Há muitos anos o ator e diretor Adyr Assumpção sonha em montar Rei Lear, de William Shakespeare. Esperou porque achava ser necessário envelhecer um pouco do modo a viver de maneira adequada o papel do velho rei que enlouquece ao ser traído pelas filhas. Agora, de mãos dadas com a maturidade, o ator de 66 anos decidiu que era a hora, mas se organizou para fazer um Rei Lear à brasileira. É então com o espetáculo Leão Rosário que ele sobe ao palco do teatro do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de hoje a domingo para viver a tragédia de Shakespeare em contexto abrasileirado. A peça estará em cartaz até 8 de dezembro, sempre nos mesmos dias.
Assumpção convidou Eduardo Moreira, do Grupo Galpão, para assumir a direção da peça e trouxe para a dramaturgia a obra e um pouco da trajetória do artista Arthur Bispo do Rosário. A ideia inicial era fazer um musical e levar ao palco inquietações que pairavam na cabeça do ator e nas conversas ao redor nos últimos anos. "Eu queria fazer um musical negro, achava que era importante a gente contribuir com essa discussão sobre a presença mais definitiva do povo preto na arte e na cultura brasileiras. Nesses últimos anos, era uma questão em pauta. E queria falar da questão da sucessão e da memória, me pareciam pertinentes para um espetáculo que envolve uma discussão maior sobre a transmissão de conhecimento", conta o ator.
Mas veio a pandemia e o projeto acabou transformado. "Reencontrei então a obra do Bispo do Rosário, uma pessoa que conheci no fim dos anos 1970", conta o ator, que chegou a conviver com o artista durante algumas visitas à colônia Juliano Moreira, onde morava Bispo, para um trabalho com o coro do Teatro Oficina, do qual Assumpção fazia parte. "Tentei trazer para a dramaturgia algumas questões, como a ancestralidade, a inclusão social, a participação do povo preto, o território. De repente, a gente tinha uma proposta que era fazer um solo. A gente foi condensando e chegamos ao Leão Rosário, que é o que chamo de um solo para atores, vozes e objetos", conta.
Referências
As vozes são um elemento importante na vida e na obra de Bispo, que dizia seguir uma ordem divina para reorganizar o mundo. "Ele tinha essa missão de reorganizar o mundo. Senti essa necessidade também, então estou reorganizando o espaço cênico, a sucessão daquilo que deixamos e daquilo que trazemos. Em cena, temos bordados, tapetes e bonecas", avisa Assumpção, que já trabalhou com Eduardo Moreira em outras ocasiões, mas nunca havia sido dirigido por ele. "Foi maravilhoso, a gente ampliou nosso diálogo. Eduardo é muito atento à precisão do gesto, à questão da fala. Ele trouxe uma visão complementar fundamental para essa obra", garante o ator.
Se Shakespeare tinha como limites para seu Rei Lear as fronteiras da Grã-Bretanha, Assumpção mudou de cartografia e levou seu Leão Rosário para a costa atlântica da África. "Onde estão os principais portos que embarcam os escravizados africanos para o Brasil, meus ancestrais e os de Bispo também", observa. "É o território de Leão Rosário, que ele pretende dividir em três." A intenção foi tornar mais conhecidos lugares como Oió e Cabinda, assim como nomes de homens e mulheres africanos que tiveram importância na história do continente, independentemente da época e que substituem os nomes dos personagens originais.
Leão Rosário
Com Adyr Assumpção. Hoje, amanhã e sábado, às 20h, e domingo, às 18h, no Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil Brasília (CCBB- SCES Trecho 02). Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia).