Literatura

Obra de Ziraldo e Guto Lins reúne desenhos realizados ao longo de décadas

Obra de Ziraldo e Guto Lins reúne desenhos  realizados ao longo de décadas com releitura para crianças e adultos. Instituto resgata também charges sobre Brasília

Guto Lins e Ziraldo conversaram várias vezes sobre a ideia de fazerem um livro juntos. O criador do Menino Maluquinho sugeriu ao amigo, escritor e designer, inverter os papeis: Guto ilustraria e Ziraldo escreveria. "Ele gostava de dizer que tinha 200 ideias por dia, mas queria ver alguma ir adiante", conta Lins. "Essa era uma das 200". O projeto nunca foi adiante e Ziraldo morreu em abril de 2024, mas Lins não desistiu. Casado com Adriana Lins, sobrinha do cartunista e uma das criadoras do Instituto Ziraldo junto com a filha do artista, Daniela Thomas, ele mergulhou no acervo do amigo e saiu de lá com Entre cobras e lagartos, que lança hoje na Livraria Circulares. "É uma honra esse livro para mim e, ao mesmo tempo, a realização de um sonho comum de nós dois", diz Guto Lins.

Entre cobras e lagartos reúne ilustrações feitas por Ziraldo entre a década de 1970 e os anos 2000. Segundo Lins, o desenho mais recente foi feito há cerca de 10 anos. Tudo começou com um conjunto de ilustrações feitas por Ziraldo para um livro de Ana Maria Machado que nunca foi publicado. O texto da autora mudou de editora e os desenhos ficaram com o instituto do cartunista. Eles traziam uma coleção de monstrinhos, um bestiário com cobras de duas cabeças e outros seres tão mágicos quanto engraçados. A partir dessas imagens, Lins começou a escrever um texto. 

O artista gráfico estava acostumado com a dinâmica de Ziraldo: ele fez prefácios para reedições de O Menino Maluquinho e Flicts e ajudou a montar exposições sobre o cartunista. "A partir do texto, fui buscando ilustrações, algumas que eu não conhecia, inclusive, e fui mexendo no texto em função das novas ilustrações. Esse foi o escopo desse projeto: a relação entre texto e imagem. O texto foi sendo mexido em função das ilustrações", avisa Lins. 

Entre cobras e lagartos parte de um jogo de palavras com a forma da cobra e da letra S, presente no texto inteiro em uma cronologia que começa no jardim do Éden e expande o universo do réptil rastejante para companheiros familiares. Há minhoca, lagarta e outros seres que poderiam ser parentes. Ao longo da história, a cobra tenta se encontrar e lidar com o estigma de ser peçonhenta e não confiável, imagem comum tanto do fabulário infantil quanto no adulto. A mitológica Medusa, o flautista indiano que faz a cobra dançar e outros personagens aparecem pelo caminho até a cobra encontrar uma amizade e, no final, um grande amor. É, segundo Lins, um livro para jovens e adultos com a vantagem de listar, nas últimas páginas, todos os veículos e anos em que as ilustrações foram publicadas. 

O projeto, que tem prefácio do brasiliense Roger Mello, só foi possível graças ao trabalho de catalogação do Instituto Ziraldo. Guardado em um apartamento na Lagoa Rodrigo de Freitas, onde o cartunista morava, no Rio de Janeiro, o acervo vem sendo inventariado e organizado por Adriana Lins e Daniela Thomas desde 2019. A ideia surgiu quando as duas perceberam que Ziraldo não voltaria ao estúdio após sofrer um AVC em 2018, às vésperas da inauguração da retrospectiva Ziraldo… de A a Zi, no Sesc Interlagos, em São Paulo. "Estávamos mergulhadas no acervo e percebemos que tinha muita história ali e que, se não déssemos um tratamento mais museológico, o acervo iria morrer. Em 2019, formalizamos o Instituto Ziraldo e começamos a catalogar. Em 2024, conseguimos um patrocínio, contratamos a equipe de catalogação e pesquisa. E, em 2025, estamos na esperança de parceiros maiores, porque é um acervo muito relevante", explica Adriana.

O trabalho é, basicamente, de arqueologia. A cada gaveta, Adriana e Daniela fazem descobertas. Há até um texto infantil que elas suspeitam ser inédito. As releituras para livros como Entre cobras e lagartos, nascidos de parcerias, também fazem parte de um projeto que deve ter continuidade. "Temos outros a caminho para lançar na Bienal do Rio do ano que vem. A gente também vai editar um livro das cartas que ele escreveu quando estava na prisão", avisa Adriana.

Ziraldo foi preso quatro vezes: duas em 1968, uma em 1969 e outra em 1970. O motivo era a liberdade com que se permitia falar mal da ditadura militar em textos, charges e tirinhas. "A relação dele com a política brasileira, com a cultura brasileira, era muito grande. Ele sempre foi muito atuante, sempre foi um ser político nesse sentido. Sempre teve esse olhar crítico com relação à política, desde quando começou a atuar profissionalmente, no fim do anos 1950", explica Guto. E Brasília, como o epicentro da política brasileira, sempre esteve na rota de Ziraldo. 

Adriana conta que encontrou no acervo um texto sobre o ato de escrever no qual o cartunista cita uma caminhada e uma conversa com Lucio Costa, o urbanista idealizador da capital federal. "Ele era testemunha ocular de Brasília", diz. Na década de 1960, quando a cidade foi inaugurada, Ziraldo era relações públicas da revista O Cruzeiro. Na mesma década, integraria a equipe do Jornal do Brasil e, mais tarde, fundaria O Pasquim, do qual seria diretor. Em todos eles, não poupou  Brasília e seus personagens. 

Positiva ou negativa, a crítica política não escapava ao cartunista. Ironia e exagero eram armas para abordar o cotidiano do país. De Juscelino Kubitschek, João Goulart e Ernesto Geisel a presidentes mais recentes, caso de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro, todos passaram pela lente analítica e mordaz do cartunista. "A atividade dele como chargista e caricaturista era um posicionamento também de resistência, usando a arte e a cultura como ferramentas", aponta Guto Lins. "Além de ter amor pela arquitetura, pelo processo de construção de Brasília, então para ele também tem essa relação de amor com a cidade em si. É uma história de vida que está sempre tangenciando a história de Brasília."

Entre cobras e lagartos

De Guto Lins e Ziraldo. Editora Reco-Reco, 47 páginas. R$ 59,90. Lançamento hoje, às 16h, na Livraria Circulares (Comércio Local Norte 113, BL A, loja 7)

 

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