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Da ficção à realidade: como as séries moldam a sexualidade

Entenda como a indústria das séries se consolidou como uma influência sobre assuntos de sexualidade ao longo do tempo

Da icônica Sex and the City (1998) até a atual Sex Education (2019), pautas sobre sexualidade rendem repercussões nas séries. A mídia recreativa pode ser o primeiro contato que o jovem tem com o sexo e questões que o acompanham. O poder de abordagem em uma pauta presente na vida de quase todas as pessoas influencia diretamente como a sociedade lida com a sexualidade.

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Fernanda Soares é apresentadora do Tretas TNT e youtuber responsável pelo canal Hollywood Forever, no qual relata acontecimentos dentro da indústria do entretenimento. Em entrevista ao Correio, a apresentadora diz ter gosto por séries que abordam assuntos de gênero e sexualidade. “Hollywood embranqueceu quase todas as produções. Agora é tempo de contar novas histórias e outras perspectivas de vida”, diz. 

A apresentadora cita Ryan Murphy como exemplo, showrunner americano que tem a representatividade como um dos nortes para o trabalho que desempenha. “Séries como Pose são fundamentais. Precisamos falar de histórias como esta”, diz Fernanda. A série em questão mostra para o espectador um pouco da cena queer nova iorquina durante o giro mortal da Aids nas décadas de 1980 e 1990.

A indústria do entretenimento ainda sofre com a falta de representatividade, mas de acordo com Fernanda os avanços foram muitos. “Ao falar de séries, filmes e esses retratos do mundo temos que levar em consideração uma coisa: é ficção. O exagero faz parte do entretenimento e por mais que a gente se identifique ou não, essas produções estão falando com um público e o interesse deles”, diz. 

O público se identifica com personagens extravagantes como Carrie Bradshaw, a protagonista de Sex and the City que perambula por Nova York a fim de encontrar temas para coluna de sexo que escreve. A personagem gasta uma exorbitante quantia de dinheiro em sapatos e sempre está com as três amigas bebendo drinques à luz do dia. O público talvez não consiga se conectar com a lustrosa vida de Bradshaw, mas, sim, com seus defeitos, qualidades e principalmente as pautas sobre sexo que ela e as amigas compartilham.

Sex and the City foi um sucesso com o público feminino e LGBTQIAPN+ na década de 1990 e vêm ganhando notoriedade com as novas gerações com advento dos streamings. A longevidade do sucesso se dá aos temas abordados na série. Apesar do recorte de uma classe média alta nova-iorquina, as quatro amigas falam de relacionamentos inter-raciais, bissexualidade, sexos a três com o companheiro e muito mais. As pautas interessavam o público para qual ela foi feita. 

Em razão aos recortes de classe, Fernanda Soares salienta o acesso de uma parcela da população a estas produções. “Estes temas ficaram por anos presos à TV por assinatura, algo bem classe média. Hoje isso tudo se repete com os streamings, mas a internet democratizou muito”, conta. O formato de novelas, o mais popular no Brasil, também segue em direção a um retrato mais profundo e diverso das relações afetivas e sexuais. 

“O Brasil produz muita coisa legal, temos Esmir Filho, que acabou de fazer a série Boca a Boca. Bom dia Verônica outra série importantíssima, falando de exploração sexual, violência doméstica retratada com bastante brutalidade, como o assunto pede. Séries tão boas quanto as de fora”, diz Fernanda. 

Sexologia no entretenimento 

A sexóloga Delma Eusébio afirma que as séries desempenham um papel crucial na formação da percepção pública sobre sexualidade — principalmente entre o público feminino ao contemplar o empoderamento e a autoestima. “As mulheres se veem em histórias que desafiam tabus. Isso promove diálogos e o desenvolvimento da própria sexualidade e liberdade”, explica. 

Delma opina que a mídia ajuda a desmistificar preconceitos de sexualidade e relacionamentos ao criar personagens com dilemas semelhantes às pessoas reais: “A representatividade promove uma conversa saudável sobre os temas envolvidos.” A educação sexual no entretenimento é uma ferramenta de conhecimento para Delma.

A sexóloga argumenta que muitas pessoas não conhecem o próprio corpo, e a acessibilidade das séries ensina sobre os temas de forma leve. Ela ressalta que a representação do prazer feminino é cada vez mais realista, o que evidencia desejos antes negligenciados, quebra estereótipos e incentiva a compreensão da sexualidade. 

O consentimento e modelos de relacionamentos saudáveis também são pautas abordadas nas séries. Delma destaca o diálogo sobre limites, respeito e empatia, no qual os exemplos positivos servem como incentivo e os negativos como alerta. “Os espectadores se inspiram nisso e espelham as experiências fictícias nos próprios ciclos”, diz. 

Temas de gênero abordados no entretenimento são motivo de comemoração para a sexóloga. Delma explica que a validação é uma transformação social caracterizada pela diminuição do preconceito e a afirmação da identidade. “Vejo uma evolução positiva na abordagem sexual das séries. A clássica Sex and the City foi pioneira nesse diálogo”, comenta. 

“As séries têm avançado significativamente na representatividade de orientações sexuais”, Delma defende, “Progresso notável com a inclusão de personagens LGBTQIA+ com histórias complexas e autênticas. Mas as limitações ainda existem e a desinformação pode ser perpetuada. Devemos lembrar que a ficção não é um reflexo fiel de todas as realidades e experiências.”

Procurada principalmente por mulheres, Delma propõe que as séries precisam ter um cuidado especial ao abordar temas sensíveis da sexualidade feminina: “Deve ser respeitoso e evitar a objetificação. É fundamental retratar narrativas informativas e saudáveis.” A sexóloga alerta sobre a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis, e o cuidado correto com a região íntima deve estar de acordo com a realidade quando atuado na ficção. 

Sugestões de séries que abordam a sexualidade:

  • Minha vida de cão (1994 - Prime Video) 
  • Sex education (2019 - Netflix)
  • Sex and the city (1998 - Netflix e MAX)
  • The L world (2004 - Google play)
  • Skins (2007 - Netflix)
  • Big mouth (2017 - Netflix)
  • Grace and Frankie (2015 - Netflix)
  • A vida sexual das universitárias (2021 - MAX e Prime Video)
  • Boca a boca (2020 - Netflix)
  • Pose (2018 - Disney+)
  • Euphoria (2019 - MAX) 
  • Eastsiders (2012 - Netflix)
  • Gossip girl (2007 - Netflix e MAX)
  • Please Like me (2013 - Prime Video) 

* Estagiários sob supervisão de Roberto Fonseca

 

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