Tendo a voz do povo um peso divino, o longa-metragem O Auto da Compadecida 2 parece afinado com o gosto popular: logo na estreia, bateu o recorde para um filme nacional, desde a pandemia, com dia de abertura de arrecadação estimado em R$ 4 milhões de lucro. Na plataforma de sucesso do filme a cargo da dupla Guel Arraes e Flávia Lacerda, outro diferencial entra em campo: a trilha sonora, recém-disponível em plataforma. Com ampla experiência, a dupla escalada para assinar a trilha — João Falcão e Ricco Viana — viu-se integrada, antes, a projetos como A máquina (2005), a adaptação de O coronel e o lobisomem (2005) e Lisbela e o prisioneiro (este com trilha de André Moraes e João Falcão).
"Neste novo filme a música tem um grande peso — no primeiro Auto, a trilha era muito diferente: contava com uma orquestra de câmara, com nove pessoas — foi uma trilha inteira só instrumental. Este novo tem canções- base, com temas de amizade, romance e fé", conta João Falcão. Recentemente visto (ou melhor, ouvido) como o bode Severino do longa de animação musical Arca de Noé (baseado em Vinicius de Moraes), o paraibano Chico César rouba a cena com a versão (em clima de romance) de Como vai você, potente em roupagem popular e melodia diferenciada. "A montagem foi generosa com o clima de amor, Como vai você traz uma passagem de tempo e ainda se bota a música na rádio (em cena), que toca num espaço bem legal", observa João Falcão. Presepada no forró (com Juliana Linhares & Marcelo Mimoso, dupla presente ainda na agitada Baião de dez milhões) que, malemolente, bate na tecla do destino incerto para João Grilo deixou Falcão muito satisfeito, pela versão letrada (a partir da original Presepada).
Maria Bethânia, à frente da composição ancorada na fé Fiadeira (de Juliano Holanda), traz o tom de súplica para a rainha (responsável pelo "alívio de quem chora"), "tecelã", "benzedeira", a maternal Compadecida (papel de Taís Araujo). Na prece cantada, Bethânia sublinha: "Olha pra mim, ora por mim, Senhora". Para ressaltar a amizade, Ricco e Falcão optaram pela revisão de Canção da América (de Fernando Brant e Milton Nascimento), numa versão com a voz de João Gomes, e noutra, instrumental (nostálgica, com sentimentos à flor da pele), com Rafael Marques (bandolim) e Felipe Costta (sanfona). "Acho sempre saudável rever, colocando noutra forma, uma música com roupagem que surpreenda e encerre curiosidade nas pessoas", pontua o coautor da trilha.
No apanhado de 10 faixas, burilado por quase dois anos, há Danado de ruim, criação dos arranjadores João Falcão e Ricco Viana, além de Beto Lemos (na rabeca), retumbante, e que injeta atmosfera aventuresca. "É a música dos vilões, sobretudo, marca a entrada do coronel Ernani (Humberto Martins). O som mete um pouco de medo, com entrada pesada, e revela os cangaceiros, 'os cabras' e traz ainda o corre-corre da commedia dell´arte", comenta João Falcão. Personagem de Fabíula Nascimento, Clarabela, ao lado de Chicó (Selton Mello), tem cenas embaladas bela delicada Deus que me segure, agora eu vou me apaixonar (nas vozes dos baianos Fatel e Ana Barroso), com a qual ambos dividem "o melhor estado de se estar" (vulgo apaixonados). Por fim, Deus e o diabo na Terra de Nossa Senhora, pontuada por ressonância, ecoa, vibrante e soturna, com sons de abafadas orações.
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