temas como antissemitismo e o registro do primeiro amor. Coadjuvante de peso, Mônica (a hilária Chloe East) se afirma como a namorada, capaz de fazer Sammy "encontrar Jesus", nem que seja numa joalheria, em forma de cordão de ouro (para valioso presente). Afrontas, desrespeitos, egoísmo e os pilares da arte preenchem a telona, no exemplar filme de Spielberg.
O poder de imagem e o amor paterno (Paul Dano emociona, na cena em que diferencia simples "cuidado" de "amor") desfilam em Os Fabelmans. Entre conflitos de pais e filhos, o longa aposta na capacidade do perdão ("Culpa é uma emoção desperdiçada", reforça Mitzi, a mãe). Com direito a ensolaradas aventuras encenadas em praia californiana, Os Fabelmans, na raiz, examina o sufocamento exercido por pressões familiares. Neste sentido, é um bálsamo atentar para a bacana visita do tio Boris (Judd Hirsch), um antigo auxiliar de circo, que enuncia (para Sammy): "A arte é a nossa droga". Quase uma senha para o sobrinho-neto trocar o hobby com as câmeras pela visão de profissionalismo.