
O escritor, músico e jornalista americano Elijah Wald não esconde a surpresa ao ver sua obra “Dylan Elétrico: Do Folk ao Rock” ganhando nova vida nas telas de cinema. O livro, que examina a polêmica guinada elétrica de Bob Dylan no Festival de Newport de 1965, acaba de ser relançado no Brasil pela editora Tordesilhas, embalado pela estreia do filme “Um Completo Desconhecido”, disponível desde o dia 16 no Disney+ e já indicado a oito Oscars.
Não é a primeira vez que Wald tem uma de suas publicações associada ao cinema. Anos antes, seu trabalho como finalizador da autobiografia de Dave Van Ronk em “The Mayor of MacDougal Street” inspirou os irmãos Coen no premiado “Inside Llewyn Davis”. Mas, segundo ele, a adaptação recente tem um sabor especial, não só por ter sido idealizada pela própria equipe de Dylan, como também pelo retorno financeiro inesperado.
“Fiz esse livro porque vi uma oportunidade. O 50º aniversário do show estava se aproximando, e pensei que dava tempo de lançar algo sobre isso”, contou em entrevista por Zoom ao jornal O Globo. “Minha agente aprovou na hora. E, para minha surpresa, o livro me sustentou por quase três anos. Rendeu mais do que qualquer outro.”
O livro, que mergulha no contexto da cena folk nova-iorquina do início dos anos 1960, traz um olhar mais crítico e nuançado sobre o momento em que Dylan chocou os puristas do gênero ao eletrificar sua música. “Sempre contaram essa história do ponto de vista do fã de rock, como se Dylan fosse o gênio incompreendido e os outros, um bando de reacionários. Mas era mais complexo”, afirma Wald.
Segundo ele, o próprio show de Dylan naquele festival foi tecnicamente desastroso. “Tocaram só três músicas em vinte minutos. Intervalos longos, falta de conexão com o público… Não foi uma boa performance. A música era incrível, mas o espetáculo não funcionou ao vivo.”
Mesmo sem nunca ter conversado diretamente com Dylan, Wald conhece profundamente sua trajetória e compartilha com o ídolo uma origem inquieta. Ambos, revela, se inspiraram no livro semi-autobiográfico de Woody Guthrie, “Bound for Glory”. “Mais do que a música, era o personagem do Guthrie que fascinava. Eu li aquilo e quis ser aquela pessoa.”
Além do livro sobre Dylan, Wald tem se dedicado a investigar a história da música popular sob ângulos menos explorados. Em sua publicação mais recente, “Jelly Roll Blues: Censored Songs and Hidden Histories”, ele analisa as gravações censuradas de Jelly Roll Morton e a forma como a linguagem e os hábitos da classe trabalhadora foram sistematicamente apagados da história oficial do blues.
Mesmo sem nunca ter pisado no Brasil, Wald revela admiração por nomes como Caetano Veloso e Daniela Mercury. “Adorei o álbum ‘Feijão com Arroz’. Achei mais emocionante do que muita coisa que os intelectuais costumam valorizar.”
Hoje, aos 66 anos, diz não acompanhar tanto a música contemporânea, embora demonstre curiosidade: “Gosto da Beyoncé, mas não fico ouvindo os álbuns dela. A verdade é que é difícil se empolgar como antes.”
E quanto ao surgimento de um novo Dylan? Wald é cético. “Vivemos em bolhas. Não existe mais uma música que todo mundo ouve. Além disso, Dylan não teria sido Dylan sem os Beatles, e os Beatles não teriam existido como foram sem ele. E nada disso teria acontecido sem Elvis. Era outro tempo.”