Pela primeira vez na história do país, hoje, 20 de novembro, é comemorado como feriado nacional. A data era celebrada em cerca de 1,2 mil cidades e seis estados, porém, foi só em 21 de dezembro de 2023 que a data entrou para o calendário nacional, com a assinatura da Lei 14.759, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para celebrar o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.
É um marco importante na luta contra o racismo, pois representa um agente de reflexão sobre a desigualdade racial do Brasil. A celebração nacional também coloca em evidência a importância e a influência de artistas negros e o papel da música preta como agente de transformação e de reflexão sobre a desigualdade e violência contra a população negra no país.
Nascida na época da escravatura, a música preta brasileira carrega elementos e instrumentos musicais usados pelo povo africano. A mistura de ritmos se transformou em uma música rica, tão mestiça quanto o povo. O samba, a capoeira e o batuque são as principais manifestações da cultura afro-brasileira, originários da época, além de terem se tornado símbolos nacionais. "Muito da nossa parte rítmica, percussiva e harmônica veio da negritude. Então, o samba, o maracatu e os ritmos nordestinos têm o elemento negro muito forte. Isso está na génese da nossa música", afirma Rodrigo Faour, pesquisador e autor do livro História da Música Popular Brasileira: sem preconceitos (volumes I e II).
Ariel Fagundes, pesquisador e mestrando em cultura brasileira na Universidade de São Paulo (USP), defende que comunicar discussões e fatos históricos da população negra por meio da arte é fundamental: "A música tem a função social de documentar a história do presente e elaborar a história do passado, de uma forma acessível, de uma maneira direta". O Diversão & Arte fez um recorte da música preta destacando nomes do passado, do presente e do futuro, que carregam o DNA africano em suas vozes.
Passado
Cartola — cujo verdadeiro nome é Angenor de Oliveira — fundou, com amigos e sambistas, a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. Fez sucesso com o samba Pudesse meu ideal, que ajudou a Mangueira a se tornar campeã do carnaval em 1932. Mas foi só em 1974 que Cartola gravou o seu primeiro LP, apresentando suas composições na própria voz. Aclamado pela crítica, o disco foi premiado e levou o sambista a shows em diversos estados do Brasil.
Alfredo da Rocha Vianna Filho — popularmente conhecido como Pixinguinha, foi flautista, saxofonista e compositor. Fez parte do grupo Os Oito Batutas e foi maestro da Orquestra da Companhia Negra de Revistas. Possui dois discos de ouro, um jubileu de prata da Rádio Roquete Pinto, entre muitos outros prêmios. O LP Gente da antiga, lançado em 1968, foi um marco na carreira de Pixinguinha e na música brasileira, gravado com Clementina de Jesus e João da Baiana.
Elza Soares — pioneira da música preta, sempre foi apaixonada por cantar e iniciou a carreira no programa de Ary Barroso, na Rádio Tupi, em 1953. Conhecida pelo vozeirão marcante e músicas que abordam racismo, feminismo, violência contra mulher e outras temáticas importantes, foi consagrada pela BBC de Londres como a "melhor cantora do milênio", em 1999. Com quatro indicações e um prêmio no Latin Grammy, Elza teve uma carreira renomada composta por 35 álbuns, navegando por diferentes gêneros.
Tim Maia — cantor, compositor, instrumentista e produtor musical, ele começou na música ainda adolescente, e mesmo tendo falecido em 1998, tem músicas que perpetuam e fazem sucesso entre as novas gerações. Após uma viagem aos Estados Unidos, se familiarizou com os gêneros soul, funk e R&B e os introduziu nas próprias músicas, criando um novo estilo na MPB. Em 2012, foi coroado como o maior cantor brasileiro de todos os tempos pela revista Rolling Stone Brasil.
Itamar Assumpção — cantor, compositor, arranjador e instrumentista, teve uma carreira composta por 12 discos. Com shows performáticos, as composições misturavam diversos gêneros, desde o samba até o rock, com letras críticas ao racismo. Em 1998, lançou o álbum Pretobrás, o primeiro de uma trilogia, mas os volumes II e III foram lançados posteriormente à morte do
artista, em 2010.
Luiz Melodia — iniciou a carreira na década de 1960, teve composições interpretadas por Gal Costa, com Pérola Negra; e por Maria Bethânia com Estácio, Holly Estácio. Melodia fez muito sucesso após o lançamento do segundo disco, "Maravilhas contemporâneas", em 1976. Com o total de 16 álbuns gravados, Luiz Melodia não fez parte de nenhum movimento ou se prendeu a um gênero musical específico, mas ainda assim se consagrou como um nome muito importante para a música brasileira.
Saiba Mais
Presente
Fundamentados por nomes que abriram as portas para uma cena musical mais diversa, o presente é constituído por artistas que dão continuidade a uma trajetória iniciada a décadas atrás, implementando uma nova percepção sobre a música e a sociedade. "Hoje a gente vê uma geração nova que tá alargando e expandindo os limites e mostrando que o pagode também é MPB, o rap é MPB, e como essas coisas se conectam de forma coerente", afirma o pesquisador Ariel Fagundes.
Sucesso nas plataformas digitais, redes sociais, e em shows, Liniker prova a capacidade de intercalar entre diferentes gêneros, ritmos e sonoridades. O álbum mais recente da artista, Caju, teve grande repercussão nacional, atingindo 6 milhões de audições somente nas primeiras 24 horas do lançamento. O disco é uma verdadeira experiência musical, transitando do pop ao pagode, um trabalho refinado e autêntico.
Em 2015, Liniker e os Caramelows balançaram o Brasil com o vídeo da música Zero, atingindo mais de 45 milhões de visualizações no YouTube. A música foi o passo inicial para a construção de uma trajetória de sucesso da cantora, que hoje atua em carreira solo. Para ela, o álbum Caju representa a própria versatilidade e a potência artística. "Caju é castanha, é óleo, é fruta, é carne. Tem uma coisa de um Brasil nessa metáfora de uma fruta para uma artista que tem feito uma história no Brasil", conta em entrevista ao Correio.
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Também transitando em diferentes ritmos, mas com os pés firmes no rap, com rimas afiadas que escancaram a realidade da desigualdade racial brasileira, Emicida se configura como um dos maiores nomes do hip-hop nacional. O artista reuniu plateias numerosas pelo Brasil ao longo de dois anos, com a turnê do álbum AmarElo, vencedor da categoria Álbum de Rock ou de Música Alternativa em Língua Portuguesa do Grammy Latino de 2020.
Gilberto Gil — Na música Ilê Ayê, o baiano canta: "Branco, se você soubesse o valor que o preto tem. Tu tomava um banho de piche, branco e, ficava preto também." O artista ironiza e critica a invisibilização sofrida por pessoas negras. Ao longo de 60 anos de uma das carreiras consagradas da MPB, Gil lutou contra o todo o preconceito direcionado à população negra.
Milton Nascimento — Com 34 álbuns de estúdio, 62 anos de carreira, e dono de uma das vozes mais marcantes do Brasil, Milton Nascimento, o Bituca, se destaca como uma das principais vozes negras da música popular brasileira. Com 82 anos, se aposentou da vida nos palcos, entretanto, a produção musical continua. O álbum Milton Esperanza, obra em parceria com a cantora, compositora e contrabaixista norte-americana de jazz Esperanza Spalding, lançado em agosto deste ano, foi indicado ao Grammy Awards 2025, na categoria melhor álbum de jazz com vocal.
Futuro
"Não tem como frear o avanço histórico de que hoje existe um público cada vez mais interessado em ouvir as vozes que não eram ouvidas antigamente", afirma Ariel Fagundes. O legado de tantos artistas precursores de uma cena musical mais diversa e inclusiva, marcada pela presença de pessoas negras, é inestimável. Com o desapontamento de outros nomes, a reconstrução da história é contínua e diária, e o futuro é promissor.
Nesse contexto, destaca-se para um futuro protagonizado pelo rap feminino. "São artistas que estão conseguindo trazer as suas questões, olhares e vivências para um cenário de música, dialogando com o público amplo", afirma Ariel. Brendha Rangel, conhecida como Budah, lançou recentemente o primeiro álbum da carreira Púrpura, de grande repercussão. A artista capixaba começou a ganhar destaque na cena do rap e trap nacional com o lançamento de singles e participações em músicas de grandes nomes do movimento.
Como uma mulher preta, dentro da cena do hip-hop, um movimento majoritariamente masculino, a luta além de racial, é de gênero. "É muito difícil, não tem outra palavra para definir porque rola muito desrespeito. Você vê cada vez mais meninas se afastando", confessa. "Mas eu não acho que a minha hora de parar, eu realmente estou aqui e sei do meu lugar".
Nascida em Feira de Santana (BA), a rapper Duquesa começou a carreira musical em 2015, quando participou de "Só guardei pra mim", música do grupo baiano Sincronia Primordial. Hoje, aos 24 anos, reúne dois álbuns que relatam experiências e sentimentos femininos. MC Luanna também baiana, de Ubatuba, tem como temática principal a exaltação e empoderamentos femininos. Desde 2020, ano da primeira música, lançou um álbum e dois EPs.
No universo da nova MPB, um nome merece destaque: Jota.pê. Nascido em Osasco (SP), lançou o primeiro álbum em 2015. Dois anos depois participou do The Voice Brasil, no time do Lulu Santos. Lançado em 2024, o álbum Se Meu Peito Fosse Mundo foi indicado a três categorias do Grammy Latino: Melhor Canção em Língua Portuguesa, Melhor Álbum de Música Popular Brasileira/Música Afro Portuguesa Brasileira e Melhor Álbum de Engenharia de Gravação. Jota.pê levou os três prêmios para casa.
No universo do pop e do R&B nacional, a cantora baiana Melly surpreende o público pela maturidade vocal, composições e personalidade exclusivas. Aos 23 anos, vem lançando singles desde 2018. O primeiro e único álbum da artista, Amaríssima, nas plataformas musicais desde maio, foi indicado ao Grammy Latino de 2024, na categoria "Melhor Álbum de Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa".
*Estagiárias sob a supervisão de José Carlos Vieira