
A atriz Beth Goulart está celebrando 50 anos de carreira com projetos que refletem sua paixão pela arte e pela vida. Após 10 anos de intervalo, ela resgatou, no Rio de Janeiro, o monólogo Simplesmente eu, Clarice Lispector, peça que que lhe rendeu o Prêmio Shell de Melhor Atriz e que ela estreou em Brasília, em 2009, ressaltando ser um lugar pelo qual a escritora homenageada tinha um carinho especial. "Ela escreveu vários textos sobre a cidade e dizia que quem a construiu tinha noção de eternidade. Clarice tinha a sensibilidade de perceber o avanço do tempo em Brasília. E, por isso, começar esse projeto na cidade é bacana. É como voltar ao berço de inspiração", comentou, à época, em entrevista ao Correio.
Agora, 16 anos depois, Beth destaca, em conversa com a reportagem, a sensação de reviver a personagem e o estado de espírito em que chega ao cinquentenário do seu casamento bem-sucedido com as artes, manifestado também na literatura — a artista de 64 anos completados em janeiro também lançou o segundo livro, chamado O que transforma a gente? — Breves reflexões para mudanças profundas. "O tempo traz uma compreensão que nos faz apreender a vida em outro lugar", destacou a aquariana.
Atuante nas redes sociais, a filha do meio dos saudosos Nicette Bruno (1933-2020) e Paulo Goulart (1933-2014) comenta sobre a conexão direta que estabeleceu com o público durante a pandemia, quando perdeu a mãe, e reflete sobre as transformações vividas na teledramaturgia, que perdeu o interesse pelos artistas veteranos. "A nossa sociedade vai envelhecer, é um tema que deveria ser visto com mais carinho, e mais atenção", desabafou a avó "babona" de Maria Luiza, 8 anos, herdeira de João Gabriel, o único filho da artista.
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Entrevista | Beth Goulart
Como está sendo esse retorno aos palcos, após uma década, com Clarice Lispector?
É um reencontro de almas, Clarice nunca me deixou totalmente. Uma autora como ela vive com a gente, é uma literatura que faz parte da minha vida. Eu estava com saudade, é uma literatura privilegiada. Comemoro 50 de carreira com algo que me representa como criadora. Não é tudo igual, que arte viva é o teatro, não? Quando você lê um livro pela segunda vez, tem outra sensação, tem outros lugares. Aquelas palavras vão ecoar e vibrar em outros lugares. E são 10 anos com perdas no meio — meu pai e minha mãe morreram nesse intervalo. Isso me fez ter outra compreensão da vida, é inevitável. A cada década, a gente ganha um estágio da evolução, é um acaso que não é acaso. Tem uma simbologia, existe um mistério por trás de cada coisa. Uma geração nova vai ter oportunidade de vivenciar a peça, as pessoas leem com mais intensidade. A beleza do teatro é ser essa arte viva.
Você também lançou o seu segundo livro, que fala sobre transformações profundas...
Falo sobre transformações, perdas e o tempo como depurador da nossa essência. Assim como o vinho se aperfeiçoa com os anos, o tempo traz uma compreensão que nos faz apreender a vida em outro lugar, nos torna com mais sabedoria, a não dar importância ao que não tem mais importância. Jovens têm muita inquietação e ansiedade, e não vive o que se é, mas busca o que se deseja ser.
E qual o balanço você faz dos 50 anos de carreira?
É uma grande confirmação de que a escolha foi no caminho certo. Vocação é diferente de talento, eu soube ouvir o chamado.
E em relação às novelas? Sua última participação foi em 2021, em Gênesis. Foi uma escolha se afastar do gênero?
A escolha foi do gênero, que vai passando por transformações, profundamente, de conceito, de ideia, de velocidade, de tema, de interesses. Às vezes, vem o convite, e não corresponde ao interesse pessoal. E eu sou criadora, tenho projetos, interesses, ideias. Tenho saudades, sim, é um veículo muito importante e que nos propõe uma conexão direta com o público, mas a mudança veio em vários níveis: nos autores, na concepção, nos interesses para o elenco...
Mas o público sente falta de veteranos como você nas telinhas...
Sinto pena que o 60 não seja um tema que interesse ao mercado. A nossa sociedade vai envelhecer, é um tema que deveria ser visto com mais carinho, e mais atenção. Se você não fala sobre, não prepara as pessoas para essa etapa importante da vida. Hoje, o público-alvo do mercado prefere o rápido e o instantâneo. Mudou-se o processo que tinha a ver com arte. Porque a pausa faz parte da arte da interpretação, mas o que vale hoje é a agilidade, que é o que atrai o mercadológico. Mas envelhecer bem é a melhor alternativa.
Com quais autores você gostaria de ter trabalhado ou repetido? E está aberta ao streaming?
Aguinaldo Silva, com quem fiz O outro. Eu gosto da dramaturgia rica que ele faz, que sai de uma realidade cotidiana. Glória Perez também é uma autora que eu queria ter trabalhado mais, só fiz O clone, uma personagem deliciosa chamada Lidiane. Com a Rosane Svartman, eu nunca trabalhei, adoraria. E sim, me interesso também pelo streaming, por que não? É dramaturgia do mesmo jeito.
Você também é bem ativa nas redes sociais, onde é seguida por 1,6 milhão de perfis. Como surgiu esse casamento com o digital?
Nasceu mais na pandemia, pela doença e morte da minha mãe. Era uma forma de me comunicar com as pessoas. Houve uma transformação profunda, e isso tende a fortalecer mais a conexão com as pessoas. O que apresento ao seguidores é genuíno, são os meus valores de vida, meu olhar sobre a vida, a arte, a filosofia. Recebo um feedback muito positivo, as pessoas gostam muito, porque são falas que fazem bem para as pessoas, são pensamentos, impulsos da alma. Uma frase que leio é um mote para uma narrativa. É de coração para coração, você sente o que está ouvindo. Eu respondo todos que comentam, interajo, faço comentários em posts de quem sigo de volta, é uma conexão maravilhosa.
A Beth avó é babona?
Ah, como eu sou! Eu convivi com minha avó muito intensamente, tenho memória muito afetiva, então priorizo essa convivência com minha netinha. Eu tiro o dia da avó para viver a vida da minha neta, a gente vai a uma casa de brincadeira sozinhas, é um barato. Mamãe era animadíssima como avó, ela sempre foi muito animada, trabalhava muito e estava sempre pronta para curtir a família. A "Dona Benta" existia também na vida real. Ela era maternal, gostava de receber, sempre rodeada de muito amor. E isso se manifestou nos filhos também.