Aspectos de manipulação, reflexos da criação em um ninho machista e exposição de uma cruel dinâmica de atuação da polícia judiciária francesa cercam um dos protagonistas de A acusação: o jovem estudante Alexandre (Ben Attal), acusado de estupro. A partir de um premiado livro de Karine Tuil, inspirado em um caso real, o diretor de origem israelense Yvan Attal cria um roteiro arrebatador — em colaboração com a talentosa Yaël Langmann — e que foi reconhecido entre os finalistas a melhor roteiro adaptado, na última competição do César francês.
Concisa e eletrizante, a trama coloca muita lenha na fogueira. Humilhação e arrependimento chegam para a jovem Mila (Suzanne Jouannet) — ela, arraigada judia, vive com a mãe de Alexandre, Claire (Charlotte Gainsbourgh), à frente de uma segunda família. Claire é feminista, guarda lá uma dose de preconceitos, e sabe do modelo de sociedade repleta dos favores sexuais, a partir do convívio com o ex-marido Jean (o excepcional Pierre Arditi), um apresentador de televisão, às vésperas da decadência, ainda que distinguido com o mérito francês da Legião de Honra.
Entre comportamentos asquerosas, Jean, incansável, nas sucessivas cantadas, solta toda sorte de visão antiquada — propondo desde acordo financeiro até ilações sobre a sanidade da suposta e amedrontada vítima do estupro, uma professora de literatura. Estudante em Stanford (âmbito em que se deu o caso real), Alexandre pode amargar até 15 anos de reclusão. Um casos de chantagem anterior pode piorar a situação com a qual lida, e na qual julgamentos via redes sociais se multiplicam.
Atendido por um defensor público, Alexandre se vê sujeitado à invasiva investigação, gabaritada em trazer questões indiscretas. Argumentando que faltou o "pare!" de Mila, ele corresponde ao modelo de rapaz "privilegiado" que a acusação persegue. Do clima de sensualidade proposto no primeiro encontro entre Alexandre e Mila (ao som da envolvente Nature boy), A acusação passa a discutir submissão e perseguições, trazendo uma gama envolvente de detalhes. Ainda que enverede por um ensaio completo acerca de abuso, o filme examina uma carga de vulgaridades e destroça intimidades dos personagens.
Depois de embarcar na mesma linha carga argumentativa disposta em Orgulho (longa de 2017), feito por Attal e Yaël Langmann, a dupla instiga, ao revelar, com crueza, trâmites da justiça. De quebra, há um somatório de ótimas e sóbrias interpretações do elenco.