
Crítica // A verdadeira dor ★★★★
Constituído de silêncio sepulcral, de rompantes de absoluta hiperatividade de um personagem e de um divertido tipo que, por vezes, irrompe em ondas de palavrões, entre muitos outros contrastes, A verdadeira dor retrata uma ficha passível de cair, aos poucos, e que nunca passará despercebida. A percepção de que vivemos com um passado indigesto, nunca enterrado. Dirigido pelo ator e diretor Jesse Einsenberg, o filme faturou indicação ao Oscar pela delicadeza do roteiro, de fato, original. Roteiro, aliás, que também leva a assinatura de Eisenberg, um dramaturgo por mais de 20 anos.
A música erudita (com enorme peso para criações de Frédéric Chopin), presente a todo momento, dilui o peso da trama e torna o filme mais palatável para quem tiver a resistência inicial da revisão histórica e pessoal de David (Eisenberg), disposto a fazer as pazes com o primo Benji (Kieran Culkin, com um aparente feixe de sentimentos expostos) e com um peso de culpa da sistemática vivência de uma realidade "saudável, rica e sábia" pela abastada Nova York. Juntos, eles transitaram por uma Polônia repleta de fantasmas.
A dinâmica urbana e massacrante será quebrada com o que um dos personagens identifica como "passeio geriátrico": revisitar trilhas feitas por antepassados, há 80 anos, "tocados como gado" para infames destinos do Holocausto. Num registro de história pulsante que inclui interação em frente ao monumento Heróis do Levante do Gueto de Varsóvia (Polônia), o filme descortina uma herança, em nada material. Vasculhar cemitérios e desabafar (além de desabar emocionalmente) está na rota de David e Benji.
A tônica diferente vem do agitado (e exaustivo) jovem tardio Benji (Culkin, desde já um dos favoritos ao Oscar de melhor ator coadjuvante). Com concentração zero, ele embaralha as prioridades de David, cria imensas doses de desconforto, mas, amistoso e adorável, sabota, com singularidade, as pretensões ordenadas do guia interpretado por Will Sahrpe. Excêntrico e algo atormentado, Benji é movido à interação e ansiedade.
A formalidade se instala em poucos momentos de A verdadeira dor, com o cativante confronto proposto por Benji se desfazendo frente a lápides de anônimos. E, ainda, ao campo de concentração de Majdanek, no qual chocam tanto o funcionamento da câmara de gás quanto do forno e, na mesma medida, o persistente tom azulado deixado pelo rastro do pesticida zyklon B. Autocríticas (dos personagens) e o compartilhamento de experiências e empatia enobrecem o conteúdo do longa no qual desponta o judeu negro Eloge (Kurt Eguiawan), eterno foragido de um genocídio contemporâneo (em Ruanda). Assustador que, A verdadeira dor, sediado em fatos do passado, aponte para realidades aterradoras de um suspeito futuro ditatorial.
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