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Bruno Fagundes afirma que, para ele, "o estar pronto é tudo"

Aos 35 anos, Bruno Fagundes consolida uma carreira de quase duas décadas como artista e produtor cultural, com base no estudo, no trabalho e na lição deixada pelos pais famosos, Antonio Fagundes e Mara Carvalho, de que a profissão tem mais dificuldades do que louros

Bruno Fagundes, ator e produtor cultural -  (crédito: Fernando Tavares/Divulgação)
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Bruno Fagundes, ator e produtor cultural - (crédito: Fernando Tavares/Divulgação)

Nunca se falou tanto no termo nepobaby como nos últimos meses. O neologismo criado para rotular, de forma não muito positiva, filhas e filhos de grandes artistas que seguem a carreira dos pais, entretanto, perde força quando encontra figuras como Fernanda Torres, que, embora tenha no nome e no sobrenome as sombras dos progenitores Fernanda Montenegro e Fernando Torres (1927-2008), trilhou seu caminho com luz própria e, hoje, aos 59 anos, é o maior nome do Brasil no cenário global, vencedora do Globo de Ouro e indicada ao Oscar de Melhor Atriz. E é nessa levada independente que outro herdeiro de veteranos da dramaturgia nacional busca caminhar. Filho de Antonio Fagundes e Mara Carvalho, o ator, cantor, produtor e formado em relações públicas Bruno Fagundes mostra que ser filho de peixe torna peixinho, mas não garante o domínio do rio sem muito estudo e trabalho. "É uma carreira intensa, laboriosa, cheia de altos e baixos, mas feliz, por trabalhar com o que mais preenche minha alma", afirmou ao Correio.

Aos 35 anos, Bruno tem 18 de carreira, 16 peças, uma dezena de filmes, seis novelas, três séries, 11 indicações e três prêmios de melhor ator no currículo. Em 2023, protagonizou — ao lado de Reynaldo Gianechinni, Marco Antônio Pâmio e grande elenco — a montagem brasileira de A herança — obra da Broadway indicada a 11 Tony Awards e premiada com quatro, incluindo Melhor Peça. Sua versão — sim, foi ele quem a produziu — foi indicada ao Prêmio APCA 2023 (Associação Paulista de Críticos de Arte) como Melhor Peça e Melhor Ator (Marco Antônio Pâmio), e conquistou o Bibi Ferreira de Teatro daquele ano, consolidando-se como sucesso de público e crítica especializada. 

Para Bruno, é impossível elencar somente um como o maior desafio da experiência de produzir um espetáculo como A herança, uma peça LGBTQIAPN+ da Broadway com 13 atores (e outros 15 como participações especiais), mais nove pessoas na equipe fixa, com 6h30 de duração, dividida em duas partes, em dias diferentes — tudo isso com orçamento de uma peça de pequeno porte. "Tudo foi extremamente desafiador. Somamos 50 mil espectadores, e essa jornada me ensinou muito", comemorou Bruno, que pretende retomar com a montagem. "A peça está pronta e guardada em depósito. Se houver disponibilidade do elenco (que já é um desafio), vou tentar algo no segundo semestre", adiantou o rapaz.

Agora, a cabeça de Bruno está focada em seu retorno à tevê aberta. Em Volta por cima, ele repete a parceria de sucesso com a autora Claudia Souto, com quem também atuou na indicada ao Emmy Internacional Cara e coragem, de 2022. Na atual novela das 19h, ele vive o psicólogo Bernardo. "Shakespeare disse uma das frases mais repetidas por profissionais da minha área que é, também, a máxima do nosso trabalho: 'o estar pronto é tudo'. E não poderia ser mais verdade.", argumentou ele, que, além de trabalhar a saúde mental, um tema que considera necessário nos dias de hoje, deverá protagonizar um romance com o personagem Gigi (Rodrigo Fagundes). "Falar sobre a relação amorosa de duas personagens lindas é um ganho para toda a sociedade", defendeu.

Entrevista | Bruno Fagundes

Como você descreveria sua experiência ao longo de 18 anos de carreira no teatro, cinema e televisão?

Intensa, laboriosa, cheia de altos e baixos, mas feliz por trabalhar com o que mais preenche minha alma.

Qual foi o desafio mais significativo que você enfrentou ao produzir e atuar em A herança, e como você superou esse desafio?

Impossível elencar somente um desafio como o maior. Tudo foi extremamente desafiador na produção de A herança. Produzir uma peça convencional já implica um empenho sobre-humano, imagine uma peça LGBTQIAPN+ da Broadway com 13 atores (e outros 15 como participações especiais), mais nove pessoas na equipe fixa, 6h30 de duração, dividida em duas partes, em dias diferentes; tudo isso com orçamento de uma peça de pequeno porte... As dificuldades eram imensas: financeira, jurídica, estratégica, de divulgação. Além de tudo isso, eu era protagonista com aproximadamente 250 páginas de texto. Mas, tão imenso quanto o esforço para produzi-la, foi a realização em concretiza-la, porque o projeto mais ambicioso e arriscado da minha vida teve a presença apaixonada do público. Somamos 50 mil espectadores e essa jornada me ensinou muito.

Você mencionou que está planejando voltar com o espetáculo em 2025. Quais são seus planos para essa nova produção, e o que podemos esperar de diferente em relação à versão anterior?

Aos olhos do público, nada diferente. A peça está pronta e guardada em depósito. Se houver disponibilidade do elenco (que já é um desafio) vou tentar algo no segundo semestre. Mas como disse na resposta anterior, é uma peça de difícil execução. Precisamos de financiamento e de um teatro que seja parceiro. Estou correndo atrás disso, na torcida.

Como você vê a importância da produção no teatro, e como isso influencia sua abordagem como ator?

Importante demais. Vivemos num país que precisa de iniciativas individuais para a cultura existir. Não existe um projeto de Estado que embrione cultura, que crie algo do zero, especialmente, teatro. Existem leis de financiamento que ajudam na manutenção e que são muito úteis e importantes, mas ainda temo que o Teatro só exista, de fato, no Brasil, porque tem sempre alguém envolvido que quer muito que aquilo aconteça. Então em todos os casos, é imprescindível exercer esse papel. Nós, artistas, temos a responsabilidade social de trazer temas relevantes para nosso público, abordando assuntos espinhosos, mas também entretendo. Cada vez mais, precisamos entender nosso nicho de comunicação fora da internet, só isso pode perpetuar nossa existência. Ou seja, eu amo produzir, realizar meus próprios projetos sem depender de ninguém para estar ativo.

Qual foi a maior lição profissional que você aprendeu com seus pais?

Aprendi muito por observação, eles são exemplos de sucesso. Mas, com certeza, me ensinaram mais sobre as dificuldades da profissão do que sobre os louros. E isso me fortaleceu muito.

  • Bruno Fagundes tem 35 anos e 18 de carreira
    Bruno Fagundes tem 35 anos e 18 de carreira Fernando Tavares/Divulgação
  • Com Reynaldo Gianechinni e Marco Antônio Pamio na peça A herança
    Com Reynaldo Gianechinni e Marco Antônio Pamio na peça A herança Divulgação
  • Com o pai, Antônio Fagundes
    Com o pai, Antônio Fagundes Arquivo pessoal
  • Bruno Fagundes como Bernardo em Volta por cima
    Bruno Fagundes como Bernardo em Volta por cima Globo/Divulgação
  • Bruno Fagundes tem 35 anos e 18 de carreira
    Bruno Fagundes tem 35 anos e 18 de carreira Fernando Tavares

No seu processo de preparação para um papel, como você se aprofunda na psicologia e no desenvolvimento do personagem?

Eu sempre me aprofundo nos personagens através de um processo intelectual de como aquilo funciona. Eu uso muitos livros, pesquisas, materiais diversos para entender o máximo que posso sobre o universo e assim, uso todas essas informações para criar uma subjetividade do personagem. E o segundo passo, mais importante para mim, em qualquer trabalho, é a observação. Quando eu somo meu entendimento com o que vejo no mundo, consigo colher as ferramentas para viver algo que não conheço. É um processo lindo de permissividade, empatia e olhar.

Você já atuou em diversas novelas. Qual é a sua experiência em trabalhar com diferentes diretores e atores, e como você se adapta a diferentes estilos de trabalho?

Essa é a parte mais prazerosa do meu trabalho. Viver diversas vidas, em diversos ambientes, contextos, com equipes totalmente novas (ou não, pessoas que você já trabalhou e criou uma relação). Meu trabalho vive desses encontros, portanto, a adaptação faz tanto parte quando o desapego. Construímos pequenas famílias a cada trabalho que, na maioria dos casos, tem o prazo de validade do próprio projeto e essa união é profunda, tamanha intimidade e intensidade dessa convivência. É isso que dá o sabor especial para cada projeto.

Seu personagem Bernardo, na novela Volta por cima, aborda temas de saúde mental. Como você se preparou para interpretar esse papel, e qual é a sua opinião sobre a importância de discutir saúde mental na televisão?

Neste caso, minha preparação foi 100% a observação ao longo da minha vida. Eu entrei na novela no capítulo 63, praticamente da noite pro dia. Não tive nenhum ensaio ou preparação. Caí de paraquedas em uma obra de sucesso na qual todo o elenco já havia criado uma linguagem própria e uma sinergia incrível. Nessas horas, temos que juntar todas as ferramentas do nosso arsenal e simplesmente entregar. Shakespeare disse uma das frases mais repetidas por profissionais da minha área que é, também, a máxima do nosso trabalho: "o estar pronto é tudo". E não poderia ser mais verdade. Sempre tive uma curiosidade imensa por psicanálise e processos terapêuticos e sempre observei muito profissionais que já cruzei pelas minhas andanças na vida. Foi esse meu preparo.

Você expressou sua torcida para o beijo entre seu personagem Bernardo e Gigi (Rodrigo Fagundes) na novela Volta por cima. Qual é a sua opinião sobre a representação da diversidade sexual na televisão, e como você acha que isso influencia positivamente a sociedade?

Vivemos num país de dimensões continentais, onde a maioria da população não tem acesso à educação, e as pessoas que têm acesso/interesse, de acordo com o último levantamento ‘Retrato de leitura no Brasil’ de 2024, 53% dos entrevistados não leram sequer uma parte de um livro. Dentro desse cenário, fazer parte de uma emissora que tem presença massiva no país e que hoje é a segunda maior emissora do mundo com 59 anos de atuação são um privilégio e responsabilidade sem tamanho. Portanto, suas novelas não são meramente obras de entretenimento, mas obras de cunho social político e cultural de extrema importância. Pessoalmente, eu sempre sempre busquei personagens e temas que tenham uma relevância social para além do próprio trabalho, acho que isso faz parte da função social da minha profissão. falar sobre a relação amorosa de duas personagens lindas com uma construção singela, honesta e respeitosa é um ganho pra toda sociedade. Estamos falando sobre tolerância, respeito, amor diversidade, identidade e aceitação, pilares fundamentais do nosso país, que é tão diverso.

Qual é o seu conselho para jovens atores e produtores que estão começando suas carreiras?

Curiosidade, interesse e persistência. Esses três atributos são fundamentais para qualquer ator.

Você tem investido cada vez mais no universo fashion. Como você enxerga a moda como uma ferramenta de trabalho e expressão pessoal?

A moda faz parte da minha rotina e é elemento fundamental do meu artista. Amo qualquer tipo de expressividade artística e sou sempre a favor da comunicação, liberdade criativa e quebra de paradigmas. A moda abarca tudo isso. Eu amo ser o que eu quiser através das roupas, além disso, um figurino é sempre ponto inicial de qualquer criação minha como ator.

 

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Patrick Selvatti
postado em 16/02/2025 08:00