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Livro revela as diversas mortes de Rubens Paiva e a luta por justiça

Em livro que resulta de pesquisa feita nos últimos 15 anos, Juliana dal Piva detalha as circunstâncias do assassinato de Rubens Paiva e da busca pelos responsáveis e pelo corpo do ex-deputado

Rubens Paiva -  (crédito: Arquivo pessoal)
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Rubens Paiva - (crédito: Arquivo pessoal)

Alguns amigos ficaram surpresos quando Juliana dal Piva revelou que publicaria um livro sobre Rubens Paiva. No embalo de Ainda estou aqui, a história do deputado sequestrado por militares e morto durante tortura em 1971, um dos períodos mais violentos da ditadura, causou alvoroço, mas Juliana se debruça sobre este caso há mais de uma década. Crime sem castigo — Como os militares mataram Rubens Paiva é o resultado de uma pesquisa que não acaba nunca e que depende tanto de instituições quanto de esforços pessoais. 

Foi na faculdade que Juliana começou a se interessar pelos desaparecimentos nos tempos da ditadura. Ao fazer um intercâmbio na Argentina, em 2008, a então estudante teve diversos contatos com histórias de desaparecidos sequestrados pelo regime no país vizinho. "Os argentinos são, nesse aspecto, um grande exemplo para o mundo. Voltei de lá com América Latina na cabeça, respirando muita coisa da América Latina e desse tema de justiça de transição", explica a repórter, ao lembrar que os argentinos não hesitaram em julgar os responsáveis pelas mortes e torturas. 

Ao se formar, em 2009, Juliana passou a se especializar em cobertura de temas relacionados a direitos humanos, área na qual permaneceu nos últimos 15 anos. "O Brasil julga a lei de anistia em 2010 e é condenado no caso do Araguaia na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Comecei, então, a estudar, por conta própria, vários livros, biografias, tudo que achei sobre o tema, dossiês da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. Na medida em que fui lendo, foram sugerindo matérias", conta.

O caso de Rubens Paiva surgiu para a repórter em 2012, durante a cobertura dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), criada, entre outras coisas, para esclarecer a situação dos desaparecimentos no Brasil do regime militar. Junto com o também repórter Chico Otávio, Juliana produzia uma série de reportagens sobre a Casa da Morte, centro clandestino em Petrópolis montado pelos militares para sessões de tortura e assassinatos. Na época, a repórter foi procurada por Paulo Malhães, então coronel da reserva e integrante do Centro de Informações do Exército no período em que a Casa da Morte esteve em pleno funcionamento. "Era um dos principais responsáveis pela estrutura da tortura. Ele disse que tinha informações do Rubens Paiva, mas não quis elaborar. Depois, ele dá entrevistas em off admitindo, para mim, que tinha feito parte da ocultação de cadáver", conta a repórter.

Era um passo de uma investigação que não começava ali e que contava, sobretudo, com anos de resiliência da família do ex-deputado, cassado em 1964 e levado de casa na frente da mulher e dos filhos em 20 de janeiro de 1971. A busca por Rubens Paiva começou assim que Eunice Paiva, sua mulher, retornou para casa após também ser presa e passar 12 dias sob o jugo dos militares no Doi-Codi do Rio de Janeiro. Num primeiro momento, teve apoio de amigos, familiares e alguns agentes da imprensa, como os repórteres Fritz Utzeri e Heraldo Dias, que investigaram e publicaram no Jornal do Brasil séries de matérias sobre o paradeiro de Rubens Paiva. 

A criação da CNV, acompanhada do Grupo Justiça de Transição, do Ministério Público Federal (MPF), permitiu um avanço significativo na investigação sobre as circunstâncias da morte de Rubens Paiva. Em 2014, 43 anos depois do desaparecimento, um juiz federal do Janeiro aceitou a denúncia do MPF que indicava cinco responsáveis pelo assassinato. Foi a primeira vez, no Brasil, que militares se tornaram réus em um processo criminal de homicídio ocorrido durante tortura nos porões da ditadura. 

É essa a história contada em detalhes por Juliana em Crime sem castigo, no qual reúne documentos inéditos, depoimentos e o relato como repórter que acompanhou minuciosamente todos os passos do caso. Após a defesa dos réus recorrer ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no qual corria o processo, o juiz decidiu que a lei de anistia não se aplicava ao caso, que configurava, além de homicídio, ocultação de cadáver e associação criminosa. O processo foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) e o então ministro Teori Zavascki optou por reconhecer a constitucionalidade da lei de anistia, utilizada pela defesa como barreira para o julgamento. O processo foi suspenso. 

Mesmo assim, houve audiência com três dos cinco réus e o caso foi considerado concluso, mas aguarda julgamento de Alexandre de Moraes. "Eles nunca foram punidos, julgados, mas algum dia tiveram que sentar no banco dos réus para uma audiência, já como réus da morte do Rubens", diz Juliana, que acompanhou a audiência em 2015. Hoje, três dos acusados estão mortos. "O Supremo precisa julgar o caso do Rubens. Espero que todo esse trabalho, que agora é novamente discutido em função do filme Ainda estou aqui, permita que todas as iniciativas andem, porque a gente passou muitos anos sem ter um espaço adequado." Ontem, o STF formou maioria de votos para analisar se a aplicação da Lei de Anistia ao crime de ocultação de cadáver é constitucional. Se decidir por esse entendimento, que entende a ocultação de cadáver como crime cometido constantemente e, portanto, sem prescrição, o tribunal abre uma janela para julgar os responsáveis pelo desaparecimentos durante a ditadura de pessoas cujos corpos nunca foram localizados, como Rubens Paiva.

Ainda estou aqui vence Gold Derby Awards

Ainda estou aqui venceu quatro categorias em uma premiação internacional decidida por voto popular. A Gold Derby Awards é um site especializado em previsões sobre premiações ligadas ao cinema e funciona como termômetro para avaliar as possibilidades de conquistar estatuetas.  Essa é a segunda vez que um filme em língua não inglesa é reconhecido nas principais categorias.

O filme fez história ao se tornar apenas a segunda produção em língua não inglesa a conquistar o prêmio principal em uma disputa internacional. Além disso, o longa também garantiu os prêmios de Melhor atriz, com Fernanda Torres, Melhor roteiro adaptado, com Murilo Hauser e Heitor Lorega, e Melhor filme internacional, consolidando a trajetória de sucesso.

Em vídeo gravado para a premiação, o diretor Walter Salles expressou a gratidão. “Obrigado a todos que assistiram ao nosso filme e votaram. É emocionante receber esse prêmio, escolhido por cinéfilos, e um sonho ver um filme que levou sete anos para ser feito repercutindo no mundo todo”, diz, em nota.

O reconhecimento do filme não se limitou a essa premiação. Walter e Fernanda também foram aclamados pelo público no Festival Internacional de Cinema de Roterdã, onde recebeu o prêmio de Melhor filme pelo júri popular.

O longa-metragem de Walter Salles agora acumula um total de 35 vitórias em festivais nacionais e internacionais. Nesta temporada, que se encerra com o Oscar no dia 2 de março, no qual disputa em três categorias (Melhor filme, Melhor filme internacional e Melhor atriz). A votação para o Oscar começou, ontem, e se encerra em 18 de fevereiro.

Salles e Torres confirmaram presença na cerimônia do Bafta, onde o filme concorre a Melhor Filme em Língua não inglesa. A produção já se destacou por vencer um Goya, tornando-se o primeiro filme brasileiro a conquistar o prêmio de Melhor Filme Ibero-Americano.

Nas próximas semanas, além do Bafta, no próximo domingo, Ainda estou aqui concorre em outras três premiações:

13/2 - Dorian Awards: Melhor Filme em Língua Não Inglesa do Ano

17/2 - Latino Entertainment Film Awards: Melhor Filme; Melhor Diretor (Walter Salles); Melhor Atriz (Fernanda Torres); Melhor Roteiro Adaptado (Murilo Hauser e Heitor Lorega); Melhor Filme em Língua Não Inglesa; Melhor Fotografia (Adrian Teijido); e Melhor Montagem (Affonso Gonçalves).

23/02 - OFTA Film Award: Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Atriz (Fernanda Torres)

  • Eunice Paiva e Rubens Paiva
    Eunice Paiva e Rubens Paiva Foto: Arquivo pessoal
  • Eunice Paiva e Rubens Paiva
    Eunice Paiva e Rubens Paiva Foto: Arquivo pessoal
  • Eunice Paiva
    Eunice Paiva Foto: Arquivo pessoal
  • Juliana dal Piva
    Juliana dal Piva Foto: Custódio Coimbra
  • Juliana dal Piva
    Juliana dal Piva Foto: Custódio Coimbra
  • Ainda estou aqui impulsionarou o projeto do Minc
    Ainda estou aqui impulsionarou o projeto do Minc Foto: Divulgação
  • Ainda estou aqui
    Ainda estou aqui Foto: Divulgação
Nahima Maciel
postado em 12/02/2025 06:10