

A peça fala sobre dona Marlúcia, uma idosa moderna em busca de ajuda para se adequar ao desejo dos filhos, para que ela se torne uma vovó mais comum. O texto inédito aborda, de forma leve e divertida, as críticas aos rótulos impostos pela sociedade ao envelhecimento, e ao comportamento da terceira idade. É a comédia, como instrumento para quebrar barreiras, e provocar reflexão sobre a terceira idade. "Como a figura principal é uma avó querida, absolutamente todas as faixas etárias vão se identificar com a peça", adiantou o autor.

ENTREVISTA | Paulo Fontenelle
Como você descreveria sua jornada como diretor e roteirista, desde seus primeiros trabalhos até os projetos atuais?
Difícil descrever, mas acho que hoje posso dizer que sou um diretor e roteirista que navego bem por vários gêneros. Comecei como documentarista, e sigo fazendo documentários até hoje, depois fiz comédias, dramas e muito terror. Na verdade, o que me interessa são bons projetos. Meus últimos trabalhos, por exemplo, são a comédia O porteiro, o terror Sala escura e o drama Mariana. Atualmente estou filmando outra comédia, chamada Marido de aluguel.
Quais são os principais desafios que você enfrentou ao longo de sua carreira, e como você os superou?
Fazer audiovisual e teatro no Brasil já é um enorme desafio. Acho que o meu grande desafio, para ser mais específico, foi entender que eu queria fazer obras mais complicadas para conseguir financiamento. Eu adoro comédias, adoro dirigir comédias, mas queria fazer mais, queria o drama, queria o terror. Então, acabei tendo que aprender a jogar nas 11. Hoje, além de diretor e roteirista, eu também sou montador e produtor, tendo inclusive, produzido e montado longas para grandes parceiros. Tive que ir me reinventando para poder realizar os projetos que eram de meu desejo.
Como você vê a evolução da indústria cinematográfica e televisiva brasileira nos últimos anos, e como você acha que ela pode continuar a se desenvolver?
Acho que o digital mudou tudo quando chegou. E, agora, as redes sociais estão mudando tudo novamente. A audiência do cinema e da tevê está envelhecendo. A nova geração quase não liga mais a televisão. São vídeos no celular o tempo inteiro. O cinema ainda se mantém como um ritual para toda a família, que começa com os filmes infantis criando o hábito. Mas isso está se perdendo na televisão. A dramaturgia da televisão precisa se reinventar para competir com isso. Eu não tenho ideia de qual fórmula mágica, mas é algo que precisamos pensar.
Você também está estreando a peça Moderninha. Qual é a inspiração por trás dessa peça, e como você acha que ela será recebida pelo público?
Rosane Gofman é uma amiga querida. Temos uma parceria de trabalho que se iniciou anos atrás e seguiu para a vida. Mesmo quando não estamos trabalhando juntos, nos falamos e saímos sempre que possível para um café. Em um desses cafés, surgiu Moderninha. Rosane comentou que estava completando 50 anos de carreira. "Precisamos fazer uma peça pra comemorar!", eu disse. "Escreve pra mim!", ela respondeu imediatamente. A gente é assim, a gente se empolga e faz. Fiz uma grande pesquisa sobre questões femininas da terceira idade e tive grandes conversas com a Rosane para trazer coisas dela e de sua personalidade para a Marlúcia, personagem do monólogo. Rosane é uma mulher moderna, feliz, que emana uma energia maravilhosa. Rosane não tem papas na língua, fala o que pensa, a maior parte das vezes consegue fazer tudo isso com muito bom humor. Moderninha é o resultado da união de todas essas coisas. O humor em relação a questões da terceira idade. Mas, como a figura principal é uma avó querida, absolutamente todas as faixas etárias vão se identificar com a peça. No final, fizemos algo que vai tocar o coração — e trazer muitas risadas — de todas as pessoas.
Como você desenvolve suas ideias para projetos de cinema e televisão, e quais são suas principais influências?
O que eu vou falar é clichê, mas minha influência é a vida. E pode vir de qualquer lugar da vida. De uma emoção, um sentimento ou mesmo de uma situação. Moderninha surgiu de um café com a Rosane e a vontade de fazer uma peça bem humorada sobre a realidade e as cobranças quando uma mulher chega à terceira idade. O terror Sala escura surgiu de um momento em que senti medo por estar em uma sala de cinema vazia. O porteiro, minha outra peça que virou filme, surgiu de um papo meu com o ator Alexandre Lino em um almoço em que ele comentou que só era convidado para fazer porteiros na tevê. O filme que estou rodando agora, Marido de aluguel, surgiu de quando eu precisei chamar um faz-tudo para consertar coisas em minha casa (e olha que eu mesmo gosto de consertar tudo, mas tem várias coisas que não sei fazer). Agora mesmo estou desenvolvendo um projeto com Maurício Manfrini a partir de uma situação específica que passamos e vários outros trabalhos surgiram dessa forma. O dia a dia vai me inspirando, e eu vou criando.
Você já trabalhou com uma variedade de gêneros, desde comédia até terror. Qual é o seu gênero favorito para trabalhar, e por quê?
Meu gênero favorito é o "bom". O bom projeto, a boa ideia, a boa premissa, que vira um bom roteiro. Eu gosto de todos os gêneros de filmes. Vou desde o drama francês até o comercial americano. Quando eu tinha 14 anos, trabalhei em uma locadora de vídeo e levava todos os tipos de filmes para a casa. Via uns três ou quatro filmes por dia, não dormia. Na locadora, ficava vendo filmes o dia inteiro. Eu fico muito feliz hoje de poder fazer terror, drama, romance e eu adoro as comédias! Meu desejo, como cineasta e autor, é poder seguir viajando pelos mais variados gêneros. Meus próximos lançamentos são um drama e uma comédia. E, este ano, devo voltar aos documentários, onde comecei. O projeto sendo legal, farei de tudo para realizar.
Você já trabalhou com uma variedade de produtoras e profissionais da indústria. Qual é o seu processo para escolher projetos e colaboradores?
Eu dei sorte de fazer grandes parceiros na indústria audiovisual e sei o quanto é difícil, pois também já estabeleci parcerias que lá na frente foram decepcionantes. Tem outras que fiz um ou dois (ou vários) projetos ou mesmo que tive conversas sobre filmes que não aconteceram que adoraria trabalhar novamente ou pela primeira vez. Acho importante estar sempre com as portas abertas. Tem muita gente no mercado que eu adoro, são meus amigos, mas nunca trabalhei. Acho que é algo que vai fluindo com o tempo. Eu dei a sorte de estabelecer parcerias de vida mesmo. Somos antes de mais nada amigos que trabalhamos juntos porque gostamos. A lista, hoje, por sorte, é bem grande. Atores, atrizes, produtores, distribuidores, fotógrafos, arte, som, todas as equipes têm grandes parceiros. Nossa indústria é uma indústria de egos, natural. Quando eu esbarro com pessoas verdadeiras me identifico e trabalhar com essas pessoas é um grande prazer.
Quais são os principais conselhos que você daria a jovens diretores e roteiristas que estão começando suas carreiras?
Veja filmes, veja séries, veja vídeos. Estude, se prepare, leia tudo o que puder sobre a indústria criativa. Livros, matérias, entrevistas, biografias. Estude! Para quem não conhece, o audiovisual é o glamour das pré-estreias, das premiações. Na verdade, o trabalho é árduo, de doze horas por dia, repetitivo, cansativo e um desafio financeiro. Você precisa estar preparado. Eu amo o que eu faço, não trocaria por nada. É gratificante trabalhar com arte. Se você também ama e é isso que você quer fazer da vida, estude e se prepare.