O quinto dia da Mostra Competitiva Nacional do 57º Festival de Brasília de Cinema Brasileiro, realizado nesta quinta-feira (5/12), começou com a exibição do curta Descamar, último representante do Distrito Federal a ser apresentado na disputa, seguido por Kabuki (SC), única animação em stop motion da competição. Encerrando a noite, foi a vez do longa Salomé (PE), de André Antonio, pintar nas telonas do Cine Brasília.
Descamar, realizado com uma equipe inteiramente composta por pessoas do DF, acompanha Gabi, uma jovem que acorda com a estranha sensação de ter sido absorvida por uma situação inusitada. Durante uma aula no colégio, ela sente pontadas de dor nunca sentidas antes, até descobrir uma gosma espessa e vermelha nas roupas.
Com direção de Nicolau, professor de cinema, fotógrafo analógico e escritor, o filme estreou no 51º Athens Film Festival, em Ohio, Estados Unidos. “O filme é sobre a menarca de uma menina e de como, a partir disso, ela começa a embarcar nessa questão do que é se tornar mulher e o que que a sociedade meio que impõe e define que é isso”, explicou.
O cineasta contou que o filme foi inspirado na própria experiência enquanto criança trans. “É sobre me perceber em um meio que eu não queria crescer, e tudo aquilo que a sociedade estava impondo para mim. Eu não sabia o que eu queria ser, mas eu sabia que não era aquilo”, refletiu.
Para Nicolau, exibir o filme no Cine Brasília é como “chegar em casa e mostrar nossa obra para os amigos”. “São poucos os filmes do DF que estão na Mostra Nacional, e a gente fica muito feliz, porque é uma janela para o filme realmente chegar a um outro público, é quase que um outro patamar”, celebrou.
Em seguida, foi a vez da animação Kabuki, dirigida por Tiago Minamisawa, vencedor do prêmio Silver Hugo de Melhor Filme de Animação. O curta leva o nome do protagonista, um homem que reside em um corpo masculino que não reconhece. Em uma jornada de autoconhecimento, a personagem busca a própria identidade.
“É um curta sobre a jornada de transformação da personagem até encontrar ela esse verdadeiro eu”, resumiu Tiago. “Meu filme traz uma mensagem muito importante sobre a questão trans, para que a gente pense sobre essas questões de assassinatos de pessoas trans, principalmente no Brasil. É urgente que a gente debata esse tema e olhe as perspectivas internas desse personagem”, defendeu.
Responsável pela única animação da Mostra, o cineasta descreveu como “uma honra e uma responsabilidade” fazer parte da seleção do festival. “Estou representando toda uma uma comunidade de animadores do Brasil, e acho que mostra muito dessa importância do mercado de estar dando espaço para as animações”, comemorou.
Estrando nas telonas do Cine Brasília, o curta-metragem também foi selecionado para mais de 70 festivais internacionais, entre eles o Festival de Animação de Annecy.
Salomé, de André Antônio, finalizou a programação como o longa-metragem da noite. Diretamente de Pernambuco, a produção conta a história de Cecília, uma jovem modelo que volta à cidade natal, Recife, para passar o Natal com a mãe. Durante a estadia, João, um vizinho que não via há muito tempo, oferece a ela um frasco contendo uma substância verde tóxica. A partir daí, Cecília começa a se apaixonar por João, mas descobre que ele está envolvido em uma estranha seita.
O cineasta definiu o filme como um melodrama familiar, em que a protagonista vive um embate entre a realidade atual e o reencontro com o passado. “A Cecília, é uma jovem modelo de sucesso que mora em São Paulo, mas volta para a cidade natal para passar o fim do ano com a mãe”, contou o diretor. “Ela é uma menina muito muito descolada, bem irônica, e acaba voltando para esse lugar da adolescência dela que é bem provinciano, suburbano, às vezes religioso e até conservador”, detalhou Antônio.
Segundo o diretor, o filme aborda questões de sexualidade de forma distinta às que geralmente são retratadas. “É um filme que fala sobre sentir tesão, ter um desejo sexual por alguém, e eu não vejo filme falando sobre isso”, opinou. “Por exemplo, às vezes o cinema LGBT é sobre não ser aceito como gay, é muito mais sobre uma questão externa, política, social e não sobre o que a gente está sentindo ali nas entranhas, como pessoas. E esse filme é sobre isso”, descreveu.
“Salomé é um filme que quebra padrões e fórmulas bem estabelecidas de roteiro de imagens. Não é uma produção com aquela velha fórmula de sucesso, aquela imagem que você já ouviu em outros lugares, é tudo muito novo, singular, e raro”, disse. “O festival ter escolhido um filme como esse me dá esperança e mostra que a gente pode intervir e mudar o nosso mercado de cinema”, celebrou.
Clima
Com todos os assentos ocupados, o público do Festival de Brasília vibrou com um filme local na Mostra Nacional.