Se no Rio de Janeiro, vândalos não se cansam de roubar os óculos da estátua de Drummond na praia de Copacabana; em Recife, é a caneta de Assis Chateaubriand que é constantemente afanada. O monumento dedicado ao jornalista está localizado na Praça da Independência, em frente à antiga sede do Diário de Pernambuco, jornal que foi propriedade de Chateaubriand no século passado.
O crime recorrente na capital pernambucana inspirou o dramaturgo Eduardo Bakr e o jornalista e biógrafo Fernando Morais a criarem a trama do musical Chatô e os Diários Associados — 100 anos de uma paixão, que celebra o centenário do conglomerado de mídia fundado por Chateaubriand em 2 de outubro de 1924.
Com direção-geral de Tadeu Aguiar, coreografia de Carlinhos de Jesus e direção musical de Guto Graça Mello, o espetáculo tem estreia prevista para março de 2025, com temporada passando por Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e encerrando em Belo Horizonte. No próximo dia 16, haverá pocket show no teatro do Copacabana Palace para convidados.
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"O musical começa com Fabiano, um jornalista desempregado, prestes a se tornar youtuber, andando pela Praça da Independência. De repente, a estátua de Assis Chateaubriand ganha vida e reclama dos constantes roubos de sua caneta. Após esse desabafo, Chatô (como era apelidado Chateaubriand) pede a Fabiano que escreva sua história", conta Aguiar.
No musical, Stepan Nercessian interpreta Chatô e Claudio Lins é Fabiano. "O uso da caneta é um aspecto muito simbólico, pois representa como Chatô construiu a comunicação no Brasil", ressalta Bakr. "Por isso, começar o espetáculo dessa forma é muito importante", acrescenta.
Rei do Brasil
Quem assistir ao musical e já tiver lido Chatô — O rei do Brasil, biografia escrita por Fernando Morais, entenderá o recorte feito por Bakr e pelo próprio Morais. Na trama, logo após se encontrar com Chateaubriand, Fabiano se compromete a contar a história do empresário e embarca em uma viagem no tempo.
Ele volta para 1924, ano da fundação dos Diários Associados. Trata-se do exato período em que Chatô dá início a uma rede de jornais que incluía o Correio da Manhã e o mencionado Diário de Pernambuco. Nos anos seguintes, o conglomerado cresceu de forma vertiginosa. Em 1928, foram criados o Estado de Minas e a revista O Cruzeiro, que, além de grande circulação, exerceu enorme influência política.
A partir da década de 1930, foram fundadas a Agência Meridional (primeira agência de notícias do Brasil), a revista A Cigarra, e os jornais O Monitor Campista, Diário de Santos, Diário do Paraná, Jornal do Commercio de Manaus e Estado da Bahia.
Nesse período, o grupo também adquiriu, entre outras, as rádios Tupi, Tupan, Difusora, Guarani, Rádio Clube, Farroupilha, Baré, Borborema e Poti. Na década de 1950, os Diários Associados inauguraram a TV Tupi e ampliaram sua rede de afiliadas, tornando-se o maior conglomerado de mídia do Brasil. No Pará, por exemplo, havia a TV Manauara; em Pernambuco, a TV Rádio Clube de Pernambuco; em Porto Alegre, a TV Piratini; e em Goiás, a TV Rádio Clube. Em 1960, junto com a inauguração de Brasília, foram fundados o Correio Braziliense e a TV Brasília, veículos que até hoje são referências na capital federal e no Brasil.
Curumim
A TV Rádio Clube, de Goiás, era a emissora que Stepan Nercessian costumava assistir na juventude, durante os anos 1960. "Ainda tenho muito viva na memória a imagem do Curumim, o símbolo da emissora", lembra o ator, que é natural de Cristalina (GO).
Embora nunca tenha conhecido pessoalmente Assis Chateaubriand, Stepan sempre ouviu falar sobre o fundador dos Diários Associados. "Era um homem de personalidade forte, apaixonado pela comunicação. Inclusive, há um momento no musical em que ele se descreve como um apaixonado por notícias, anúncios e inovações, dizendo que seu coração não aguentaria ficar longe disso", conta.
O ator brinca que é recordista em atuar em musicais sem cantar. Ele está em cartaz, na capital paulista, com O Rei do Rock, no qual interpreta Tom Parker, o polêmico empresário de Elvis Presley. E, nos últimos anos, consagrou-se como Chacrinha, tanto nos palcos quanto no cinema.
"Em relação ao Chatô, estou preocupado em apresentar a minha versão dele", avisa. "Não tento imitá-lo e não me preocupo em reproduzir seu porte físico, nem sua voz — que, aliás, foi algo que não encontrei em minhas pesquisas. Isso é curioso, pois ele foi responsável por dar voz a tantas pessoas no rádio e na TV", ressalta o ator.
Caymmi e MPB
É o Chatô de Stepan quem conduz o jovem Fabiano e, por conseguinte, o público, em uma jornada que vai de 1924 até 1968, ano da morte de Chateaubriand. E a linha temporal é definida com base nas canções que marcaram cada período da história do Brasil. A música, aliás, sempre teve papel relevante nos veículos dos Diários Associados e na própria vida de Chatô, que promoveu diversos artistas — há quem fale que Dorival Caymmi tenha composto Segura, Don Don em parceria com Chateaubriand.
Os Diários Associados, de acordo com Fernando Morais, foram fundamentais na difusão do que hoje é chamado de MPB. Um exemplo disso é Caymmi, que entrou na Rádio Tupi como um "baiano mulato e magrelo", nas palavras de Chateaubriand, e saiu de lá como um dos maiores astros da música popular brasileira.
Desde o lançamento da biografia, Morais tornou-se uma espécie de porta-voz não oficial do fundador dos Diários Associados. "Outro dia, um repórter me ligou pedindo minha opinião sobre a inauguração do anexo do Masp", conta ele, bem-humorado — o museu paulistano, cumpre dizer, foi fundado por Chateaubriand em 1947 e é outro legado marcante do empresário.
Como profundo conhecedor da vida de Chatô, era natural que Morais fosse convidado a participar da criação do roteiro do musical. A dramaturgia é inspirada na biografia publicada em 1994, mas não se trata de uma adaptação literal. Afinal, seria praticamente impossível transformar uma obra de quase 800 páginas em um espetáculo de pouco mais de duas horas.
"Quando fui convidado para escrever a dramaturgia junto com o Eduardo Bakr, pensei que seria uma ótima oportunidade para fazer uma associação entre o centenário dos Diários Associados com a história da música brasileira", afirma Morais.
"Quem leu Chatô viu com certa clareza e precisão que a história da música popular brasileira está umbilicalmente amarrada à história dos Diários Associados. E é muito interessante, porque, quando vamos analisar os veículos que faziam parte do grupo, não havia nenhum dedicado exclusivamente à música. Tinha apenas uma única revista, que não era uma revista de música", acrescenta o biógrafo.
Mesmo assim, a música sempre esteve em pauta nos veículos do grupo, sobretudo com as incorporações de rádios e TVs, a partir da década de 1930. "Os Diários Associados acompanham a música até a Tropicália, e não até a Bossa Nova, como geralmente é aventado", detalha.
Visionário
Para o dramaturgo Eduardo Bakr, Chatô era um homem do futuro. "A gente pode pensar que, no musical, o Chatô (Stepan Nercessian) é a imagem do passado, enquanto o Fabiano (Claudio Lins) representa o futuro. Mas é o contrário. Assis Chateaubriand era visionário, fez o país andar a passos largos. Ele queria unir o país pela comunicação", afirma.
Essa interação entre passado e presente é central na narrativa. Fabiano vive uma experiência semelhante à de Gil, protagonista do filme Meia-noite em Paris (2011), de Woody Allen. Ao voltar aos anos 1920, ele se encanta com a época e conhece Juliana (Patrícia França), uma personagem do passado por quem se apaixona. "Fabiano é o elemento romântico do espetáculo", define Bakr. "Embora o foco principal seja a comunicação e o impacto dos Diários Associados, essas nuances envolvendo a ficção enriquecem a trama."
Natural de Umbuzeiro, na Paraíba, Assis Chateaubriand foi uma figura controversa. Suas ações dividiram opiniões. O musical não esconde esse lado do empresário. "Não poderíamos criar um personagem idealizado, diferente do que ele foi na vida real", afirma Morais. "Mas é importante lembrar que o tempo limitado de palco é um desafio. Não há como abordar em duas horas e meia tudo o que está em quase 800 páginas", pondera.
As controvérsias de Chatô trazem um tom cômico ao espetáculo, de acordo com Bakr. Um exemplo é o episódio em que o empresário instalou cerca de 200 aparelhos de televisão em São Paulo, em 1950, para que as pessoas conhecessem o novo meio de comunicação.
Fardão da ABL
Outra história curiosa é a confusão ocorrida durante o velório de Chateaubriand. "Enquanto o corpo jazia, as pessoas discutiam em cima dele se poderiam rasgar o fardão da Academia Brasileira de Letras, que não cabia no corpo dele. Estavam na dúvida se aquilo não seria falta de respeito com a instituição", conta Bakr.
A trajetória política de Chatô, que incluiu uma passagem pelo Senado em 1951, não é explorada no espetáculo. Eleito pela Paraíba, teve relações ora próximas, ora conflituosas com Getúlio Vargas, ampliando seu poder de influenciar opiniões. Contudo, o foco do espetáculo é outro. "Nossa ideia não é fazer uma biografia ipsis litteris dele", afirma Nercessian. "O objetivo é apresentar um recorte, quase como um trailer, mostrando como ele implementou com sucesso estratégias inovadoras que via no exterior."
Com erros e acertos, Assis Chateaubriand deixou um legado incontestável para a comunicação e a cultura no Brasil. Por mais que vândalos em Recife insistam em roubar a caneta de sua estátua, o que foi escrito com ela permanece vivo e não se apagará tão cedo.