
Armandinho Macedo cresceu em um eterno carnaval. Filho de Osmar Macedo, o soteropolitano nasceu em 1953, apenas três anos após o pai, junto com o parceiro de dupla Dodô, inventar o trio elétrico — os artistas hoje dão nome aos dois principais circuitos da folia em Salvador. Criadores também da guitarra baiana, Dodo e Osmar, falecidos na década de 1970 e 1990, respectivamente, têm o legado da dupla mantido por Armandinho, também conhecido como rei do instrumento criado na Bahia.
"Nós somos o alicerce do que se estabeleceu como axé music", declara Armandinho. "Nós que começamos a fazer essa base musical, porque o carnaval da Bahia até então não tinha disco, não era o trio elétrico tocado como meu pai inventou. A partir de 1975, começamos a gravar os primeiros álbuns tri eletrizados. Convidei Moraes Moreira para participar, cantando duas músicas, e foi assim que começou o canto no nosso estilo. Foi como se fosse essa a primeira cozinha do que veio a ser o axé music", explica.
"No entanto, o axé ficou muito famoso, nacionalmente e até mundialmente, a partir de Luiz Caldas e Daniela Mercury", afirma Armandinho. Ele define Luiz e Daniela como "rei e rainha" do ritmo. "A data dos 40 anos é comemorada justamente a partir de Luiz, que foi o grande marco sonoro", aponta. A música Fricote é considerada o ponto de partida do gênero. "Nós fizemos o pré do que viria a ser realmente toda essa história do axé music", diz.
Antes do ritmo que se tornou trilha sonora do carnaval, Armandinho lutou para contar a história do pai. "Quando comecei, eu quis estabelecer meu trio com o nome Dodô e Osmar, falando dos inventores, porque ninguém tinha conhecimento disso", lembra o músico. "Quando tinha 15 anos, fui para o Rio de Janeiro tocar no Teatro Municipal e me recordo que, quando eu falava que meu pai inventou o trio elétrico, as pessoas riam, achavam que era brincadeira", expõe.
Durante os anos de carreira, Dodô e Osmar não levavam nome de dupla. "O conjunto deles se chamava Trio Elétrico. Quando eles foram para a rua, e começaram a fazer os shows em caminhonetes e caminhões, eles escreviam o nome Trio Elétrico na lateral. Cinco ou seis anos depois, começaram a imitá-los", conta.
Segundo Armandinho, Osmar passou a vida reiterando que ele e Dodô eram o chamado Trio Elétrico. "Esse virou o nome do tipo de apresentação, assim como o aparelho de barbear agora é conhecido como Gilette, que é uma marca", exemplifica. "Trio Elétrico era o nome do conjunto deles, mas passou a ser o nome da carruagem. Quem saísse no caminhão na rua estava saindo em um trio, foi um nome que foi generalizado", relata.
Em 1970, quando se estabeleceu em cima do trio Dodô e Osmar, Armandinho ainda se autodeclarava como roqueiro. "Eu gostava de The Beatles, Led Zeppelin, Jimmy Hendrix, artistas que usavam muita guitarra", cita. "Eu venho de uma história de inventores, de homens que faziam os próprios instrumentos. Então, quando fiz meu primeiro cavaquinho, eu queria fazer igual a uma guitarra, a que os Beatles tocavam. O meu cavaquinho, então, eu estabeleci como minha guitarra, botei uma quinta corda e chamei de guitarra baiana", narra.
Com a adição do instrumento em meio aos sons do trio, o público que ia atrás dos caminhões eletrizados começou a mudar. "Era um som pop, roqueiro, mas diferenciado. Não era o rock tradicional. A gente começou a botar cabeludos e mulheres atrás do trio elétrico. Caetano Veloso e Gilberto Gil subiam no trio, que começou a ter outra roupagem, como se fosse uma coisa mais tropicalista. E era de fato tropicalista, era uma fusão entre o som brasileiro, do frevo, da música que a gente fazia com o rock", analisa.
Para Armandinho, Caetano, inclusive, foi essencial no crescimento dos trios. "O Caetano é o cara que nos popularizou no Brasil quando fez Atrás do trio elétrico, em 1969. Foi aí que o Brasil começou a tomar conhecimento dos trios. Foi ele quem plantou a sementinha", opina.
O axé não morreu
"O povo fala que o axé morreu e eu respondo: 'Só se matarem todos os artistas que ainda estão aí'", diz Armandinho. "Não se pode ignorar a capacidade e o talento de Luiz Caldas, Daniela Mercury, Ivete Sangalo e tantos outros. Chega a ser uma ignorância falar isso, com tudo que esses músicos representam. São pessoas que ainda estão aí, em evidência, atuando. Não estão esquecidos", defende.
Saulo Fernandes, um dos vocalistas mais longevos da Banda Eva, é visto pelo filho de Osmar como um intermediário entre a velha e a nova geração do ritmo. "O Saulo é um artista que traz a história da música dos anos 1980 e 1990. Ele traz a bagagem do axé mais antigo para os dias de hoje, é um cara que está presente nos carnavais, na mídia e traz esse legado", avalia o músico.
Fora da bolha do axé, mas já enorme no universo dos trios elétricos, o grupo BaianaSystem, formado em 2009, é outro destaque para Armandinho. "No ano passado, o trio deles arrastou uma multidão hipnotizada. Eu fiquei impressionado", revela o soteropolitano.
O nome da banda, inclusive, vem da guitarra baiana, instrumento que os integrantes levam como símbolo do grupo. "O Robertinho Barreto [guitarrista] era meu vizinho e, quando era adolescente, ele acompanhava meus ensaios. Aprendeu a tocar a guitarra baiana com as nossas músicas e nossa história", conta. "O Baiana, de uma forma ou de outra, mantém um vínculo com o nosso som", acrescenta.
Septuagenário, Armandinho, pai de um recém-nascido, está mais ativo que nunca. "Eu tenho 71 anos e não quero parar. É uma paixão que não tem como parar nem deixar de lado. Eu falo para o meu filho: 'Você é neto do inventor do trio elétrico', porque ele vai crescer com esse legado. Eu sou filho do inventor do trio elétrico e tenho muito orgulho disso", finaliza.