A Amazônia e as histórias femininas que nela habitam serviram de farol para a artista Alessandra França criar as obras da exposição A memória de uma pode ser a memória de muitas, em cartaz na Referência Galeria de Arte. Com uma técnica mista que tem por base a fotografia, a artista criou uma série de assemblages e relicários compostos por fragmentos de histórias tanto pessoais quanto coletadas em pesquisa que incluiu depoimentos de ribeirinhas e mulheres moradoras da Região Amazônica.
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Nascida em Itacoatiara, Alessandra morou no Rio de Janeiro durante 30 anos até resolver voltar ao estado natal. Ao chegar, depois de tanto tempo fora e como método de reaproximação das próprias raízes, ela começou uma pesquisa que envolvia fotografia e coleta de depoimentos. "Resolvi entrar nesse universo das mulheres ribeirinhas, da ancestralidade indígena, que também é a minha, e fui em busca dessa memória das mulheres da minha família, das mulheres que viviam ali nas margens dos rios, porque acabei trabalhando nessa área, descia o rio para fazer trabalhos na área da cultura. E elas me contavam histórias de vida", conta a artista, hoje radicada em Brasília.
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Nas fotografias fusionadas com o tecido das telas, Alessandra realiza as intervenções que podem ir de pinceladas à agregação de tecidos vindos de baús familiares ou de imagens impressas coletadas ao longo da vida. "Comecei a colocar esses objetos nas fotografias. Fotografava essas paisagens e resolvi contar as histórias em cima dessas imagens com as intervenções, os bordados, os colares e os objetos de reuso que encontrei garimpando", diz a artista, que começou a ganhar e amigos e conhecidos objetos como cestarias, rendas, fios, linhas e tecidos. "Tem toda uma memória. Com essa pesquisa, passei a ver que é uma memória coletiva, uma memória nossa. A gente compartilha muita coisa, nós, mulheres, temos histórias parecidas", acredita. Em séries como Desnudar e Relicário das memórias que me contaram, Alessandra traz uma Amazônia habitada por mulheres cujas identidades se misturam e se fundem.
Provocação
Também na Referência, a artista Raquel Nava apresenta Contaminada: polímeros canibais, um conjunto de sete telas que representam uma espécie de retomada da pintura. “É uma exposição mais voltada para pintura, então um retorno à pintura. Reciclo várias telas que já foram pintadas, todas muito carregadas de tinta. E mesclo telas que já pintei com colagens de outras”, avisa Raquel, que utilizou alguns dos materiais com os quais trabalhou em esculturas e instalações. “Tem matéria orgânica e industrial nas pinturas, com trabalhos de assemblages nos objetos, penas, pele de coelho, esses restos da minha coleta. Pela primeira vez, esses elementos entram nas pinturas”, diz.
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À porta da galeria, o público é recebido por uma capivara taxidermizada cortada ao meio, personagem que já esteve em várias exposições da artista. Além das pinturas, há também esculturas da série Apresuntado, na qual ela propõe como provocação refletir sobre a origem de bens consumidos corriqueiramente. Ao mesmo tempo que pode ser lido como uma gíria para defunto, presunto e seu derivado, o apresuntado, são também marcadores sociais, já que o primeiro é mais caro e o segundo, considerado popular e feito restos menos nobres. Para Raquel, a gíria faz referência a corpos anônimos, sem identidade, às vezes assassinados e sempre periféricos. É, também, referência a uma forma de violência. “Quero olhar para a palavra presunto enquanto gíria, ao mesmo tempo que produto que é também um marcador social. A gente consome isso sem ver que é um bicho, um defunto, porque já foi tão alterado e normalizado”, lamenta.
Serviço
A memória de uma pode ser a memória de muitas…
De Alessandra França.
Contaminada: polímeros canibais
De Raquel Nava.
Visitação até 11 de janeiro, de segunda a sexta, das 10h às 19h, e sábado, das 10h às 15h, na Referência Galeria de Arte CLN 202, Bloco B, Loja 11)
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