LITERATURA

Mulheres maduras usam sapatos de cor e lançam coletânea nesta quinta-feira

Coletivo Maduh conta ao Correio sobre trajetória desde início do grupo até lançamento do primeiro livro conjunto, que ocorre nesta quinta (12/12), na Galeria de Arte da Casa Thomas Jefferson 

Coletivo Mulheres Maduras (Maduh) se prepara para lançar coletânea de crônicas, contos e poesia -  (crédito: Carol Moura/CB/D.A. Press)
Coletivo Mulheres Maduras (Maduh) se prepara para lançar coletânea de crônicas, contos e poesia - (crédito: Carol Moura/CB/D.A. Press)

Almofadas, artesanato e muitas, muitas borboletas compõem a decoração da varanda do apartamento de Isolda Marinho, onde o coletivo Mulheres Maduras (Maduh) se reúne às vezes para fazer trocas — seja de roupas e objetos que não usam mais, seja de leituras e de textos que escrevem com as mãos e com as almas. Nesta quinta-feira (12/12), Isolda, Luci Afonso, Adelaide Jordão, Alexandra Rodrigues, Eneida Coroacy e Vanessa Yasmin Pomerantz lançam, a partir das 19h, na Galeria de Arte da Casa Thomas Jefferson, a coletânea Florescer na palavra, que reúne escritos de todas elas.

Quem são as Maduhs? 

Sentadas ao redor de mesas de madeira, quatro amigas de (não tão) longa data compartilham um clima leve e descontraído, repleto de sorrisos, lembranças e... borboletas. Pedidas para se apresentarem de forma individual, elas começam uma introdução coletiva e intercalada sobre quem foram desde que se conheceram e quem são agora, como se fossem uma só. 

Mas são várias, e cada uma fala de forma única sobre o todo que completam. Enquanto tentam relembrar detalhes da primeira vez que se viram, um nome é repetido uma, duas, três, quatro vezes, por todas elas: Luci. A fundadora e mentora do grupo, que ainda não tinha chegado à reunião, estava presente no ar, nas memórias e, claro, nas palavras. Logo, uma delas anuncia: “Chegou a abelha-rainha”, e Luci adentra o ambiente que já dominava.  

Outra delas se apressa em avisar que a qualquer momento far-se-á uma conexão com Buenos Aires, onde está a sexta integrante do grupo, a caçula Vanessa Yasmin, para que, por fim, todas elas contem a história do livro que, como filho, incomoda com as primeiras contrações, uma semana antes do dia marcado para o parto. 

Coletivo Mulheres Maduras (Maduh) se prepara para lançar coletânea de crônicas, contos e poesia
Coletivo Mulheres Maduras (Maduh) se prepara para lançar coletânea de crônicas, contos e poesia (foto: Carol Moura/CB/D.A. Press)

Pelos olhos do poeta 

A história deste filho, porém, vem muito antes da gestação que chega ao fim. 

Tudo começou em 2004, elas contam, quando Isolda fundou, junto ao professor Marco Antunes, a quem as Maduras chamam de mestre, o Núcleo de Literatura do Centro Cultural da Câmara dos Deputados. Lá, ela se juntou primeiramente a Luci, com quem trabalhava lado a lado no órgão público; e, depois, a Alexandra, Eneida e Vanessa, que também participavam das atividades e oficinas de escrita. 

Foi no Núcleo que as cinco desenvolveram os respectivos e únicos “sotaques literários”, como aponta Alexandra, os quais foram somados às experiências prévias que tinham com a escrita e com a literatura. Elas utilizam uma série de verbos para descrever as ações de Marco Antunes sobre o embrião do que estaria por vir.Nos coordenou, nos ensinou, nos reconheceu, nos encorajou, nos provocou”, intercalam as autoras. A síntese de Luci se sobrepõe, como aglomeração dos verbos anteriores: “Descobriu as nossas vozes”. 

Jardim da memória  

Com as aposentadorias de Isolda, Antunes e Luci, porém, o Núcleo perdeu força, e as amigas só voltaram a se reunir na comemoração de aniversário de Luci em 2020. Durante as festividades da celebração da própria vida, a abelha, ou melhor, borboleta-rainha, como é carinhosamente apelidada pelas colegas, começou a espalhar o pózinho mágico” por entre as flores que desejavam bater asas. 

Luci Afonso conta que, antes da pandemia, enquanto procurava coisas para fazer, passava todos os dias por uma loja onde havia sempre umas senhoras sentadas tomando café. “Pensei assim, ah, vou arrumar alguma coisa para essas velhinhas fazerem”, relembra. “Mas aí, em vez de aparecerem as velhinhas, apareceram as escritoras.” 

“Foi uma situação inusitada”, conta Adelaide Jordão. O livro que ela havia acabado de lançar, à época, não tinha saído do jeito que queria, o que a fez procurar o conselho de Luci, a quem não conhecia até o momento. A borboleta-rainha prontamente lhe ofereceu uma ficha de inscrição para o grupo que começava a criar. 

A mais jovem delas, Vanessa, relembra, em videochamada, que quase não conseguiu entrar no grupo, que era destinado apenas a mulheres acima dos 60 anos. A princípio Luci não havia concordado, diz, mas ela insistiu tanto que conseguiu. “Eu sou um pouco fora do perfil original do grupo, mas para mim é importante fazer parte”, diz. “Eu vi como uma oportunidade única. Não é sempre que surge um grupo de escritoras assim tão bom e com uma energia tão boa também.” 

Em Buenos Aires, Vanessa Yasmin Pomerantz participa da reunião por videochamada
Em Buenos Aires, Vanessa Yasmin Pomerantz participa da reunião por videochamada (foto: Carol Moura/CB/D.A. Press)

A voz fértil da vida 

A primeira reunião oficial ocorreu no Sebinho em uma tarde de fevereiro de 2020, um mês depois do aniversário que as tinha colocado em contato novamente. Na ocasião, Luci apresentou a nova amiga Adelaide a Isolda, Eneida e Vanessa, e, por entre os livros usados, nasceu, enfim, o clube de leitura Solitárias Solidárias, que juntou as escritoras premiadas que dariam vida, algum tempo depois, ao coletivo Mulheres Maduras.  

Motivadas a desbravar escritores brasilienses, elas liam, neste primeiro encontro, um escrito de Alexandra. Apesar de ter participado de reuniões do Núcleo da Câmara, a escritora portuguesa ainda não era integrante do Solitárias Solidárias neste momento inicial. Coincidentemente, porém, comemorava, no mesmo dia, horário e local, a aposentadoria iniciada na véspera; ela viu as conhecidas, viu que liam textos dela e viu, também, o que queria fazer nesta nova fase que acabava de começar: Ali está o meu futuro”. 

Assim, como coisa de destino, o momento foi propício para todas. “Houve uma sintonia muito grande entre nós”, diz Adelaide. 

Dentro de casa, dentro da gente 

A pandemia obrigou as seis mulheres a trocarem o espaço do Sebinho por ambientes virtuais. “Foi um desafio, porque a gente conhecia muito pouco de internet, de computador”, lembra Luci. Ainda assim, elas passaram a se reunir todas as quintas-feiras, de forma remota, para compartilhar leituras que as haviam tocado durante a semana. 

“Veio a aposentadoria, depois veio a pandemia, mas para não perder a rima continuou a poesia”, sintetiza Isolda. Num período em que nós fomos aprisionados, eu sentia que eu conseguia voar, complementa Eneida. “Num período em que não era recomendado ficar junto, a gente primeiro uniu as almas, os nossos interiores. 

Eneida Coroacy diz que as poesias, crônicas e contos que escreve costumam viajar pelo realismo fantástico
Eneida Coroacy diz que as poesias, crônicas e contos que escreve costumam viajar pelo realismo fantástico (foto: Carol Moura/CB/D.A. Press)

Nenhum vírus é tão forte quanto a poesia 

Depois das reuniões on-line, voltaram as presenciais, uma vez por mês, agora nas casas delas — que se tornaram, além de verdadeiros lares de letras, espaços para oficinas de artesanato, feiras particulares de troca e outras atividades culturais. “Foi em uma dessas reuniões que a gente pensou em fazer uma coletânea com os nossos textos. 

“A gente foi se entrosando, foi criando coragem e acreditando que era possível”, lembra Eneida. “À medida em que a gente se reunia, a gente estava plantando a sementinha de algo que desabrochou na coletânea.” 

Voo poético 

“Tentar olhar de uma maneira um pouco diferente as coisas do cotidiano e da vida”, é como Vanessa descreve a poesia que escreve, ou o sotaque cuja pena dela desenrola. “Sempre buscando a suavidade de algo bom no que acontece.” 

Adelaide também começou na poesia, inclusive o primeiro livro solo que tem publicado é pautado no gênero. Com a formação do grupo, porém, passou a se “enveredar por outros caminhos”, como a crônica. Finalista de concurso do Correio Braziliense em 1999, ela busca pautar assuntos “com emoção”, com base nas próprias vivências. 

Quem também se aventura pela crônica e pela poesia, bem como pela prosa poética, é Alexandra. Psicóloga, ela traz, nos textos que escreve, um quê de “análise psicológica e dimensões subjetivas. 

“Eu me descobri ligada à escrita criança ainda”, conta Eneida Coroacy, a mais velha delas. Com diversos poemas premiados, a cearense se encontrou na prosa, atualmente mais crônicas e contos, com as aulas de Marco Antunes. “Tenho um sotaque que viaja pelo imaginário, pelo realismo fantástico.  

Isolda também escreve poesia desde menina. “Depois de adulta, comecei a escrever prosa, mas sem intenção de ser literatura”, afirma. O forte, porém, continua sendo o gênero que desbravou na infância, que é acentuado pela curiosidade e a paixão para com as palavras: “na sonoridade, na rima, na escrita, na sensação que elas causam na gente”. 

Emocionada, Luci chora ao relembrar a trajetória com a escrita. “Eu escrevo desde antes de saber ler e escrever”, conta, em meio a lágrimas. “Eu pedi a meu tio uma caneta emprestada para escrever, eu fiz uns círculozinhos: foi minha primeira crônica.” A voz principal dela é esta, então, a crônica, que preenche quatro livros publicados por ela, que diz que escreve poesia, só que não em versos”. 

Luci Afonso se emociona ao recordar trajetória com a literatura
Luci Afonso se emociona ao recordar trajetória com a literatura (foto: Carol Moura/CB/D.A. Press)

As colegas acrescentam, complementando uma a outra e formando uma só frase: “A Luci tem um pózinho mágico, que ela espalha ao redor dela e, quando toca na gente, a gente floresce, cria asas e voa”.  

A borboleta-rainha se emociona novamente ao dizer que o trabalho coletivo é muito importante para ela. “Eu aprendi que não era eu, éramos nós.” 

“Nós nos complementamos”, completa Eneida. “Cada uma com seu saber, com seu sentido”, finaliza Isolda. 

Eu não mato flores (nem apago arquivos) 

Sobre os processos de desenvolvimento e de editoração do livro que vai ser publicado nesta quinta-feira (12/12), elas partilham a dificuldade, sim, mas também a satisfação com o filho que está perto de nascer. 

“A gente não sabia nem abrir um arquivo, por exemplo”, relembra Luci. “Não sabíamos de nada, mas fomos fazendo.” Apesar disso, devido às experiências individuais, chegaram à publicação coletiva experientes, sabendo como queriam que este primeiro filho conjunto saísse. “Não éramos tão verdes”, brinca Isolda. “Já somos maduras.” 

Eneida, a única delas que ainda não publicou um livro sozinha, conta que a experiência de mãe de primeira viagem teria sido muito mais difícil se não estivesse ao lado das companheiras. “Para mim, se eu estivesse só, teria sido muito angustiante.” 

Isolda não esquece de contemplar, porém, o “auxílio luxuoso” que tiveram de outras artistas, como a ilustradora Marcia Bandeira, por três vezes finalista do prêmio Jabuti, a diagramadora Ana Patrícia Meschick e a escritora Stella Maris Rezende, que prefaciou a obra. 

Isolda Marinho fundou o Núcleo de Literatura do Centro Cultural da Câmara dos Deputados, ao lado do professor Marco Antunes
Isolda Marinho fundou o Núcleo de Literatura do Centro Cultural da Câmara dos Deputados, ao lado do professor Marco Antunes (foto: Carol Moura/CB/D.A. Press)

Florescer na palavra 

Alexandra conta que a primeira etapa foi selecionar os setenta textos, entre crônicas, poemas e contos, que comporiam a coletânea. Primeiro, pensaram em dividi-los entre autoras, mas decidiram que seria mais interessante encaixá-los em temas em comum: “Nós procuramos identificar temáticas que atravessavam os nossos textos”. 

São nove as categorias, então, que dão nome a capítulos do livro e a alguns dos intertítulos desta matéria. Dos nove, o mais significativo é o que ilustra também a capa e batiza o conjunto de todos os outros: Florescer na palavra. “É o que todas sentimos, é o que aconteceu com todas nós durante aqueles encontros com as palavras”, esclarece a mentora Luci. “Fomos florescendo e crescendo e nos ramificando, até alcançar esse estado de brotar.” 

“Sempre há momentos para florescer, independentemente da idade”, complementa Adelaide. “A gente compreende, cada vez com mais clareza, que precisa florescer juntas; sozinhas a gente não brota como brota juntas”, completa Alexandra. Eneida concorda: “É uma estação da vida que a gente costuma chamar outono, mas você planta no outono também e floresce; aqui estamos na primavera novamente”. 

Alexandra finaliza a reflexão com a citação que inicia o livro, uma epígrafe de Rubem Alves. “Há morangos que se comem sobre o abismo. Há balões que só sobem ao crepúsculo. E belezas que só existem no Outono (...). E, de repente, já no crepúsculo, as árvores que todos julgavam secas começam a soltar brotos, florescem.” 

Mulheres maduras usam sapatos de cor 

Ao fim, a ansiedade as faz se apressarem na discussão sobre como será o grande dia, o do parto, que se aproxima: planejamento, convidados, ensaios. Será que calçam sapatos de cor, como o texto de Isolda que escolheram para estampar a segunda orelha declara, quase como manifesto, que mulheres maduras usam? Como cumprimentar todos que vêm as prestigiar sem ter de levantar a todo momento dos respectivos assentos, para que a dinâmica da sessão de autógrafos não seja prejudicada? Assim, então, “quem vai olhar os sapatos?”, questionam algumas. “Se estivermos todas juntas na hora da apresentação, podemos ficar em pé e desfilá-los”, sugerem outras.  

Vanessa, que está de longe, fica triste por não poder participar do lançamento de forma presencial, mas está acostumada a participar das atividades do grupo, inclusive desta reunião, à distância. Ela garante que vai ser muito bem representada, de forma física, pela irmã gêmea, e que vai marcar presença, ela mesma, “nem que seja pela telinha”. 

“Venham”, convidam essas senhoras de si mesmas — que compartilham saberes com outras mulheres, que “escrevem letras sabidas” e “acordam palavras silenciosas” e que, claro, “frequentam um clube para trocar a textura de seus inventos” — ao nascimento de um filho que é também sonho, flor, piquenique e borboleta. “Estão convidadas.” 

Coletivo Mulheres Maduras (Maduh) se prepara para lançar coletânea de crônicas, contos e poesia
Coletivo Mulheres Maduras (Maduh) se prepara para lançar coletânea de crônicas, contos e poesia (foto: Carol Moura/CB/D.A. Press)

  • Varanda de Isolda é
    Varanda de Isolda é "canto das borboletras" Foto: Carol Moura/CB/D.A. Press
  • Em Buenos Aires, Vanessa Yasmin Pomerantz participa da reunião por videochamada
    Em Buenos Aires, Vanessa Yasmin Pomerantz participa da reunião por videochamada Foto: Carol Moura/CB/D.A. Press
  • Da esquerda para a direita, Isolda Marinho, Eneida Coroacy, Alexandra Rodrigues e Adelaide Jordão
    Da esquerda para a direita, Isolda Marinho, Eneida Coroacy, Alexandra Rodrigues e Adelaide Jordão Foto: Carol Moura/CB/D.A. Press
  • Luci Afonso se emociona ao recordar trajetória com a literatura
    Luci Afonso se emociona ao recordar trajetória com a literatura Foto: Carol Moura/CB/D.A. Press
  • Isolda Marinho fundou o Núcleo de Literatura do Centro Cultural da Câmara dos Deputados, ao lado do professor Marco Antunes
    Isolda Marinho fundou o Núcleo de Literatura do Centro Cultural da Câmara dos Deputados, ao lado do professor Marco Antunes Foto: Carol Moura/CB/D.A. Press
  • Da esquerda para a direita, Eneida, Alexandra e Adelaide
    Da esquerda para a direita, Eneida, Alexandra e Adelaide Foto: Carol Moura/CB/D.A. Press
  • Coletivo Mulheres Maduras (Maduh) se prepara para lançar coletânea de crônicas, contos e poesia
    Coletivo Mulheres Maduras (Maduh) se prepara para lançar coletânea de crônicas, contos e poesia Foto: Carol Moura/CB/D.A. Press
  • Coletivo Mulheres Maduras (Maduh) se prepara para lançar coletânea de crônicas, contos e poesia
    Coletivo Mulheres Maduras (Maduh) se prepara para lançar coletânea de crônicas, contos e poesia Foto: Carol Moura/CB/D.A. Press
  • Coletivo Mulheres Maduras (Maduh) se prepara para lançar coletânea de crônicas, contos e poesia
    Coletivo Mulheres Maduras (Maduh) se prepara para lançar coletânea de crônicas, contos e poesia Foto: Carol Moura/CB/D.A. Press
  • Eneida Coroacy diz que as poesias, crônicas e contos que escreve costumam viajar pelo realismo fantástico
    Eneida Coroacy diz que as poesias, crônicas e contos que escreve costumam viajar pelo realismo fantástico Foto: Carol Moura/CB/D.A. Press
  • Artesanatos feitos por Isolda
    Artesanatos feitos por Isolda Foto: Carol Moura/CB/D.A. Press
  • Coletivo Mulheres Maduras (Maduh) se prepara para lançar coletânea de crônicas, contos e poesia
    Coletivo Mulheres Maduras (Maduh) se prepara para lançar coletânea de crônicas, contos e poesia Foto: Carol Moura/CB/D.A. Press
  • Coletivo Mulheres Maduras (Maduh) se prepara para lançar coletânea de crônicas, contos e poesia
    Coletivo Mulheres Maduras (Maduh) se prepara para lançar coletânea de crônicas, contos e poesia Foto: Carol Moura/CB/D.A. Press
Lara Perpétuo
LP
postado em 11/12/2024 15:23
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