
Duas pessoas com vivências diferentes e uma motivação comum, Ney Matogrosso e Guilherme Gê tiveram um desses encontros inexplicáveis da vida. De gerações distintas e interesses muito similares, os dois se viram em uma sinergia ímpar. E, dessa parceria, surgiu o álbum Canções para um novo mundo, um disco de rock com uma mensagem imprescindível para a atualidade.
A obra é uma parceria de Ney com a banda de Gê, a Hecto. Este é o disco de estreia do duo formado por Guilherme Gê e Marcelo Lader e conta com músicas escritas desde 2013 até a época da produção. São nove faixas, todas interpretadas no formato de dueto, totalizando 28 minutos de álbum.
Gê tem uma carreira consolidada como produtor, arranjador e multi-instrumentista, tendo trabalhado com nomes como Alaíde Costa, Margareth Menezes, Luiz Melodia, Roberta Sá, Moska, Lenine e Marcos Valle. Ele e Ney se conheceram em 2017. Os artistas contam que se deram bem quase instantaneamente e o disco foi uma consequência dessa boa relação.
O integrante da Hecto mostrou as músicas para Ney, que aceitou na hora fazer parte da empreitada. "Eu estava de acordo com tudo que eu ouvia, que ele me apresentava", conta Ney Matogrosso em entrevista ao Correio. "Eu entrei para servir a música, já partindo do princípio que eu concordava com as ideias, então ficou mais fácil pra mim, entrar para servir à ideia", acrescenta o cantor.
As ideias que Ney Matogrosso destaca a concordância estão na forma crua como o disco critica a atualidade. Política, meio ambiente e sociedade estão entre os temas levantados nas letras que são discutidos de forma lírica, mas sem muitos floreios. "São problemas gravíssimos que a gente vive e que estão aí há muito tempo, as coisas não mudam muito, poucas coisas estão, de fato, mudando", diz Gustavo Gê. "O que foi escrito antes serve perfeitamente para o que está acontecendo agora. É um disco atemporal, fala de agora com muita contundência, mas é atemporal na poética", reflete.
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"Isso foi o Gê que fez mas acho que é um grande trunfo deste trabalho, falar claramente de problemas do nosso país mas de forma bonita, sem ser música de protesto. Acho que é compatível com o momento do mundo que a gente vive", exalta Ney como um dos principais motivos para ter topado fazer parte do projeto. "Eu gostei do repertório de cara, me joguei nele", complementa.
Como um só
Um dos fatos que mais chamam atenção no álbum é a forma como os dois músicos conseguiram se complementar para que juntos chegassem ao resultado final. "Realmente, ninguém prevalece, é uma coisa em conjunto mesmo", analisa Ney Matogrosso. "Foi tudo bordado dentro do estúdio, a gente ouvia e depois decidíamos o que cada um cantava", lembra.
O processo exigia generosidade dos dois lados para que um não buscasse brilhar mais que o outro. "Eu sabia que iam ser duas pessoas cantando e elas tinham que estar entrosadinhas. E nós estamos, eu entendi que nós estávamos logo no começo", explica Ney. "Era um trabalhando a favor do outro, acho que as pessoas sentem isso quando ouvem o álbum", elogia.
Gê acredita que a atitude de Ney de se dispor a dividir um álbum é ímpar. "O Ney tem essa generosidade de dividir comigo, isso não tem preço, não é comum no meio musical. Eu me sinto lisonjeado de estar dividindo esse trabalho com ele e a gente sente isso nas redes sociais, as pessoas entenderam nossa sinergia", reflete. "É o esmero dos grandes", destaca o vocalista da banda Hecto, que sente muita honra de ter pensado e arranjado um álbum para compartilhar com a lenda da música brasileira.
O disco se desenvolve, portanto, de um processo muito natural dos dois no estúdio discutindo o que seria melhor para cada voz e cada música. "Tudo foi se adaptando, ainda mais em um trabalho como esse, dividido do início ao fim", acredita Ney. "Isso é uma consequência do respeito mútuo que a gente tem e uma convergência musical", comenta Gê.
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Sem limites
O álbum Canções para um novo mundo é, objetivamente, do gênero rock, mas, como todo lançamento atual, passeia por outros estilos musicais, como o pop, a MPB e até o rap. "É legal não ter fronteiras", comenta Guilherme Gê. "Para mim, é o trabalho como arranjador mais bem acabado que eu já fiz. Acho que é a soma de todas as coisas que já fiz em vários estilos. Ele passa por vários estilos mesmo mantendo a linha dorsal no rock", discorre.
Dessa forma, o disco trabalhou em um espaço ilimitado. Havia dois registros de voz, grandes músicos — nomes como Sérgio Britto, dos Titãs, Will Calhoun, do Living Colour, Ana Cañas e Frejat colaboraram com o projeto — e um tema interessante com pessoas interessadas. "Não tem algo que limite, pode usar o que quiser e tudo cabe. Eu ouço o disco e acho que nada está excessivo", enaltece Ney Matogrosso.
Guilherme Gê acha que é interessante passar por tudo isso, porque lembra toda a carreira de Ney. "Se você traçar um paralelo, o primeiro disco do Ney é muito livre. Eu sinto o nosso assim também, apesar de estarmos dentro de uma indústria mais fechada, fazer um disco com essa liberdade é arte mesmo. Deveria ser o normal de qualquer artista, mas a gente não vive essa realidade", afirma. Porém, no fim, a escolha de rotular o trabalho como um disco de rock tem um gosto especial. "Ney sempre teve a alma de um rockstar. Se rock é atitude, mais que o gênero, ele é um dos maiores astros do rock brasileiro", celebra.