Talvez por ter o que ela mesma chamava de "mania de liberdade" de liberdade, a psiquiatra Nise da Silveira se tornou um símbolo de como a arte pode conduzir a mente humana por caminhos de libertação. A trajetória da médica e arte-educadora carioca que transformou a vida de internos de um dos hospitais psiquiátricos mais importantes do Rio de Janeiro é o tema da exposição Nise da Silveira — A revolução do afeto, em cartaz a partir de amanhã no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
Dividida em três núcleos, a exposição combina obras do Museu do Inconsciente, criado por Nise em 1952 para receber a produção dos internos do Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Rio de Janeiro, e de artistas contemporâneos. "Foi uma forma de dizer que esse tema da saúde mental permeia outras pessoas que não estão necessariamente no ambiente do hospital. As obras também refletem a saúde mental contemporânea", explica Isabel Seixas, que divide a curadoria da mostra com Diogo Rezende.
Hoje, a curadora aponta, o tema da saúde mental está em pauta, especialmente depois da pandemia, mas o assunto não era discutido abertamente há algumas décadas. "A pessoa era tida como frágil, então trazer o artista contemporâneo é dizer que é um tema contemporâneo", explica. A revolução do afeto reúne obras de nomes como Carlos Pertuis, Fernando Diniz, Adelina Gomes, Emygdio de Barros e Arthur Amora, que eram internos do hospital, ao lado e criações de Rafa Bqueer, Tiago Sant'Ana, Abraham Palatnik, Lygia Clark, Leon Hirszman, Margaret de Castro, Carlos Vergara e Zé Carlos Garcia.
No primeiro núcleo, os visitantes vão conhecer a trajetória de Nise e o contexto no qual ela desenvolveu a metodologia de trabalho. Única mulher formada em medicina em uma turma de 157 alunos da Faculdade de Medicina da Bahia nos anos 1930, foi casada com o sanitarista Mario Magalhães e, por ser ativista e militante, acabou presa durante o Estado Novo de Getúlio Vargas. Na prisão, conheceu Graciliano Ramos e Olga Benário. Chegou a ser citada em Memórias do Cárcere. Foi nos anos 1940 que Nise começou a trabalhar no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, também conhecido como Colônia Juliano Moreira, no Engenho de Dentro (RJ).
Como não concordava com práticas como a lobotomia e os eletrochoques, muito em voga na época para o tratamento de doentes mentais, Nise decidiu apostar em outra seara e criou um ateliê de arte para incentivar os internos a trazer à tona as imagens do inconsciente. Combinados, a leitura dessa produção por parte dos médicos e o processo de criação foram, aos poucos, se revelando tratamentos muito eficientes. A amizade e a troca de cartas com o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung ajudaram e impulsionaram as pesquisas. Nesse primeiro núcleo da exposição, o contexto no qual surgiu o trabalho de Nise é apresentado ao público com informações, inclusive, sobre os precursores das práticas desenvolvidas pela psiquiatra. "Também temos uma ilha sobre a dor, onde a gente explora como os tratamentos de pessoas com transtornos psíquicos eram agressivos. Você consegue perceber como a pessoa é afetada pela estética da própria obra. E a gente termina falando do afeto. O tratamento a partir do afeto possibilitava os clientes terem uma reabilitação", explica Isabel.
Outro núcleo traz uma simulação do ateliê criado por Nise. O ambiente de dor e reclusão forçada acaba transformado em local de acolhimento que permitia um tratamento mais humano e inspirador. "Todo esse espaço está permeado pela apresentação dos artistas do engenho em conexão com outros artistas contemporâneos. A exposição não precisa ser visitada respeitando esses núcleos", explica a curadora. "Você consegue perceber como o tratamento que ela propõe é baseado na escuta do outro e, principalmente, totalmente contra a reclusão e o enclausuramento. Isso surte um efeito mais prático e pode ser aplicado na nossa vida e em como lidamos com nossos problemas, estando ou não diagnosticados com algum transtorno de saúde mental. " A ideia é que o público deixe a exposição com uma compreensão do método revolucionário criado por Nise da Silveira.
Serviço
Nise da Silveira – A Revolução Pelo Afeto
Curadores:Isabel Seixas e Diogo Rezende. Abertura amanhã. Visitação até 23 de fevereiro, de terça-feira a domingo, das 9h às 21h, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB - SCES Trecho 02 Lote 22)