Há uma década o diretor Rithy Panh galgou para o Camboja, com o longa A imagem que falta, uma indicação para o Oscar de melhor filme estrangeiro. Tentou novamente este ano, não logrando êxito, mas isso pouco importa. Com Encontro com o ditador, ele fez barulho, no Festival de Cannes e trouxe uma obra com estética similar à outra fita e a qual se somam espantosas imagens de arquivo, para além da fundamentação num livro histórico de Elizabeth Becker.
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Manipulação de informações, exposição de crianças doentes e responsabilização incessantes dos vietnamitas estarão na trajetória de três profissionais da imprensa, dispostos a desmascarar o regime que sustentou o chamado Kampuchea Democrático comandado pelo déspota Pol Pot e seu instituído regime do Khmer Vermelho. Quem chega a fim de sabatinar o chamado Irmão Número 1 é um grupo de franceses: Lise (uma repórter vivida por Irène Jacob, que despontou, no passado, em A fraternidade é vermelha do polonês Krzysztof Kieslowski), o inquieto fotógrafo Paul (Cyril Gueï) e Alain, um tipo avesso ao embate interpretado por Grégoire Colin. Alain, impulsivo, crê em bobagens como a da falta de "cultura política" para o povo que (aparentemente) domina o Estado, "com fome de sangue". Distante da capital Phrom Penh, o grupo interage com um Exército onipresente.
Muitas das perguntas parecem afuniladas para a direção de não serem respondidas. O espectador fica ansioso pelo reencontro com as marcas de civilidade, numa dita pátria em que se sente o silêncio e a lacuna de vida espiritual, além de individualidade. Num momento altamente irônico, um personagem praticamente tropeça em exemplar de O contrato social (de Jean-Jacques Rousseau). Mas o que pesa é a construção de uma realidade, em que os chamados "revolucionários" pretendem romper com o passado.
É escandaloso ver abordagens de direitos humanos serem notadas como "irrelevantes". As representações em maquetes de cenas (algumas remetem ao templo Angkor Wat) renovam uma dimensão criativa de Pahn, ainda que usadas em outras produções dele. O uso maquiavélico das artes a serviço de propaganda estatal está bem coberto no filme em que a riqueza natural da paisagem do país transparece. O "novo povo" é apresentado aos forasteiros com momentos marcantes como os das projeções (de imagens) nas cortinas e o jantar de teor repulsivo.
Longe de uma colônia de férias, os personagens toparão com a exposição de táticas de tortura, com uma população silenciada e com um pretenso comunismo "integral e primitivo". Numa cena chocante, a aparentada do sistema Thirith Ieng (papel de Somaline Mao) conta da morte das pessoas com óculos, exterminadas por serem "vistas como intelectuais".
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