Entrevista

Corpo a corpo com o mundo: tudo sobre o novo disco de Arnaldo Antunes

O ex-Titã faz uma reflexão sobre a atualidade em álbum lançado nas plataformas digitais, que faz uma mixagem de ritmos

 Arnaldo Antunes lança Novo mundo em álbum nas plataformas digitais: crítica ácida e delicadeza   -  (crédito:  Leo Aversa/Divulgação)
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Arnaldo Antunes lança Novo mundo em álbum nas plataformas digitais: crítica ácida e delicadeza - (crédito: Leo Aversa/Divulgação)

Sempre de olho no que há de novo e atento ao mundo que o cerca, Arnaldo Antunes volta a lançar álbum de forma solo após três anos em que excursionou com Vítor Araújo e viveu o reencontro com integrantes da formação original  dos Titãs. Intitulado Novo mundo, o disco chega com uma mistura de ritmos e mostra como o cantor enxerga a atualidade.

Com participações de peso, que variam do lendário músico David Byrne, vocalista da banda novaiorquina Talking Heads, passam pela parceira de longa data com Marisa Monte e chegam à nova geração com Vandal, Ana Frango Elétrico e Tomé, filho do artista. O álbum é diverso, interessante e tem cara de novidade. Com 12 faixas, Arnaldo Antunes faz um trabalho que tem o frescor do novo enquanto mostra toda bagagem que o cantor carrega.

Ao Correio, o artista destrincha o disco, comentou as fases da própria carreira, discute a essência de um rockstar e fala sobre como é essa perspectiva de novo mundo que propõe no trabalho de estúdio.


Como foi o processo de trazer sonoridades e referências diversas que te movem para o disco e dessa forma mostrar várias faces distintas da sua música?

Na verdade, os meus discos sempre têm essa diversidade, essa liberdade de transitar em diferentes gêneros, até de misturar gêneros, de atritá-los. Eu acho que isso é uma herança da minha geração, que veio da Tropicália, a gente é dado às misturas. Mas, nesse disco em especial, eu acho que tem a contribuição da banda e do Pupillo, principalmente como produtor. Ele tem um desejo muito grande de experimentar coisas e de inovação o tempo todo. De certa forma, essa liberdade de transitar entre esses gêneros não deixa de mostrar uma identidade sonora muito marcante.

Porque é tudo uma leitura muito original dessas praias, não tem nada muito standard, o que fica mesmo é a personalidade da banda. Parece que cada músico ali, em vez de fazer levadas de acordes, faz mais frases que vão desenhando e que se entrelaçam, tornando-se um tecido sonoro muito original. Por isso, acho que foi uma felicidade esse título, Novo mundo. Apesar de se referir ao tema ali da canção Novo mundo, traz também um ar de renovação ao meu som, uma nova concepção sonora. Isso é por conta de todos os envolvidos, da execução, da produção até a finalização.

Você sempre foi um artista ansioso por novidades. Esse álbum parece te possibilitar isso, fazer algo novo e conversar com um novo público. Como essa urgência do novo está presente neste disco?

Na música, nas artes, eu gosto muito de coisas novas, de experimentar. Acho que a novidade é um dado essencial para a criação artística. Ninguém quer viver só de repetição. Muitas vezes, as pessoas menosprezam a capacidade do grande público de aprender novidades. Acho que isso é uma necessidade do ser humano. Eu sempre me senti curioso e a fim, não só como ouvinte, mas como criador, de trabalhar com pessoas novas e fazer tudo isso.

Nesse disco, tem o Vandal e a Ana Frango Elétrico, com quem eu nunca tinha trabalhado, mas sou fã dos dois. Achei muito encaixado o nosso diálogo, a Ana com aquele charme todo da voz dela, fazendo aquele dueto verso a verso comigo, porque também é uma música que o final de um verso encontra o início do outro, se sobrepõe ali. Enfim, sou fã, adorei o último disco dela. O Vandal também, eu fiquei surpreso, é uma das coisas mais interessantes que está acontecendo nessa área do rap, vindo ali da Bahia. Ele entrou na canção com uma adequação absurda. Eu adoro também o jeito de ele cantar, me identifico, é o jeito como eu cantava no começo dos Titãs, meio cuspindo as palavras.

Ainda tem David Byrne, que eu sempre tive muita identificação, muita afinidade, muita admiração também. Nunca tinha feito nada junto. Eu o conheci nesses encontros da vida. Quando fiz o convite, ele foi super solícito, mandei o material dessas duas canções para ele  escolher, mas ele acabou fazendo as duas comigo. Compusemos por e-mail. Ele gravou lá em Nova York, eu gravei aqui em São Paulo, em uma troca de e-mails durante quase um ano, fazendo e lapidando. Foi muito legal o processo todo. E, claro, o álbum não é só novidade, tem uma coisa que as pessoas já conhecem, que é a parceria com a minha querida Marisa Monte.

Acho que as nossas duas vozes juntas já soam como uma coisa, uma outra entidade. Agora, elas estão juntas em uma canção nova. Fora as participações dos cantores, tem também uma participação do Tomé, meu filho, na guitarra de Pra Brincar, é o único músico assim. Fora essa formação com a qual a gente gravou.

A presença de David Byrne, ícone do Talking Heads, no disco é muito ilustre, e vocês têm muito em comum. Você o entende  como uma figura inspiradora para o seu trabalho?

Eu me identifico, inclusive, com essa coisa do David, de que ele também está sempre buscando renovação. Eu o acompanho desde o Talking Heads ali no começo dos 1980, o Stop making sense marcou muito para mim. A performance dele também me influenciou. Porém, acompanhei várias fases dos trabalhos dele até agora, o American Utopia, que é um deslumbre, sempre me identificando, achando que tinha a ver. Por isso, acredito que fez sentido o encontro. Há décadas, ele tinha escrito o prefácio de uma antologia de poemas meus que saiu na Espanha. Foi muito legal, fiquei muito grato. Fora isso, a gente teve poucos encontros. No entanto, foi bacana como ele abraçou esse convite para a gente fazer uma coisa junto.

O disco trata, entre vários assuntos, de tópicos muito sensíveis e importantes para a atualidade brasileira. Como esses temas te atravessaram para se tornarem arte?

Pois é, Novo mundo é engraçado, porque a pessoa vê o título e fica achando que deve ser uma coisa positiva e tal. Aí, de cara, vem a primeira faixa, que é a música Novo mundo, que é uma porrada. Mas, eu acho que é um retrato do que  venho sentindo já há algum tempo e que vem crescendo. Os meios digitais alteraram a relação entre as pessoas. Havia uma expectativa, no começo da internet, de que uma circulação livre de informação ia trazer uma convivência mais generosa entre as pessoas, mais tolerante, um convívio com as diferenças mais enriquecedor. E, de certa forma, isso foi desabando e se mostrando o lado mais perverso das redes. Não só a coisa viciante, mas a coisa do algoritmo privilegiar o ódio e a violência.

Ao mesmo tempo, a ascensão da extrema direita no mundo, impulsionada por esse contexto digital que, de certa forma, incentiva esse lado sombrio. Tudo isso junto com a gente vivendo uma situação de guerra, de uma crise climática sem precedentes, de uma economia global devoradora, voraz e de uma concentração de renda absurda, na mão de pouquíssima gente. Enfim,  acho que já tive músicas críticas como Muito muito pouco, como Real resiste, tudo isso. Essa canção entra um pouco nessa linha, quase de um desabafo sobre o que a gente está vivendo. Contudo, claro que a consciência desse mundo também nos faz buscar respostas de como reagir, como resistir a isso.

Acho que o disco acaba apresentando no seu lado mais solar, mais amoroso, em outras canções e acaba dando uma resposta de como a gente pode reagir a esse mundo hostil. Um álbum que vai do rock and roll mais contundente, mais visceral, mais ácido, ao lado amoroso.

De que forma você acha que seu lado mais crítico se desenvolveu para chegar ao ponto que está hoje, mais ácido, contundente, complexo e relevante?

É difícil avaliar, eu não vejo assim. Sempre tem esse lado de alguma forma, pontualmente, nos meus discos,  com um lado também mais doce, desde o primeiro disco dos Titãs. Enfim, acho que são lados que convêm. Uma coisa não exclui a outra. Você é capaz de violência e de doçura, como qualquer ser humano é. Isso se manifesta mais ou menos dependendo do álbum, mas não há um caminho cronológico para a gente ver um crescimento ou um afunilamento disso em diferentes fases. O rock and roll também acaba sendo mais uma questão de comportamento do que de gênero musical. Eu continuo tendo uma postura rock and roll, mesmo num show como o Lágrimas no Mar, voz e piano com o Vítor Araújo. Está dentro de mim isso, nunca deixei de ter. É uma questão de sede.

Esse disco não é apenas sobre as críticas que estavam entaladas, mas também mostra o que você acha bonito, o que há de belo dentro de você. Como você maneja esses lados?

Realmente, tem essas duas coisas. Acho que as pessoas separam muitas vezes essa música que fala o que passa no olho, o que passa na cabeça, o que passa no braço. Porque as pessoas se separam em: é uma coisa de sentimento ou é uma coisa muito racional. Enquanto que essas coisas se traduzem uma na outra. Tudo que você sente, você está, de certa forma, recodificando isso no seu cérebro, na sua memória e no seu pensamento. Você passa a sentir coisas também a partir do que você pensa. Você lembra de uma coisa, aquilo vira sensação. Então, é um pouco isso, tudo está passando pela cabeça e pelo corpo.

Essas coisas da realidade que nos revoltam, como quando a gente assiste a uma guerra, uma violência policial ou uma tragédia, aparecem para nós como sentimento também. Afinal, não podemos normalizar isso. A gente precisa ter consciência, precisa saber do que é o valor da vida humana e do que nos indigna. Porém, é claro que a gente não pode se deixar tomar pela revolta, pela indignação. A gente tem que cultivar as coisas boas. A melhor arma contra o mal é cultivar os sentimentos positivos, os afetos, a arte. tudo isso são as respostas que a gente tem que buscar para responder. Acho que esse disco tem esses dois lados.

São 33 anos de carreira solo, com vários discos e muitas fases. De que forma você abraçou esses vários Arnaldos que existiram nesse caminho para chegar até aqui?

Putz, isso é tão inconsciente que é difícil eu fazer esse balanço. Eu acho que já fiz muita coisa diferente, mas sempre  estou buscando. Então, é isso que me move, é uma sede da criação mesmo, de não querer ficar só fazendo a manutenção daquilo que eu já sei, daquilo que eu já fiz. É sobre querer me aventurar também. Acho que esse disco traz isso e também não é um marco de chegada. Ele é um: ‘cheguei aqui’, mas ele é um passo que vai ser superado no próximo projeto. A gente está andando, cada trabalho novo a gente põe uma pedra para dar o próximo passo sobre ela.

 

Pedro Ibarra
postado em 24/03/2025 04:00