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Black Myth: Wukong é a principal aposta para o GOTY de 2024

O "jogo do macaco" ganhou a internet desde seu primeiro trailer em 2020 e diferente de muitas práticas na indústria dos games, entregou o que prometeu.

Quase três meses depois do lançamento de Black Myth: Wukong, eu finalmente consegui jogar. Até pensei em não escrever, já que o “hype” passou, mas aí refleti um pouco mais e percebi que iria me arrepender se o jogo fosse nomeado Game of the Year (GOTY, em tradução livre, Jogo do Ano) em qualquer plataforma e eu não tivesse dito isso antes dele ser. Então aqui vai, de alguém que ainda não jogou Silent Hill 2 e nem Metaphor: ReFantazio, é quase certo que Black Myth: Wukong será o GOTY 2024.

Desenvolvido pelo estúdio chinês, Game Science, esse jogo do macaco repercutiu na Internet desde seu primeiro trailer, com gráficos que beiram o inacreditável, principalmente de um estúdio que contavam com apenas 30 profissionais. Dizem as más línguas que esse primeiro material foi para fomentar novas contratações ao estúdio, já que a Game Science recebeu 10 mil currículos depois da prévia. O jogo foi aparecendo em um evento aqui e acolá, com prévias cada vez mais elaboradas e seu protagonista se tornando diversas outras criaturas, com vários tipos de magias, em diversos ambientes distintos. Foi aí que surgiu uma questão do gamer médio: afinal de contas já tivemos jogos na indústria que tiveram “floreios” em seus trailers e o produto final não era nem metade do prometido. Ano após ano, Black Myth: Wukong aparecia, lembrando que ele continuava ali, mesmo que não possuísse data, o jogo um dia chegaria. Até que em um dos trailers a data surgiu, 19 de agosto de 2024.

A verdade é que sempre fui cético sobre jogos com “coisas demais” para se utilizar: muitas magias, muitos poderes, muitas transformações, essa gama muito grande de Black Myth: Wukong me afastou dele em um primeiro momento. Assim que saiu foi aquela enxurrada de publicações e eu bati o pé dizendo que : "Não o jogaria tão cedo". Não consumi nada sobre a história, nem gameplay, e queria que quando finalmente tivesse coragem para tal, a experiência fosse única. Eu não consegui uma chave para review, então isso esfriou um pouco meus ânimos, mas foi o tempo necessário para o hype passar e ver fora do espectro “Esse já é o melhor jogo do ano”.

Não que, em 2024, a concorrência esteja muito grande. Os estúdios se esforçaram esse ano para não levar prêmios, com o oriente segurando na unha a indústria, não estou dizendo que não tivemos jogos bons deste lado do mar. Tivemos, mas nenhum que alcance o patamar de GOTY. 

Wukong, o Rei Macaco

Reprodução/Game Science - Wukong enfrenta os deuses e seu maior guerreiro, Erlang, em um confronto direto.

Black Myth: Wukong é inspirado no romance chinês chamado “Jornada ao Oeste” lançado em 1592, servindo como uma reflexão dos valores que o budismo, além de ser um dos principais livros da cultura chinesa, nele é contada as aventuras do Rei Macaco, Sun Wukong, esse ser mitológico da cultura chinesa que inclusive inspirou muitos outros personagens, como o boneco de mesmo nome no League of Legends e o próprio Goku, personagem principal de Dragon Ball.

Com um dos melhores tutorias de comandos dos últimos anos, o Rei Macaco enfrenta toda a corte do Imperador de Jade - Deuses daquele mundo e abaixo apenas do próprio Buda. Lá Sun Wukong que se defronta com Erlang Shen, sobrinho do imperador, quem reuniu as tropas para deter o Rei Macaco. Como Black Myth segue a cartilha Dark Souls de contar história, é complicado entender sem nunca ter consumido nada sobre o conto, mas darei uma colher de chá. Nessa altura do campeonato, as traquinagens de Wukong irritaram o conselho, além de óbvio, de temer seu poder. 

Erlang e Wukong caem no braço, com o Rei Macaco tendo o poder de encarar o inimigo no mesmo nível. Em um certo momento, o sobrinho do imperador saca seu machado mágico e corta os céus, destruindo uma das montanhas do vale onde Wukong e seus outros macacos prosperavam, apenas aí, o Rei Macaco decide recuar e percebe sua mortalidade naquele momento. Erlang não desiste e persegue Wukong pelos céus até o ferir mortalmente e assim matando o Rei Macaco. Décadas se passaram e na montanha onde Sun Wukong recebeu uma pedra, os macacos do Monte Huaguo acreditam que algum dia renascerá seu rei. Então, a verdadeira história de Black Myth começa e um dos anciões da montanha conta para você. Um macaco apelidado de Predestinado fala sobre a história e que o corpo do Rei Macaco se transformou em relíquias que se espalharam pelo mundo, cabendo ao Predestinado reuni-las e trazer Wukong de volta à vida.

Uma nova jornada

Reprodução/Game Science - A primeira área do jogo é cheia de história e seu enredo trabalha como um complemento de "Jornada ao Oeste".

Antes de efetivamente jogar, eu mesmo não fazia ideia de que Wukong não era o protagonista desta história. Para mim, você iria reviver os eventos de “Jornada ao Oeste” como um jogo de aventura, mas o Predestinado apesar de trilhar os mesmos passos do Rei Macaco para encontrar os artefatos com seu poder, não faz necessariamente as mesmas coisas do conto, o objetivo é como ver o “que fim levou” dos personagens da história original e dos ambientes que lá são descritos. Tomemos de exemplo o primeiro capítulo do jogo, para evitar spoilers. 

Na história original, o monge Tang Sanzang considerado o protagonista do livro, tem a missão de buscar escrituras sagradas no oeste (onde fica a Índia no mundo real). Ele se encontra com Sun Wukong e numa jornada para redimir seus pecados contra os deuses, Sanzang e Wukong resolvem se ajudar. O primeiro lugar em que eles chegam na lenda é um templo na Montanha do Vento Sombrio, liderados por um monge bem mais velho conhecido como Jinchi, esse que tinha um escudeiro leal, chamado de Guangzhi. Sanzang foi bem recebido por lá, mas algo ruim tomou o coração do líder budista. Ele carregava um manto budista, chamado de Kasaya, que era especial e foi dada pelos deuses. Jinchi então sente uma ganância desigual e cobiça o manto do monge, unindo forças com o yaoguai (animais antropomorfizados, muitos são considerados demônios) Urso Negro, que com sua corte leal do Nobre de Branco e de Lingxuzi decidiu ajudar Jinchi. Eles têm a ideia de colocar fogo no templo e no meio da confusão roubar a kasaya de Tang Sanzang. Wukong percebe a maldade em Jinchi e o fogo acaba saindo de controle e mata os monges do templo. Assim que o Rei Macaco e Sanzang deixam o templo são atacados pelo Urso Negro, mas Wukong luta contra o yaoguai e vence a batalha. Este é o trecho da história, agora vejamos como Black Myth enriquece este enredo.

O Predestinado parte para a Montanha dos Ventos Sombrios, no primeiro lugar onde Wukong e Sanzang estiveram. O lugar foi tomado por diversos yaoguais lobos, que vivem na região sendo liderados por um novo Lingxuzi. Descobrimos aqui que não era uma pessoa, mas um título para o líder dos lobos, inclusive vemos o corpo do antigo Lingxuzi pendurado como um troféu em um trecho da floresta. Além disso, é descoberto que Guangzhi era, na verdade, um yaoguai disfarçado entre os monges, que tinha sido enviado pelo Urso Negro para ficar de olho templo, que queria viver como um ser humano. Depois do incêndio se arrependeu de seus atos e se isolou para estudar o poder do fogo que tirou tudo dele, sozinho na floresta, quando o Predestinado cruza seu caminho, Guangnzhi é derrotado e pede para o macaco utilizar sua lança e seus poderes para enfrentar os inimigos, liberando assim a primeira transformação, Guangzhi e sua lança dupla de fogo. Além disso, Guangzhi tinha um irmão, chamado Guangmou, outro yaoguai com poderes capazes de envenenar seus inimigos, esse que foi responsável por espalhar o fogo que atingiu o templo local. Na montanha, o Predestinado também encontra o Nobre de Branco que se revela um yaoguai serpente, que jurou lealdade ao Urso Negro, que agora estava em posse da relíquia de Wukong. Antes de morrer, ele diz que o espirito de Jinchi ainda paira em algum lugar dessas montanhas. 

Se você se embrenha na floresta e toca três sinos secretos, libera uma área escondida, que o leva para um lugar obscuro, cheio de corpos carbonizados e o espírito atormentado de Jinchi, que ficou preso aquele momento de sofrimento, para lembrar o que seu desvio da doutrina lhe custou. Conforme o Predestinado vai subindo a montanha, encontra um monge responsável pela reconstrução do templo. Eles se enfrentam numa batalha árdua, o macaco vence e o monge reforça o desafio, mandando o Predestinado encontrá-lo no topo do montanha. Quando chega lá, o monge se revela o Urso Negro e mostra que guardava a relíquia de Wukong, protegendo-o dos yaoguais. 

E ao fim do capítulo, vemos uma cena em animação, que tem em todos os finais, com vários estilos diferentes de traço e técnica, como em anime ou stop-motion. Essas cenas têm como principal objetivo servir de apêndice para a história do capítulo, no caso do Urso Negro e Jinchi, a cena final mostra o ínicio da amizade do yaoguai com o monge, e uma reflexão da criatura sobre o fim de Jinchi. 

Apesar da história nem sempre pontuar esses detalhes que apresentei agora textualmente, porque na cabeça dos desenvolvedores, a história de Black Myth, leva em conta que você já conheça “Jornada ao Oeste” justamente por esse ser um clássico da cultura chinesa. A falta desse contato pesa em alguns momentos, mas nada é inteligível, já que as relações entre os personagens que aparecem são bem definidas, e com a exploração de áreas secretas e as cenas de conclusão enriquecem mais o enredo.

Jogabilidade

Reprodução/Reedit - Os fotográfos digitais se deleitaram com o modo foto do jogo, que foi uma trend bem presente durante seu lançamento.

Em Black Myth: Wukong, o Predestinado só é capaz de atacar com a arma utilizada pelo Rei Macaco, o bastão, esse que tem variações como lanças que podem ser adquiridas conforme a campanha progride, mas em sua maioria a arma é o bastão. Finalizando o combate, temos as magias, que no início do jogo, você já recebe o primeiro poder, a Imobilização, que deixa o inimigo estático por alguns segundos, possibilitando uma sequência de golpes. O jogo ainda conta com dois botões de ataque, um para leves e outro para pesados, sistema esse que se encaixa juntamente com a barra de foco, se você possuir um foco completo, o macaco pode executar um golpe mais forte com o bastão que tira um dano considerável dos inimigos. Fora isso, temos um botão para pular, para desviar, que se pressionado no momento preciso do ataque inimigo, ele deixa um fantasma para trás e não recebe o dano, além disso, há um botão para correr, e um para se curar, com essa cura sendo limitada nos moldes de jogos Souls. 

Com o bastão existem três modos de combate disponíveis, a postura esmagadora, a postura do pilar e a postura ofensiva, cada uma dessas possui uma árvore própria para desbloquear novas habilidades. Durante minha jogatina optei pela postura do pilar, sentindo os golpes mais rápidos e o golpe de foco dele. Eu considerei o melhor, não é mais rápido que o padrão do início do jogo, mas no modo de pilar, o macaco fica de pé sob o bastão, evitando o dano lá embaixo e desce com tudo acertando uma grande área, graças ao alcance da arma. As sequência de golpes consomem a barra de vigor, se ela chega ao final, o Predestinado não consegue desviar direito, nem correr, nem finalizar seus combos com o bastão, então, o controle do Vigor é essencial para se manter sempre ativo nas lutas.

As magias que comentei mais cedo também possuem uma barra azul, logo depois da vida e com ela você executa suas habilidades, que podem ser colocadas num atalho que permite até quatro magias, sendo uma obrigatória de transformação. Devo ressaltar quão impressionante é a gama de possibilidades de combate que o jogo, principalmente por conta das magias e transformações, existem poderes para impedir que o inimigo te atinja, criar uma zona para poder se recuperar, se multiplicar em vários macacos, além de um outro tipo de transformação em inimigos específicos que atua como um golpe único, diferente de Guangzhi que conta com duas barras, uma de vida e uma de magia, que assim que se esgota transforma-o novamente no macaco.

Level Design 

Reprodução/Game Science - A procura de coisas secretas , você esbarrar com uma parede invisível por aí.

Dentro dos capítulos, existem diversas áreas, que são separados pelos templos onde o Predestinado acende um incenso, que funcionam como checkpoint, caso você morra em alguma área mas para frente e ainda não tenha encontrado outro templo, você retorna do ponto anterior que esteve, o mesmo vale para todos os inimigos, que retornam caso tenham morrido e tem sua barra de vida cheia novamente se tiverem tomado dano.

Meu único e maior problema com Black Myth é uma coisa que não costumo muito comentar sobre nas análises, pois dificilmente jogos lineares tendem a ter esse problema, mas pelo jogo ser um mundo isolado de cada capítulo e meio que não impedir o jogador de ir para qualquer lugar, em muitos momentos você vai se ver em um ambiente aberto, começar a seguir uma trilha e dar de cara com a famosa parede invisível. Isso tem muito no jogo e outro caso também é achar que um platô é alcançável, mas independe do quanto você tente jamais vai chegar ao alto porque não foi feito para o boneco alcançar aquele ponto, apesar de você ter essa noção de que fosse capaz. Enfim, o Level Design (design de nível) do jogo às vezes não é claro o suficiente, o que pode te levar para prêmios e coisas boas, como segredos e chefes escondidos, mas às vezes te cospe para uma parede invisível. Mas esse problema de integração de nível é uma vírgula perto do que Black Myth: Wukong tem a oferecer.

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Misoginia gratuita 

Reprodução/Times India - Vários veicúlos noticiaram a misoginia que a Game Science pregou antes do lançamento do jogo.

Apesar de até agora no decorrer deste texto, eu ter tecido elogios para uma obra, que realmente merece tais elogios, chegou a hora de falar da atitude não “tão legal” da Game Science, estúdio por trás de Black Myth: Wukong.

A internet ressuscitou comentários da empresa na rede social Weibo, que já foi apontado que o próprio CEO da Game Science Féng Ji quem cuida das postagens. Em uma das publicações, Ji é abertamente contra o envolvimento do público feminino com seu jogo “Não precisamos ser direcionados às jogadoras mulheres, não nos preocupamos com aqueles vermes cobiçosos que vieram unicamente para feminizar. Algumas coisas foram feitas apenas para homens. Eles são oprimidos, estão nervosos e sofrendo”.

Além de comentários como este, durante a época de contratação o CEO postou no Weibo a frase: “Quero expandir nossa equipe e contratar mais pessoas. Quero ser tão lambido até não ser mais capaz de ter uma ereção”. 

É uma vergonha que uma empresa que foi tão abraçada pela internet justamente pelo seu potencial monstruoso, tenha comentários de tão baixo caráter. Em países como o nosso, onde mulheres atualmente compõem a maioria da base de jogadores do que os homens, demonstra tamanha ignorância nesse tipo de comentário. E talvez por declarações assim, afastemos mais gente de conhecer obras legais e engajar em comunidades de jogos, principalmente quando uma empresa em tamanho destaque, reproduz a mesma fala que qualquer doidinho no Discord, que fica gritando sozinho de madrugada no quarto. 

Eu não podia deixar passar batido, já que eles nunca vieram abertamente se desculpar ou rechaçar esse tipo de comentário e ficou simplesmente por isso. Mas acredito que depois que o mundo noticiou esses casos de misoginia, pelo menos uma assessoria de comunicação a Game Science vai arrumar agora.

Considerações finais 

 

Reprodução/Game Science - A história do Rei Macaco é um forte candidato ao prêmio de melhor jogo de 2024.

Apesar dos pesares, Black Myth: Wukong entregou o que prometeu em seus trailers, uma aventura épica ambientada e tematizada por um dos pilares da literatura chinesa. A verdade é que muito dessa cultura oriental, rica em história, mitos e personagens ainda é alienígena para nós ocidentais, assim como a igualdade de gênero é para eles também, mas Black Myth: Wukong consegue criar um contato natural e pode facilmente instigar sua curiosidade por pesquisar elementos de “Jornada ao Oeste”. Até o presente momento, Black Myth: Wukong vendeu 18 milhões de cópias e aguarda uma expansão do modo história, e tem tudo para ser classificado como o melhor jogo de 2024. É nítido o esmero e o carinho gasto em Wukong e é bom isso vir de uma empresa independente, porque talvez ligue chaves nas grandonas do mercado para não se manter confortável demais.

Black Myth: Wukong está disponível para Playstation 5 e PC.

 

 

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