Das margens do Rio Urucuia, no interior mineiro, para Brasília, Dayane Reis trouxe na bagagem a paixão pela viola caipira, aprendida nas festas de Folia de Reis, e passou a trilhar um caminho dedicado à arte. A cantora e violeira lança nesta quinta-feira (14/11), em todas as plataformas digitais, o terceiro álbum da carreira, Ela só toca modão, no qual celebra a participação feminina no universo sertanejo, em 10 faixas autorais de grande inspiração em que enaltece o amor, a família e a vida no campo. "É a realização de um sonho, que revela minha identidade e o que sempre quis mostrar ao público. Em relação aos anteriores, é um álbum bem mais completo, cada música fala um pouquinho de mim", explica Dayane Reis.
Composta como uma resposta a uma provocação às escolhas artísticas da cantora, a faixa Moda boa faz uma defesa das tradições caipiras, critica a relação da sociedade com o dinheiro e foi selecionada como música de trabalho da produção. "Moda raiz, se 'ocê não gosta, deixa a gente ser feliz", diz trecho da canção. "É um desabafo, pois desde que disse que tocaria viola caipira, sempre ouvi que 'música antiga não traz sucesso', 'viola é coisa do passado', 'música raiz está fora de moda'. Então, fui juntando essas provocações e, na ocasião de um comentário em específico, de um colega de trabalho, que disse que eu teria de atualizar meu repertório ou estaria fora do mercado, nasceu Moda boa. Tem agradado bastante. Nos últimos meses, participei de um festival de música caipira em Anápolis (GO) e fiquei em segundo lugar com essa composição", diz a orgulhosa violeira. "Sendo uma mulher negra, violeira e trazendo a música raiz como meu repertório principal, tenho de enfrentar algumas dificuldades e dissabores, mas as alegrias estão sempre sobressaindo", completa.
A faixa Pagodão feminino evidencia o ativismo da cantora sobre questões de gênero e denuncia o preconceito enfrentado por uma mulher violeira. "O espaço feminino está crescendo cada vez mais e, no meio sertanejo, nós não vai ficar pra trás. O som da minha viola tem um charme feminino, se não me aceitou ainda, eu vou conquistar você", cita trecho da canção. "Desde quando me apaixonei pela viola e resolvi que era esse o instrumento que eu iria tocar, ouvi de muitas pessoas que eu não podia, porque era um instrumento tocado por homens. Muitas pessoas, até próximas, desanimavam-me dizendo que isso estava errado e não entrava na minha cabeça que, por eu ser mulher, não poderia tocar o instrumento. Digo sempre que a gente não escolhe a viola, pois é ela quem nos escolhe e eu me sinto orgulhosa e agradecida por ter sido escolhida pela viola caipira", comenta Dayane Reis.
Três faixas do novo álbum tratam de relações familiares: Casa do vô, O mais perfeito cantar (em homenagem à filha, Esther) e Meu berço adorado (sobre o convívio com os pais na fazenda em Urucuia-MG). "Sempre quis fazer uma música para minha filha, desde quando eu estava grávida, mas sou muito exigente. Mais de sete anos depois do nascimento de Esther, consegui expressar o amor que sinto por ela e a música ficou como eu queria: emocionante e forte. Maestro Grillo, do Estúdio Grillo Rocha, produziu do jeito que eu queria, pois ele sabia que é uma música muito especial para mim, minha filha e meu esposo, que também é um dos maiores incentivadores da minha carreira. Ficou apaixonante como é o amor de uma filha e de uma mãe", explica a cantora.
A canção Aquela que fala de amor também tem um lugar especial neste novo trabalho. "Aquela que fala de amor, que passa um cadim da minha dor. Pensei que eu não iria arrepender. Toca violeira aquela que me faz sofrer. Aquela que fala de amor, que passa um cadim da minha dor. Bebi, chorei. O que é que vou fazer, se eu canto e bebo choro por você?", diz trecho da faixa. "O amor é sempre inspirador. A história foi contada por uma amiga, resolvi transformá-la em música e tem agradado bastante, pois traz um toque de viola, com uma mistura de uma pegada mais atual, porém com um tema sempre em alta: o amor e a paixão", comenta Dayane Reis.
Crítica social e ousadia criativa
Na faixa O mundo 'tá bagunçado, a cantora e violeira apresenta uma dura crítica ao contexto sociopolítico presente. "Inverteram os valores, o que vale é ser esperto. É cobra engolindo cobra para mostrar poder. Ô mundo velho, sem direção, a vaca já foi brejo, sem rumo, sem freio de mão", expõe alguns versos da composição. "Fiz essa música há quase 10 anos e ela continua atual. O refrão faz referência também a uma composição do mestre Tião Carreiro. Acredito que algumas coisas estão em processo de mudança, mas de uma forma muito lenta. Como diria uma frase da santa Madre Teresa de Calcutá, 'Se você quer mudar o mundo, vá para casa e ame sua família'. Nessa frase se resume tudo o que podemos fazer para existir realmente uma mudança no mundo, pois, se eu amo minha família, sou honesta e vou ensinar isso a meus filhos. Se amo minha família, cumpro com minhas obrigações, cuido do meio ambiente e respeito o próximo. Então, acredito que tudo se resume nessa única frase", filosofa a artista sertaneja.
A composição Só com você tem uma proposta ousada, com mistura de ritmos e estilos, destacando guitarra e bateria eletrônica. "Quando sinto seu abraço em meu abraço, vai embora o meu cansaço. Meu amor, só com você eu quero estar. Da história que eu tive, é a mais bela", cita parte do texto da canção. "É uma música romântica, uma segunda versão. Confesso que fiquei meio receosa em gravá-la por não ter uma pegada tão raiz como as outras, mas acredito que irá agradar. Maestro Grillo falou logo que seria diferente, numa pegada mais moderna e que eu não iria me arrepender. Confiei nele e o resultado está aí, uma música linda e muito bem trabalhada, com uma mistura de ritmos, sem deixar a viola de lado", comenta a cantora.
Para gravar o álbum, Dayane Reis contou com um time de músicos experientes, capitaneados pelo produtor musical Grillo Rocha, responsável pelos arranjos, além de tocar acordeon e teclados. Dayane fez todas as vozes e violas, inclusive os solos. Os violões ficaram por conta de Rodrigo Rocha. Fábio Pessoa e Joás Sousa fizeram o contrabaixo. Iago Santos comandou a bateria, enquanto Morango, a percussão. Após o lançamento do novo trabalho, o plano é divulgar a produção ao vivo para o público. "Pretendemos fazer o lançamento em formato de show, que terá todas essas músicas e mais algumas, mas ainda estamos definindo data e local, porque gostaria de receber a todos de uma forma muito prazerosa e confortável. Não irá demorar muito. Em breve, faremos o show", projeta Dayane Reis.
O álbum 'Ela só toca modão' foi patrocinado pelo Fundo de Apoio à Cultura (FAC/DF), lançado nas principais plataformas de streaming pelo selo Viólêta Produções — representado pela violeira e produtora Karen Parreira — em parceria com o estúdio Grillo Rocha Produções — coordenado pelo instrumentista e produtor musical Grillo Rocha — responsável por gravar e produzir trabalhos de artistas importantes do cenário sertanejo do DF, como Zé Mulato e Cassiano; Vanderley e Valtecy; Chico Rey e Paraná; Pedro Paulo e Mateus; Roniel e Rafael, dentre outros.
4 perguntas para Dayane Reis
Quais são os principais desafios e seus objetivos em trabalhar com música?
Trabalhar com música é maravilhoso e ao mesmo tempo desafiador, porque você tem de estar com a criatividade sempre em dia. Mas, quando se ama o que faz, até o desafiador e o difícil se tornam prazerosos. Amo o que faço e digo que nasci para cantar e tocar viola caipira. A música caipira é o que faz minha alma arrepiar. Meu objetivo na música sempre foi tocar o coração e a alma das pessoas e peço a Deus, nas minhas orações antes de cada show e ao compor cada música, que Ele me permita ser instrumento e levar alegria, leveza e significado ao coração das pessoas. Isso tem tido um resultado muito bom.
Conte um pouco sobre sua metodologia para se aperfeiçoar na viola caipira.
Iniciei na viola aos 14 anos de idade , quando conheci o instrumento nas Folias de Reis no interior de Minas Gerais, na cidade de Urucuia. Meu pai fez uma folia e o folião de guia tocava a viola. Eu me lembro exatamente do momento em que ouvi os primeiros acordes e fiquei encantada. A Folia de Reis, que até hoje participo em Minas, foi e é uma das maiores escolas de música em que passei. Foi lá que iniciei meus primeiros acordes e solos. Os foliões são ótimos professores e agradeço a eles até hoje por todo incentivo e paciência. Eles nunca tiveram preconceito comigo por eu ser uma mulher adolescente e que queria aprender a tocar viola e a cantar nas folias. Hoje sou uma das poucas foliãs da região de Urucuia. Depois de terminada a primeira folia de que fiz parte, vim para Brasília, pois morava aqui e saí determinada a fazer aula de viola caipira. Foi quando minha mãe, depois de muita luta, como na época não tínhamos tanto acesso a internet, conseguiu com Volmi Batista, do Clube do Violeiro Caipira, contatos de professores em Brasília. Conhecemos Tião Violeiro, um grande instrumentista de Brasília, que me deu aulas com muita paciência e animação, pois também é um apaixonado pela viola. Tião faz parte da minha história na viola e tenho muito respeito e admiração tanto por ele como por dona Anita, sua esposa, com a qual ele tinha uma dupla. Dona Anita faleceu pouco tempo atrás, mas ambos sempre tiveram muito respeito e carinho por mim e pela minha família. Ele e meus pais se tornaram amigos. Hoje, como temos um acesso bem fácil a internet, procuro melhorar e aperfeiçoar a técnica vendo vídeos de grandes violeiros e de grandes professores na arte da viola caipira.
Como surgiu o interesse por cantar e como você trabalha o desenvolvimento da voz?
Sempre digo que uma das minhas maiores escolas, principalmente para o canto, foram as Folias de Reis, pois foi onde aprendi a divisão de vozes, alturas de tom, impostação e vários fatores que os foliões, tendo um dom nato, acabaram me ensinando. Depois de um tempo, comecei a tocar na igreja e em alguns corais, que também me ajudaram bastante. Fiz um ano mais ou menos de aula de canto, mas, na correria do dia a dia, não tive tempo ainda de voltar — é mais um tópico da minha lista de desejos futuros. Amo cantar. Atualmente, estou cursando faculdade de licenciatura em música, que tem me ajudado bastante também a entender a teoria de uma área que eu conhecia somente na prática.
Três faixas do novo álbum tratam de relações familiares: Casa do vô, O mais perfeito cantar e Meu berço adorado. O que a família representa em sua vida e no seu trabalho artístico?
Casa do vô é uma das músicas mais queridas por mim. Foi um presente enviado por Deus tanto para mim quanto para minha família. São histórias reais que vivi na fazenda do meu avô, com meus primos, tios, pais e irmãos, e que guardamos na memoria. O mais perfeito cantar fiz para minha filha, a minha Esther. Meu berço adorado fala do meu cantinho favorito no mundo, um pedacinho de terra à beira do Rio Urucuia, fazenda onde meus pais moram. É lá onde recarrego minha bateria e o lugar onde viu toda a minha história de nascimento como artista. Também é uma música muito especial para mim.
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Instagram: @dayanereisoficial