Crítica

Bob Dylan no último título indicado ao Oscar: confira crítica do filme

Cinebiografia mostra o despontar do talento de Bob Dylan em meio às turbulências da Guerra Fria

Um completo desconhecido -  (crédito: Divulgação/Searchlight Pictures)
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Um completo desconhecido - (crédito: Divulgação/Searchlight Pictures)

Crítica // Um completo desconhecido ★★★★

Com fictícios binóculos, Bob Dylan (Timothée Chalamet) diz ver a alma de Jesse Moffetteo (personagem inexistente na vida real), um músico de blues que rende divertido momento televisivo, encenado no longa Um completo desconhecido — o novo e premiado longa de James Mangold (de Johnny & June e de Ford vs. Ferrari). Estabelecendo conexões, num começo de carreira impulsionado por papas do folk do porte de Pete Seeger (Edward Norton, fabuloso, e indicado ao Oscar de coadjuvante) e Woody Guthrie (Scoot McNairy), Bob Dylan ganha intensidade com a presença (aquietada e algo blasé) do ator Chalamet. Até as atribuladas participações no Newport Folk Festival, em especial a de 1965, Dylan pavimentará as expressas ideias da letra de The times they are A-changin. Tudo, na antessala de uma nova era da musicalidade country e folk.

As descobertas de Robert Zimmerman (nome de batismo do criador de Mr. Tambourine Man) — que chegam em ondas no roteiro adaptado (indicado ao Oscar) de Jay Cocks e Mangold — incluirão turnês, fama desmedida, moderada subversão e inovações musicais. Amigo por correspondências de Johnny Cash (Boyd Holbrook), esse, fã confesso do autor do álbum Freewheelin, Dylan não demora em deixar fluir a veia de "menestrel misterioso", como é descrito, e também de conquistador, por vezes, involuntário, de pessoas como Sylvie (Elle Fanning) e a magnética Joan Baez (Monica Barbaro, em estado de graça), com quem compartilha duetos (A hard rain's A-gonna fall e It ain´t me baby).

A análise da ganância que rondou a era dos anos 60 (com a crise dos mísseis cubanos) está estampada na performance de Masters of war. O valor artístico de Chalamet (vitorioso na premiação do sindicato dos atores, SAG) e Barbaro, que lideraram as performances com vozes próprias, traz mérito absoluto. Na conjuntura explosiva dos conflitos bélicos da era, entre apresentações no icônico Gaslight, pesam a autenticidade do grupo de artistas que cantavam amor, justiça e paz, mas também respira-se o tom crítico de Dylan que aponta o demasiado "esforço presente nas composições de Baez". Os desentendimentos não passam batido no filme indicado a oito prêmios Oscar.

Impulsionado pelas gravações da Columbia Records (que detinha ícones como Doris Day e Miles Davis no catálogo), no filme com excelente direção de James Mangold (indicado ao Oscar), o Dylan da tela deixa entrever sua suposta experiência advinda de apresentações em parques de diversão. Até sentirmos a nostalgia do entoar de So long, it's been good to know yuh (a obra de Woody Guthrie), muita coisa na tela foi condensada no exemplar roteiro que sabe se valer de um belo quesito que tem feito falta nos enredos: o da admiração gritante e mútua entre artistas (nunca vistos como concorrentes).

Múltiplo — a ponto de querer ocasionalmente ser um estranho, transportado "para qualquer lugar" — Dylan abraça a diversidade, como explicita para o amigo Bobby Neuwirth (Will Harrison). Indicado a melhor filme no Oscar, o longa não deixa de incorporar as inovadoras músicas que promoveram caos e balizaram o reconhecimento, entre as quais as perigosas apostas de Maggie's Farm, Like a rolling stone e It's all over now, Baby Blue.

 

Ricardo Daehn
postado em 28/02/2025 12:42 / atualizado em 28/02/2025 13:38