Se os dois anos de pandemia foram de arrefecimento e de reflexão e gestação para novos projetos, 2023 e 2024 tiveram a marca da intensidade para a atriz brasiliense Camila Márdila, um embalo que adentra 2025 com força. Filmes, séries, teatro e uma estreia na direção audiovisual estão na conta para fazer da atriz, 10 anos depois do sucesso em Que horas ela volta?, um rosto comum nas telas e palcos brasileiros. Depois da experiência ao lado de Walter Salles e Fernanda Torres em Ainda estou aqui, filme cuja trajetória segue em ascensão em 2025 com possível indicação ao Oscar, ela também viveu Viviane Senna na série Senna, da Netflix, e uma personagem chave da adaptação do podcast Praia dos ossos dirigida por Andrucha Waddington para a Max. Camila teve ainda um papel importante em A vilã das nove, comédia de Teodoro Poppovic.
A atriz dirigiu o primeiro curta, Sandra, e está em A natureza das coisas invisíveis, da conterrânea Rafaela Camelo, selecionado para o Festival de Berlim, programado para fevereiro de 2025. "2024 e 2023 foram anos em que filmei muito, foi uma retomada desde a pandemia, um período que desestabilizou muita gente", acredita. "Em 2020 e 2021, eu tinha muitos projetos com expectativa de acontecer que acabaram não acontecendo. Foi um período obscuro e de muitas mudanças no mercado, na cultura, na política. E isso reflete muito diretamente. Ano passado foi o ano que me senti um pouco retornando dessa lacuna e com a felicidade de muitos projetos que estavam atrasados por conta da pandemia."
Em Ainda estou aqui, Camila vive Dalau, uma das amigas mais próximas de Eunice e que acompanhou todo o processo de desaparecimento de Rubens Paiva, levado e morto pelos militares durante a ditadura. "Eu sabia que esse projeto existia, há muito tempo que estava se desenhando, mas jamais imaginei que seria possível fazer parte", conta. Foi por ter assistido e gostado do filme Carvão, de Carolina Markowicz, com Camila no elenco, que Walter Salles decidiu convidá-la para interpretar Dalau. "Pediram para gravar um vídeo reproduzindo um depoimento que ela deu para eles para ajudar a construir o roteiro. Foi uma pessoa que colaborou muito para o roteiro, a única do núcleo dos amigos que ainda está viva, que tinha muito contato e acompanhou tudo", conta.
A experiência com Walter Salles, Camila classifica como única. "É um diretor muito amoroso, generoso, e tem um olhar muito atento para tudo e todo mundo no set. Consegue estabelecer um clima de comunhão e isso está no trabalho, porque a gente vê muito afeto envolvido no filme", garante. Fernanda Torres era uma referência. A brasiliense conta que foi forjada por atuações da atriz em Os normais, Tapas e beijos e Terra estrangeira, filme preferido "da vida"."É a minha maior referência, desde muito nova, sempre a tive como uma atriz que faz as personagens com os quais me divirto, me identifico, que são ousadas", diz.
Nascida em Taguatinga, Camila viveu a infância e a adolescência na cidade e estudou Comunicação na Universidade de Brasília (UnB), mas quase não filmou na terra natal, por isso ficou muito feliz com o convite de Rafaela Camelo, colega de curso na UnB, para integrar o elenco de A natureza das coisas invisíveis, que estreia em fevereiro no Festival de Berlim 2025. "O filme é todo feito em Brasília e rodamos em dezembro de 2023. Durante o período que vivi na cidade, não filmei muito aí, não consegui encontrar caminhos como atriz. Então fico feliz", conta. "Lembro da gente muito novinha, eu e Rafaela, na UnB, tentando entender para que lado do cinema a gente queria ir." O longa é protagonizado por duas crianças de origens diferentes que acabam amigas quando a bisavó de uma delas é internada.
Senna, a série em seis episódios disponível na Netflix, foi uma experiência completamente nova para a atriz por conta da possibilidade de projeção internacional. "Senna é internacional", aposta. "A figura e a personalidade dele pediam isso, que foi algo espetaculoso, grandioso, com uma relevância e excelência à altura do que ele representa. A série tem uma qualidade muito compatível com nossas expectativas." Para entrar no papel de Viviane, psicóloga, empresária e presidente do Instituto Ayrton Senna, Camila teve um encontro on-line com a irmã do piloto e assistiu a muito material com entrevistas e declarações. "Queria me inspirar no tempo de fala dela, no olhar dela, no jeito dela se mexer. Gosto de fazer esse estudo. Não para imitar, porque seria muito bobo, mas para me contaminar pela atmosfera dela", revela. O amor e a admiração de Viviane pelo irmão guiaram a atriz: "Parece que nunca é assunto comum pra ela, sempre que ela cita o irmão, quando conta uma história, aquilo acontece de novo dentro dela, se emociona."
Viver Paloma em A vilã das nove, de Teo Poppovic, também foi uma experiência única. No filme, uma mulher recém-divorciada se vê transformada na vilã da novela num momento de vida complicado. Camila vive a atriz da novela. "Esse filme foi um desafio para mim. É uma coisa que eu desejava muito fazer, uma personagem não necessariamente de drama. O filme tem um humor, é uma comédia envolvente, com a parte da novela dentro do filme, uma brincadeira séria muito boa, muito prazerosa de realizar. Eu tinha muito desejo de me provocar como atriz dessa outra forma", garante. "O filme toca em assuntos tão preciosos, desumaniza a maternidade de maneira interessante, fala de julgamentos externos, dessa coisa do que se espera de uma mulher, são questões muito profundas, mas de uma maneira muito conectada com nossa realidade."
Com estreia prevista para 2025, a adaptação do podcast Praia dos ossos, produzido pela Rádio Novelo, trouxe a experiência de atuar em uma narrativa voltada para as expectativas conservadoras em relação ao lugar da mulher na sociedade. A produção conta a história da socialite Ângela Diniz, conhecida como "a pantera de Minas" e assassinada em 1976 pelo namorado, Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street. O assassino confesso foi absolvido no julgamento graças à tese da defesa da honra, sustentada pelos advogados de Doca. Na série, Camila condensa várias personagens da vida real em uma amiga muito próxima de Angela, vivida por Marjorie Estiano. "É uma personagem inventada a partir de algumas amigas. É uma mulher da alta sociedade carioca, que vira o braço direito, o suporte, o porto seguro. É uma personagem que ajuda muito a Ângela a atravessar os percalços tramados para dificultar a vida dessa mulher", adianta. Andrucha Waddington, marido de Fernanda Torres, dirige a produção. "Andrucha foi um grande encontro. É tão prazeroso quando isso acontece, quando a gente encontra diretores e diretoras que a gente sente que realmente se conectam na forma de trabalhar. Tenho um carinho por pessoas que são muito apaixonadas pelo que estão fazendo e Andrucha é passional no set".
Ainda em fase de montagem, Sandra deve coroar as agendas de Camila quando começar a circular por festivais. O roteiro escrito durante a pandemia flerta com o suspense e o humor ao acompanhar a personagem do título durante uma noite em um hotel e reuniões corporativas. Camila tinha na cabeça a cena da mulher que se divide entre as exigências do mundo corporativo e a ansiedade diante do que fazer quando um hóspede do hotel revela estar de olho nela. "Ela fica confusa em relação aos próprios sentimentos a partir da invasão da privacidade. Fui construindo um universo em torno. Gosto muito de humor ácido, então quis dar um olhar para esse lugar do mundo corporativo a partir de suas fragilidades e contradições", avisa.