O momento mais aguardado do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, a Mostra Competitiva Nacional, teve o pontapé inicial neste domingo (1º/12). O ponto alto do evento há mais de 50 anos iniciou a 57ª edição com o longa Suçuarana, de Clarissa Campolina e Sérgio Borges, e os curtas Chibo, de Gabriela Poester e Henrique Lahude, e Maremoto, de Cristina Lima e Juliana Bezerra.
O longa-metragem exibido no primeiro dia foi Suçuarana, filme de Minas Gerais dos diretores Clarissa Campolina e Sérgio Borges. A produção conta a história de Dora, mulher que percorre as estradas de uma região mineradora em busca de trabalho e de um pedaço de terra que pertenceu à sua mãe.
Suçuarana começou a ser idealizado em 2018 e é baseado no livro Fera na Selva, de Henry James, mas, com o processo de criação, transformou-se e tomou caminhos que renovam a perspectiva do livro e tornam o filme ainda mais independente e atual. “Retrata um estado de mundo focado ao capital e ao individual, sem olhar para o coletivo. Pensamos com base no livro, que foi feito no fim do romantismo, na atualidade, o que parecia que também estava desaparecendo. Como essa junção do coletivo tem se tornado difícil”, comenta Clarissa Campolina.
Sérgio Borges, também diretor, comenta que o que mais interessava no livro era ter um personagem que esperava tanto por algo que quando o que ele almejava se concretizou, ele nem percebeu. “Apesar do livro, o nosso desejo também era de falar de contemporaneidade, de trabalho, da questão da exploração mineral de Minas Gerais. Começamos a pensar em qual crise falar, como o livro fez com o romantismo, e escolhemos a questão do coletivo e do individual”, destaca Sérgio Borges.
No segundo filme sob direção de Clarissa Campolina, dois anos depois de Canção ao Longe (2022), o ator Carlos Francisco participa de Suçuarana. “Meu personagem é uma espécie de liderança da comunidade em que uma jovem (a protagonista, feita por Simara Teles), sob o pretexto de recuperar terras da mãe, pretende encontrar um lugar no mundo para existir. Isso enquanto passa um período numa comunidade com senso de união, no momento que a nossa sociedade é cada vez mais teleguiada e segmentada", observa o ator de 62 anos. Carlos Francisco não cultiva como objetivo receber outro prêmio Candango. "Nunca tive pretensão de ganhar outro prêmio: a gente entrega o melhor que pode sempre, apenas", diz. As incursões dele em filmes se deram depois de 2013, quando deixou São Paulo e a companhia teatral de repertório Folias. Entre os sucessos na telona, há Marte Um (Gabriel Martins, 2022) e Estranho Caminho (Guto Parente, 2023).
Veja vídeo do dia de abertura do festival:
O documentário Chibo, um dos curta-metragens da mostra competitiva retrata os desafios na imigração entre as fronteiras da América do Sul. Dani, a protagonista vive na divisa entre Brasil, Argentina e Uruguai às margens do rio. Ao longo da narrativa, a filha mais velha da família precisa tomar decisões de vida após a conclusão do ensino médio .
Gabriela Poester e Henrique Lahude, diretores do curta, estão fechando a temporada de festivais em Brasília. Para ambos, é uma grande emoção estar no evento. “Chibo tem nos levado para vários lugares, tem sido um presente e Brasília fecha a temporada com chave de ouro. É além de um sonho estar aqui”, ressalta Gabriela. “Ter entrado pela primeira vez na sala, uma sala icônica e tão importante para o cinema brasileiro, nos deixou cheio de emoção. Com o nome do Vladimir agora, coloca mais peso ainda nela e ficamos muito honrados de estar participando dessa edição tão emblemática”, destaca Henrique Lahude.
Além disso, os diretores destacam que o festival, pela sua longevidade, representa a resistência do cinema no Brasil. “É fundamental que os profissionais tenham esse lugar de união e façam parte dessa defesa, que a gente enfrente as dificuldades juntos”, comenta Henrique sobre as dificuldades do cinema nacional.
Maremoto, apesar das similaridades, caminha em direção oposta ao seu concorrente da noite. O curta narra a história de Léo, a caçula de família de pescadores que precisa voltar à cidade natal para acompanhar o pai doente. A protagonista, que se frustra com os mergulhos em alto-mar, volta ao litoral para se descobrir e dar um último mergulho. “Os nossos filmes falam dos nossos medos, sonhos e de quem nós somos em São Miguel do Gostoso”, afirma a codiretora Juliana Bezerra.
A cineasta pontua que todos os envolvidos se enxergam na protagonista do filme e que é muito importante o passo de trazer o filme para o Festival de Brasília. “Nos sentimos honrados e felizes de trazer o cinema de São Miguel do Gostoso para o centro do Brasil em um festival tão importante como esse”, comenta. A conquista é grande visto que há uma ideia coletiva de incentivar o cinema do município. “Somos de uma cidade que não tem cinema fixo e nós implantamos lá a ideia de se fazer e viver de cinema, a sensação de reconhecimento é indescritível”, complementa Bezerra.
Racismo
Durante a abertura da mostra, a apresentadora Gleici Damasceno expôs uma denúncia de racismo que ocorreu na abertura do festival, no sábado (30/11). Segundo apuração do Correio, a situação se deu antes da cerimônia de abertura, quando um marido falou para a esposa segurar a bolsa ao cruzar com uma pessoa negra. A situação problemática foi contornada rapidamente pela organização do Festival.
A apresentadora pediu que em qualquer circunstância similar, a produção fosse procurada e lamentou o ocorrido. O público aplaudiu muito a fala da apresentadora.
Lotado e tranquilo
Assim como na abertura, o Cine Brasília recebeu diversos entusiasmados com o cinema nacional. As mostras atrasaram, mas o público não pareceu incomodado. O local estava bem cheio e o público, mais uma vez, permaneceu em um silêncio respeitoso cortado apenas por aplausos.
*Estagiários sob supervisão de Ricardo Daehn e Pedro Ibarra
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