Crítica

Proposta indecente recauchutada, com Nicole Kidman

Filme estrelado por Nicole Kidman narra a ousada trajetória de uma executiva que põe o emprego em risco para viver a sexualidade de maneira plena

Nem sempre pudicas, as personagens de Nicole Kidman podem muito bem ter comportamentos "inadmissíveis", como ressalta a personagem Romy (Kidman) em Babygiril, produção assinada por Halina Reijn. Entre ambição, capacidade de perdões e frieza — quem pode decifrar o que passa pela cabeça dos outros? Há 30 anos, Nicole assumia o suprassumo do carreirismo, em Um sonho sem limites, de Gus Van Sant. Num roteiro idealizado por Stanley Kubrick, a exposição veio junto com o ex-marido Tom Cruise, no longa De olhos bem fechados. Some-se a isso as manipulações impressas na trama de Dogville (de Lars von Trier) e a sensualidade de Nicole em Moulin Rouge! Nisso tudo, ecoam elementos da complexa composição de Romy.

Ao som do INXS (Never tear us apart), a sensualidade dispara na tela quando Romy encontra o estagiário Samuel (Harris Dickinson). Romy bem que tenta levar adiante a passividade difundida pelo pensador indiano Amit Ray, que ela propaga, mas nos estilos de vida que se chocam, os "comportamentos totalmente inaceitáveis" que ambos exaltam abraçar.

Um dos grandes detalhes do filme está no fato de Romy ser casada com Jacob (Antonio Banderas) e ter duas filhas. Enquanto se liberta da armadura de líder da Tensile, uma empresa em que imperam robôs, Romy anseia pelo primeiro orgasmo, enquanto o marido não quer adotar atitudes "canalhas" na cama e Samuel levanta todas as fantasias, desde o escritório, até mesmo com a gravata como símbolo erótico (na cabeça da chefe). Na temporada de pré-Oscar, depois de premiações destacadas, Nicole Kidman, já premiada em Veneza, está incerta na lista, uma vez que não foi indicada ao SAG Awards.

Crítica // Babygirl ★★★

Nascida na Holanda, a diretora Halina Reijn, dado o alcance artístico de Babygirl, traz um cinema que, em muito, aproxima-se daquele difundido pelo britânico (saído da publicidade) Adrian Lyne. Toda a sorte de perversão em tema — presente em filmes como Infidelidade, 9 1/2 semanas de amor, Proposta indecente —, com Lyne, ganhava um tratamento mais palatável ao público, com toda sorte de (apenas) virtual atrevimento. Sim, personagens de Halina deixam zona de conforto, e fazem de tudo, no pouco confortável chão, à altura da selvageria que pretendem demonstrar. Foi assim, neste afã, que Nicole Kidman, na pele da CEO Romy, conquistou a Taça Volpi de melhor atriz no Festival de Veneza. A baguncinha protagonizada pela empresária trará efeitos colaterais de ordem emocional para o dia a dia, a princípio, tranquilo demais ao lado do marido Jacob (Antonio Banderas), que, inclusive, vira a palavra (senha) "de limites" e "de segurança", no plano extraconjugal.

Dominação, manutenção de aparências e muito comportamento inapropriado se infiltram no ambiente de trabalho, dito "de respeito" (como prega um vídeo corporativo exibido ao longo da trama), tanto de Romy quanto Samuel (Harris Dickinson, inofensivo), um saliente estagiário que faz a cinquentona lamber do prato, fartando-se de leite. No trabalho, Romy estipula limites e vive uma dinâmica mecanizada — mas haverá o que estrague o curso do decoro e dos postos de trabalho predeterminados.

A masculinidade representada no filme passa longe de ser tóxica, aliás, isso, se é que existe. Num faz de conta, Samuel traz enorme falta de imponência, mas ainda assim, quer fazer da mentora (no âmbito laboral) uma "boa menina", em um arriscado jogo de poder. Admitir subserviência passa a servir quase de fetiche para Romy, incapaz de se relacionar (efetivamente) com as pessoas. "Ninguém é importante", diz a severa profissional ao marido.

Em Babygirl, Nicole Kidman faz o que o astro Michael Fassbender fez por Shame: exacerba uma sexualidade (e sensualidade) incontida. Negligente em situações domésticas, ela mergulha numa superficialidade de moralidade bastante confusa e maleável. Num rompante, ela chega a determinar: "Minha família é tudo para mim". Numa medida irônica, a diretora debocha deste vendaval, no fundo, bem comportado de Romy.

É o mesmo artifício de choque de lançar o franzino e quase imberbe Samuel dançando ao som de Father figure (George Michael) e que, em vez de biscoitar a (falsa) pretendente, prefere ofertar o biscoito à espécie de mascote que ele "adota". Incoerente com o destino de Jacob, a diretora ao menos no plano profissional dele, um diretor teatral, exerce o cinismo: o coloca conduzindo a montagem de Hedda Gabler (eterna num filme de 1975 estrelado por Glenda Jackson), que em fins do século 19, impunha-se firme, em contraste com a vulnerável personagem de Nicole Kidman.

 

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