Seja por liberdade criativa, pelo fim de projetos ou de forma natural, o ano de 2024 ficou marcado por uma grande quantidade de artistas apostando na carreira solo. Músicos do Brasil e do mundo decidiram colocar o nome para jogo e a cara a tapa e entregaram lançamentos próprios, mesmo sendo muito mais conhecidos pelas bandas que os colocaram no mundo da indústria fonográfica.
Entre os lançamentos de mais destaque estão Rosa, primeiro disco solo de Samuel Rosa. O cantor ficou famoso por mais de 30 anos de liderança da banda mineira Skank que, após quase dois anos de uma turnê de despedida, encerrou as atividades deixando o caminho livre para um novo projeto. "Às vezes, tem hora para acabar. Eu acho que nem sempre a longevidade é sinônimo de excelência, inclusive isso serve para casamento, amizade, tudo. No caso de uma banda, é inevitável que ela tenha seu ápice criativo. É inerente, não adianta", acredita o músico. "O conformismo é danoso. Os processos têm seus ápices e, se você insiste muito neles, às vezes a coisa desanda", complementa.
- Leia também: O que Samuel Rosa disse sobre o fim do Skank
Samuel propõe que não faz sentido viver apenas do passado. Apesar dele ser importante, quando se está em uma banda, é preciso mais do que apenas a nostalgia. "O público vai mudando, alguma coisa desanda e faz com que bandas como o Skank, que se propõem a passar 30 anos, no final tenham como papel preponderante defender suas próprias músicas, e eu acho que, para isso, a existência de uma banda não justifica", reflete. "Uma banda é um negócio muito legal e interessante, mas quando ela começa a durar tempo demais, assim como o Skank, ela te proíbe de viver muitas outras coisas, porque você está sempre ali naquele grupo do mesmo jeito", acrescenta.
A mudança trouxe um ar fresco para a carreira do músico. "Em alguns momentos, a sensação de frescor, de novos ares, de entusiasmo do início de namoro bate. Vem aquela brisa de novidade, que é muito o que me rejuvenesce, mesmo sendo um artista veterano com uma carreira já desenhada. Mas era exatamente isso que eu estava buscando quando me propus a encerrar as atividades com o Skank", diz. "Agora só eu tomo conta das minhas coisas, eu tenho a palavra final e decido, diferentemente de uma banda. Eu acho que eu tenho tempo mais do que suficiente dentro de uma banda para agora estar me permitindo funcionar sozinho", completa.
Entre outros nomes que estão nesse movimento, Alexandre Carlo lançou um EP que estreou carreira solo no ano em que o Natiruts fez a maior parte da turnê de despedida. Membro fundador e ex-baterista da mesma banda, Junaiine também investiu em voar sozinho e lançou uma música com a lenda do hip-hop norte-americano Afrika Bambaataa.
Fora do Brasil, alguns nomes também fizeram o mesmo movimento de Samuel Rosa. Esse foi o caso de Geordie Greep. O artista era vocalista do grupo alternativo britânico Black Midi. Forte em uma cena underground, a banda fez sucesso com a crítica e viajou o mundo com um estilo único de fazer música. Em 2024, após três discos em apenas sete anos de atividade, o conjunto encerrou os trabalhos.
Imediatamente depois, Geordie anunciou um disco solo. Um álbum gravado parte em São Paulo e que usa sonoridades bem brasileiras em algumas faixas — entre os instrumentos usados está o pandeiro, inclusive. Com histórias inventadas nas letras e um estilo experimental, tão ousado quanto, mas bem distante do que era feito no Black Midi, o músico estreou sozinho nos créditos. "Tem uma atmosfera e um sentimento diferente (ser um artista solo). Eu tenho aproveitado muito", conta ao Correio.
O músico entende que há mais liberdade em todo o processo, mesmo que seja para errar e aprender com os erros. "Eu amo o fato de que se o álbum for ruim e falhar, vai ser minha culpa. Gosto desse sentimento, porque significa que eu não tenho pressão. Eu faço o que quero e se não funcionar, não funcionou", analisa.
A visão é de que a liberdade artística está no ápice quando se assina sozinho o trabalho. "Se você está numa banda e decide, um tempo depois, fazer algo completamente diferente no que diz respeito a som e seus colegas não querem, você está ferrado", avalia Geordie que comemora o fato de ter dado o primeiro passo para formar um público. "Não sei o que eu quero fazer ou como meu som vai soar daqui a cinco ou 10 anos, mas enquanto estiver fazendo algo com meu nome, sei que vai ter gente interessada. Isso é ótimo", exalta.
Para o cantor, a aposta valeu a pena. O álbum já acumula milhões de reproduções nas plataformas de streaming e foi muito lembrado pela mídia especializada entre os melhores dentro do nicho independente em 2024. "Tem sido uma experiência que vale a pena. A mudança foi proveitosa para mim", destaca.
Brasilienses
O movimento de cantar sob o próprio nome em Brasília tem sido cada vez mais comum. Além de nomes como o próprio Alexandre Carlo e o vocalista da Scalene, Gustavo Bertoni, que segue sozinho durante o hiato da banda, outros nomes como Gaivota Naves e Fernando Vaz, que carrega a banda Ellefante como um projeto solo, também são artistas de renome da cidade que tomaram as rédeas da própria carreira.
Um dos mais recentes a espalhar o próprio nome por Brasília é Guilherme Cobelo. O músico começou na banda Korina e tentou fazer da Joe Silhueta um projeto próprio, tanto que assina todas as composições. Porém, o projeto foi ganhando cara e formato de banda com o passar do tempo. Por isso, ele decidiu lançar o disco Caubói Astral sob o próprio nome. "Eu me vi na situação de finalizar o disco e lançar ele num espaço artístico mais livre de expectativas, assumindo meu nome mesmo ao invés de me servir de um alter ego pra colocar no mundo minhas canções", explica Cobelo. "Eu sinto que com o Caubói Astral eu inaugurei um novo espaço de possibilidades expressivas", comenta.
"Foi um trabalho muito minucioso, sem nenhuma urgência, onde, por mais que eu estivesse acompanhado dos produtores, que foram sem dúvida fundamentais para confecção do álbum, no final das contas era eu quem determinava os rumos que o disco ia tomar", pondera o músico. Porém, Cobello já se sentia artista solo há tempos. "Foi um processo muito natural. Eu já tinha essa experiência de colocar algo tão meu no mundo, porque eu já fui o Joe Silhueta também", diz.
A naturalidade do processo também está na carreira de Lucas Maranhão. O músico começou a carreira com a banda Aguaceiro, mas na etapa solo já chega ao segundo álbum em um espaço de tempo de três anos. Intitulado Varandas, o disco foi uma evolução de uma forma própria de fazer música que começou com o trabalho de estreia, Verso reverso. "Varandas foi bem diferente do primeiro álbum. Acho que ele reflete muito um período de leveza, pós-pandemia, em que eu estava mais aberto a experimentar e menos preocupado em encaixar as músicas em um formato específico", explica. "Produzir no meu estúdio, sem pressão, me deu espaço pra testar coisas novas, brincar com sons e até trazer influências que eu não esperava, tipo o piseiro. Foi um processo mais fluido e, de certa forma, mais livre", adiciona.
Lucas sabe que já está mais habituado, mas a empolgação do início permanece. "Eu acho que esse frio na barriga é parte do processo e meio que o que mantém a coisa viva", acredita. "Cada lançamento, cada show tem aquele momento de "será que as pessoas vão curtir?" mas acho que venho aprendendo a abraçar isso. No fim, essa ansiedade acaba virando combustível pra continuar", completa.
Saiba Mais
Muito depois do fim
Os ventos estão tão bons para carreira solo que artistas que já não faziam parte de bandas há anos decidiram lançar discos solo de estreia. Esse foi o caso de Beth Gibbons, que apresentou o álbum Lives outgrown, mais de 15 anos após o último trabalho de estúdio com o Portishead e Andre 3000, que apresentou um estranho disco de flauta quase 10 anos depois das últimas movimentações que fez ao lado de Big Boi no duo de hip-hop Outkast.