Cinema

Contra apagamento de Honestino Guimarães, filme será lançado neste ano

Longa dirigido por Aurélio Michiles, protagonizado por Bruno Gagliasso, mistura documentário e ficção para reconstituir a vida do líder estudantil

O filme usa recursos documentais e de ficção -  (crédito: Mercado Filmes/Divulgação)
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O filme usa recursos documentais e de ficção - (crédito: Mercado Filmes/Divulgação)

Contra os sombrios interesses que, "entre o ontem e o hoje", sabotam a história verdadeira com apagamentos e deturpações, o diretor e roteirista Aurélio Michiles traz um antídoto: o cinema. "Recentemente, vivemos em nosso país manifestações pedindo a volta da ditadura, intervenção militar à la AI-5. Há notórios corruptos, torturadores e assassinos celebrados como heróis, e, mesmo no mundo, o apoio explícito ao fascismo e ao nazismo, o preconceito e a intolerância racial se posicionam como valores a serem defendidos", avalia. Com olho nessa realidade, Aurélio começa a traçar a trajetória do futuro lançamento do longa Honestino, estrelado por Bruno Gagliasso e previsto para o segundo semestre. "Faz-se necessário mostrarmos atrocidades cometidas quando esse tipo de gente esteve à frente do poder, aqui no Brasil, durante 21 anos", destrinça.

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O embalo do fenômeno Ainda estou aqui (vencedor do Oscar) chega ao diretor como a reafirmação da exigência premente e "permanente" de a história nutrir seu bom andamento. "Brasileiros e o ambiente mundial se encontram ameaçados por uma onda da extrema direita. O Ainda estou aqui tocou quem entendeu que a ameaça se avizinha e que há necessidade de reação", comenta o cineasta. Aurélio vê temas como a defesa dos direitos humanos e da democracia como inesgotáveis — "fazem parte da vida, como a água e o ar que respiramos".

Entalado na garganta está o propósito de contar e recontar o que fizeram com o jovem estudante Honestino Monteiro Guimarães, que está desaparecido há 52 anos. "O Honestino Guimarães era presidente da UNE quando foi preso, torturado, assassinado e teve seu corpo desaparecido. Daí, queremos fazer junto com a UNE pré-estreias do filme em 15 universidades federais. E vamos também percorrer o circuito de festivais nacionais e internacionais, antes de entrar nas salas de cinema", observa o produtor Nilson Rodrigues, da Mercado Filmes, que criou o longa, com investimento no patamar de baixo orçamento, perto de R$ 3 milhões.

No momento, o produtor conta que há o desafio para a plataforma de lançamento de Honestino, com a busca de R$ 1 milhão a ser reservado para a distribuição. "Temos conosco a distribuidora Pandora Filmes, e estamos juntos nesse desafio. Um dos grandes problemas do cinema brasileiro é a miopia dos que dirigem a política de cinema, porque se produz muito, mas pouca gente vê os filmes, exatamente porque não há investimento na divulgação para que as obras entrem em cartaz nas salas de cinema com visibilidade. Por que um exibidor deve colocar um filme em exibição se ninguém sabe que ele existe? Dessa forma, não haverá público", avalia, antevendo obstáculos a serem contornados.

Para além de revitalizar o olhar sobre o tema do filme, por injeção de atualidade, Aurélio Michiles pretende estender às novas gerações o conhecimento e percepções. "Revelar que um jovem, igual a eles, teve a coragem de assumir um enfrentamento de vida e morte contra a violência sistêmica da ditadura", pontua. Tida como "argamassa" para a história a ser contada, a pesquisa para o longa envolveu leituras de Paixão de Honestino, escrito por Beth Almeida e Honestino, o bom da amizade é a não cobrança, assinado por Maria Rosa Leite Monteiro, mãe de Honestino. Fundamental para o filme-documentário foi o vasculhar em rico material como cartas, textos e poemas de autoria do próprio Honestino, além do enriquecimento com depoimentos de amigos contemporâneos do protagonista.

No diferencial de ser um filme com adesão de documentário, Michiles observa mais complexidade às camadas de uma produção regular que demanda grande número de pessoas envolvidas, profissionais especializados para cada área, como fotografia, direção de arte, figurino e produção. "Houve mais elaboração, pela opção de se contar a história do Honestino por meio de um filme-documentário híbrido, com depoimentos, imagens de arquivo e cenas ficcionais, com elenco", comenta.

E haveria risco nessa incursão criativa junto à trajetória de Honestino? "Toda produção artística tem como princípio a criatividade, sem ela o resultado seria apenas uma mostra pífia do assunto que se propõe a refletir. A história não é um objeto inanimado, estático no tempo e no espaço. a história se encontra em movimento, mesmo quando nós não conseguimos percebê-la concretamente, daí, sempre, a necessidade da criação artística ou outra forma de investigação científica da história ter que recorrer a sutilezas", comenta o diretor. O uso de metáforas visuais deve incrementar Honestino, a fim de que o recurso possa fazer ponte entre gerações do público. "Pretendemos atingir o público daqueles que vivenciaram e até mesmo não perceberam (as violências) e a outra geração, nascida posteriormente, e que não teve a oportunidade de tomar conhecimento sobre determinados episódios emblemáticos vistos pelos pais e avós", conclui.

 

  • Nilson Rodrigues, Aurélio Michiles e Bruno Gagliasso: 
parceiros na aventura de reviver Honestino Guimarães
    Nilson Rodrigues, Aurélio Michiles e Bruno Gagliasso: parceiros na aventura de reviver Honestino Guimarães Foto: Mercado Filmes/Divulgação
  • Bruno Gagliasso em Honestino: história revivida para as novas gerações
    Bruno Gagliasso em Honestino: história revivida para as novas gerações Foto: Fotos: Mercado Filmes/Divulgação
Ricardo Daehn
postado em 23/03/2025 06:00