Cinema

Ponte França-Brasil avança na tela em festival que traz cinema e bolero

Ator Raphaël Personnaz fala ao Correio sobre sexo, masculinidade e Maurice Ravel

Até dia 20 de novembro, em 135 sessões Brasília recebe o Festival Varilux de Cinema Francês, em três pontos estratégicos de cinema: o Cine Cultura Liberty Mall, o Cinesystem Casa Park e ainda no Cinemark do Pier 21. Com sessões amanhã (9/11), às 16h20 (no Cinesystem) e às 15h35, no Cinemark Pier 21, o longa Bolero, a melodia eterna, da veterana cineasta Anne Fontaine, dá a dimensão cultural do festival. Na França, mais de 414 mil pessoas se interessaram pelo drama estrelado por Raphaël Personnaz que dá vida ao compositor Maurice Ravel.

Criador do bolero que leva seu nome, ele conviveu com mulheres influentes e inspiradoras como a dançarina Ida Rubistein e ainda a musa Misia Sert, num cenário que, a partir dos anos de 1930, o inspiraram para uma composição até hoje, no cinema, muito difundida pelo clássico de Claude Lelouch Retratos da vida (1981).

Entre as atrações de hoje (8/11): Ouro verde, às 14h, no Cinesystem CasaPark, traz a atriz Alexandra Lamy no filme de Édouard Bergeon que teve público de 316 mil pessoas na França. Na fita, para salvar o filho condenado à prisão na Indonésia, uma mãe enfrenta poderosa indústria extrativista. No Cinemark Pier 21, às 16h, é a vez do filme de Agathe Riedinger Diamante bruto, selecionado para o Festival de Cannes. Na trama, uma moça galga a glória, com a chance de estar no reality Miracle island. Hoje, no Cine Cultura Liberty Mall, às 18h20, uma coprodução Brasil/ França chamada Madame Durocher traz a históoria da primeira parteira a frequentar a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Sandra Corveloni e Marie Josée Croze estão no elenco.

Entrevista // Raphaël Personnaz, ator

Há fragilidade do protagonista, frente às mulheres, afunila sua aguçada sensibilidade?

Não sei se eu posso dizer que o Ravel é frágil diante das mulheres. Ele apenas tem uma grande certidão na vida: a música, o seu amor pela música, e talvez isso impeça o amor físico. Na sua infância, ele é muito cercado de mulheres, admirad?o por mulheres que o maternam, ele vê as mulheres como mães. Ele é gentil, engraçado e atento aos outros. É engraçado: existem algumas teorias dizendo que o Ravel talvez fosse homossexual ou não. Mas eu acredito mais numa personagem assexuada e que coloca tudo na música. Curiosamente um grande músico chamado Alexandre Taro diz que o Ravel é um dos compositores mais sensuais e mais sexuais que já existiu, por meio da sua música.

Houve um indício de quase plágio na criação do bolero? Qual a camada de criação de Ravel?

Sobre esse assunto ele não faz parte do filme. Foi um rumor que aconteceu quando alguns disseram que ele teria sido acompanhado por outro compositor que morreu depois dele. Então, por isso, os direitos teriam demorado um pouquinho a mais para se tornarem públicos. Mas foi julgado e reconhecido que criou sozinho a música. O que é verdade foi a inspiração dele em sons e na vida dele fosse na fábrica ou em música que ouvia Valência.

Quando particularmente ouve o bolero, a que te remete? Decidiu reforçar este sentimento no filme?

Realmente quando eu penso no bolero me vem uma imagem de criança, quando eu vi o filme Retratos da vida (1981), de Claude Lelouch, e a famosa cena do Jorge Donn dançando o bolero de Ravel dirigido por Maurice Béjart (icônico bailarino morto em 2007) diante da torre Eiffel. É uma cena muito grandiosa com traving circulares e extremamente sensual. Essa música é vista e sentida muitas vezes como puramente sexual e curiosamente também, às vezes, é interpretado como imitação da morte. É a terceira música mais escutado para se fazer amor, talvez devido a duração de 17 minutos. É uma música que mostra a sensação de estar vivo e também consciente da morte. O Ravel o que não expressa na vida, ele expressa na sua arte. Por ser um personagem discreto, é curioso que esteja numa arte exuberante. Ele poderia ser muito bem um simples contador e, nisso, me lembra o Fernando Pessoa que também era um pequeno funcionário, mas que através da arte consegue realmente sublimar grande sentimentos e isso é uma boa lição para mim. O mundo não conhecia conhecia o Ravel, conhecia o bolero, e por isso ele me interessou tanto.

Para o mundo de hoje, Ravel seria pouco masculino?

Eu acho que seria muito simplista de certa forma reduzir o personagem a uma rótulo. Ele pode ser visto como dândi, um esteta que, na época, existia e muito. Mas não se pode resumir ele a nossas categorias atuais. Seria esquecer que havia toda uma série de contextos do período. Na minha opinião, eu nem pensei nisso ao criar o personagem. O meu interesse era mergulhar em um mundo que talvez possa chocar algumas certezas e preconceitos: naquele mundo havia outras maneiras e formas de viver. 

 

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