
Foi em meio a um processo de depressão e de reavaliação de vários aspectos da vida que Theodoro Cochrane e mãe, Marília Gabriela, começaram a amadurecer a ideia de fazer uma peça juntos. Primeiro, ele resistiu. “Meu pai havia morrido, meu casamento estava acabando, eu estava desempregado de todas as minhas profissões como DJ, figurinista, cenógrafo, ator e entrevistador, num processo depressivo profundo e sob o véu da depressão estava reavaliando a minha vida , da via da minha mãe, a vida de nós dois, a nossa relação de uma forma muito cruel e verdadeira”, conta. “Mamãe, numa de nossas conversas diárias e de nossas reavaliações de relação, sugeriu que fizéssemos uma peça de teatro juntos. Eu, obviamente, na época falei: ‘claro que não, que absurdo, a vida já foi, aconteceu, não quero’”.
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Mais tarde, Theo mudou de ideia e assim deu espaço para o surgimento de A Última Entrevista de Marília Gabriela, em cartaz no Teatro Royal Tullip neste sábado (22/2) e no domingo (23/2). Com texto de Michelle Ferreira e direção de Bruno Guida, a pela encena um encontro entre mãe e filho para uma entrevista, tal qual aquelas às quais Marília Gabriela realizou durante décadas na televisão. “Michelle escreveu o texto que, mesmo sendo metalinguístico e inspirado em entrevistas minhas, entrevistas de minha mãe e da Michelle com os dois, é um texto escrito de cabo a rabo e é seguido no palco”, avisa Theodoro.
Durante a suposta entrevista, que mistura ficção e realidade, surgem temáticas como etarismo, feminismo, o trânsito entre o público e o privado e as diferenças naturais na convivência entre pessoas de gerações diferentes. “A gente já havia dito espontaneamente muitos dos temas nessas conversas entre aspas, lavação de roupa suja, essas colocadas de vida a limpo. Esses temas já haviam sido abordados em algumas entrevistas que minha mãe havia dado para meu canal, o Tête à Theo, no Youtube, e na entrevista que eu havia dado para minha mãe no projeto dela, A última entrevista de Marília Gabriela, também no youtube”, garante Theodoro.
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A Última Entrevista de Marília Gabriela
Com Marília Gabriela e Theodoro Cochrane. Sábado (22/2), às 20h, e domingo (23/2), às 19h, no Teatro Royal Tulip (Hotel Royal Tulip Alvorada - SHTN Trecho 1). Ingressos: R$ 160 e R$ 80 (meia), R$ 100 (solidário). Não recomendado para menores de 14 anos
Entrevista//Theodoro Cochrane
Pode contar como surgiu esse projeto? Quem teve a ideia e o que motivou colocar essa entrevista no palco?
A ideia surgiu em Lisboa, quando estava montando o apartamento para minha mãe, apartamento que ela comprou para morar lá. Ficamos vivendo juntos, 24 horas por dia, sete dias por semana juntos. Meu pai havia morrido, meu casamento estava acabando, eu estava desempregado de todas as minhas profissões como DJ, figurinista, cenógrafo, ator e entrevistador, num processo depressivo profundo e, sob o véu da depressão, estava reavaliando a minha vida, a vida da minha mãe, a vida de nós dois, a nossa relação, de uma forma muito cruel e verdadeira. Claro que esse verdadeiro era dentro dessa deturpação da realidade que a depressão e o tratamento proporcionam. E eu estava sem beber na época, parece coisa de bêbado pesado, mas é isso, eu tava sem beber, como se fosse um detox geral. Estava bem estimulado e irritado. Mamãe, numa de nossas conversas diárias e de nossas reavaliações de relação, sugeriu que fizéssemos uma peça de teatro juntos. Eu, obviamente na época, falei “claro que não, que absurdo, a vida já foi, aconteceu, não quero”. Mas surgiu dela. E depois, com o tempo, o amadurecimento, a minha cura após muita terapia, psiquiatra e diálogo, achamos que sim seria, no mínimo, interessante colocar essa reavaliação da vida dela e da minha no palco.
Como os temas abordados durante essa entrevista foram escolhidos?
A gente já havia dito espontaneamente muitos dos temas nessas conversas entre aspas, lavação de roupa suja, essas colocadas de vida a limpo em Portugal. Esses temas já haviam sido abordados em algumas entrevistas que minha mãe havia dado para meu canal, o techatel, no youtube, e na entrevista eu havia dado para minha mãe no projeto dela A última entrevista de Marília Gabriela, também no youtube. A autora, Michele Ferreira, que era minha amiga, fez escola de arte dramática comigo e hoje é uma grande autora, já tinha um trabalho extenso em cima do metateatro, da metalinguagem. Ela me entrevistou, entrevistou minha mãe, entrevistou nós dois e ficou um mês na sala de ensaio. Ela se inspirou nessas entrevistas para criar essa outra entrevista, que seria um compilado das nossas entrevistas onde havia todos esses temas e mais outros que ela quis inserir para deixar a peça para além da curiosidade da Marília Gabriel e do Theodoro, para algo mais arquetípico e universal que a própria peça propõe.
Que tipo de interação há com o espectador?
Interação é um tema tão abrangente! Há todo tipo de interação com o espectador, desde a mais sutil, até a mais literal. A gente chama essa peça de “peça de pistas falsas”, no melhor sentido da falsidade. Você, de repente, acha que é uma peça de teatro contemporâneo, depois comédia escrachada, depois melodrama, depois tragédia, depois que é uma peça interativa ou um musical. A interação mais literal acontece com perguntas. As pessoas participam enviando perguntas que eu sorteio lá na hora para fazer à minha mãe em um dos momentos da peça. E tem outra a interação do público, digamos que eventualmente alguém pode subir no palco.
Há um roteiro? E como ele é seguido? Qual o espaço para a improvisação?
Existe espaço para improvisação, mas como digo, quando fiz CPT, com Antunes (Filho), existem alguns momentos em que a peça tem estações, como se você pegasse um trem em uma estação, passasse por outras e terminasse com uma série de ações no meio desse trajeto. Em alguns momentos da peça, a gente segue a estrutura das estações, tem um ponto de partida, tem algumas estações que têm que ser visitadas e temos um desfecho ao qual temos que chegar. Esse processo acontece mais intensamente em alguns momentos e, em outros, é um texto decorado, estudado, que a gente fala certinho, mas de uma forma que pareça o tempo inteiro ser improvisação. Uma peça de pistas falsas.
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