Crítica

Bicharada fala, e solta a voz, em Arca de Noé, novo clássico do cinema

Baseado em obra imortal de Vinicius de Moraes, Arca de Noé chega embalado pelo talento de animadores nacionais, com supervisão artística de Walter Salles

Crítica // Arca de Noé ★★★★

Um leão ouve de perigosas serpentes que haverá "um cruzeiro 0800 (leia-se, de graça)": esta é uma das premissas para o longa-metragem Arca de Noé, embalado por intensa animação comandada por Alois di Leo (afeito ao mundo das animações) e Sérgio Machado (consagrado por filmes como Cidade Baixa e a série Cidade de Deus).

Em homenagem à filha do poeta Vinicius de Moraes (cuja obra dá base à parte da fita), há a inclusão da personagem Suzaninha, capaz de contestar os planos de Deus (na voz de Seu Jorge). Visto como "um estagiário", Noé, o avô de Suzana, recebe a missão de, num mundo "começado do zero", arregimentar um casal de cada espécime de bichos rumo à jornada marítima, que desaguará em inesperada disputa musical.

A coprodução entre Brasil e Índia se vale do apuro da supervisão de Walter Salles. Pesa ainda a simpatia infinita da dupla de ratos (à imagem da parceria entre Vinicius de Moraes e Tom Jobim). Para ter acesso à embarcação — eles que cantam e pintam o sete — improvisam um casal que, em nada, convence. Tom tem o pé no chão, enquanto Vini congrega ideais de um sonhador. Galanteios, cantorias e muita informalidade com jogos de palavras estarão em curso.

Com reações desproporcionais entre os animais, uma crise relacionada à comida e domínio territorial se desenha. Com ares de forçada liderança o leão Baruk III tenta imprimir autoridade, enquanto os animais chegarão à prática do "ninguém solta a pata de ninguém". Nisso, há desfile de novas roupagens para O pato, A casa, Valsa para uma menininha, A galinha-d'angola, O relógio, A corujinha, A cachorrinha e O leão.

Na leve revolução dos bichos proposta pelo filme, que ainda acolhe o sucesso Os bichinhos e o homem na trilha, quem se sobressai é Chico César, protagonista do momento dedicado ao mais sabichão dos animais, o bode Severino. Junto à defesa da "lei do mais forte" e da "questão de ordem", há bichos omissos ou revolucionários (caso da ratinha Nina). Pelas frestas, a hilária e descarada barata Alfonso (Gregório Duvivier) dá charme especial à fita.

 

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