Romancista que bebe na autoficção para gerar narrativas a meio caminho entre a memória e a contemporaneidade, o português José Luis Peixoto também gosta de se aventurar na crônica. Nos últimos 10 anos, ele escreveu algumas, boa parte delas publicadas em veículos de Portugal e agora reunidas no livro Abraço, que Peixoto lança em Brasília hoje, às 16h, na Livraria Platô.
São, sobretudo, textos autobiográficos os reunidos no livro, todos organizados de forma cronológica para contemplar e descrever acontecimentos da infância, da adolescência e da idade adulta. “O tema importante é a família, nomeadamente o meu lugar como filho e, depois, como pai”, avisa o autor. O livro está dividido em três partes, separados pelos títulos Seis anos, Catorze anos e Trinta e seis anos. “Como fica explicado numa primeira crónica, essas eram as idades do meu filho mais jovem, do meu filho mais velho e a idade que eu tinha quando o livro foi publicado pela primeira vez, em 2011”, diz.
O título Abraço tem sentido metafórico e literal. Pode ser um abraço banal entre os filhos, na observação afetuosa do pai, ou ainda os muitos temas abarcados pelo autor. “Para além dos múltiplos episódios da vida, destaco também as muitas referências à escrita e à leitura. Este é um livro onde se fala muito de temas literários, que também têm uma presença muito forte no meu quotidiano”, explica Peixoto, que ganhou o Prêmio José Saramago em 2001, com o romance Nenhum olhar, e o Oceanos em 2026, com Galveias.
Abraço
De José Luís Peixoto. Record, 486 páginas. R$ 79,90, Lançamento hoje, às 16h, na Livraria Platô
Entrevista//José Luís Peixoto
Pode contar em que circunstâncias as crônicas de Abraço foram escritas?
Fazem parte de textos que escrevi ao longo de dez anos e que, maioritariamente, foram publicados na imprensa portuguesa. No entanto, não se trata todos os textos que escrevi nesse período. Esta é uma escolha, que passou por uma criteriosa organização e reescrita, tendo esse trabalho sido feito de acordo com os critérios que estabeleci para este livro. Uma das características mais importantes deste livro é ser composto por textos quase exclusivamente autobiográficos. Trata-se essencialmente de um livro de memórias que, no entanto, tem também alguns textos abertamente ficcionais, mais próximos do conto, nesses casos.
É sua primeira experiência em um livro de crônicas? Dizem por aqui que crônica é um gênero tipicamente brasileiro. Como você encara isso?
É certo que existem incríveis cronistas no Brasil. Essa é uma importante tradição por aqui, com obras que são referências marcantes no âmbito da nossa língua e não só. Ainda assim, esse é um género que também tem bastante tradição noutras geografias. Creio que será bom para todos se houver conhecimento mútuo.
O que há de interessante para você em escrever crônicas?
São muitos os aspetos que me interessam nesse género que, em certa medida, considero um pouco híbrido, entre a literatura e o jornalismo. Na sua natureza, trata-se de um género que desafia fronteiras. Esse caráter iconoclasta é sempre uma proposta desafiante.
Pode falar também sobre Almoço de domingo, seu romance mais recente? O que motivou o livro?
Esse é um romance que, em vários aspectos, tem muito a ver com Abraço. Por um lado, ao nível dos assuntos, toda a temática familiar está presente nos dois livros, assim como a presença da ruralidade no interior de Portugal. Por outro lado, há a importante questão ligada à relação com o real. Enquanto que em Abraço existe a dimensão autobiográfica, em Almoço de Domingo existe a dimensão biográfica e documental. “Almoço de Domingo” foi escrito a partir dos relatos que me foram feitos acerca da sua própria vida pelo protagonista do romance. Esses relatos foram trabalhados com a inclusão de múltiplos elementos ficcionais que, no entanto, tentei que nunca desfigurassem a natureza essencial das memórias que foram partilhadas comigo. Essa é uma abordagem fora do comum ao género romanesco, tentando assim expandir um pouco as fronteiras do que pode ser entendido como o romance e, ao mesmo tempo, refletindo na relação entre um acontecimento e a descrição de um acontecimento, refletindo sobre a memória e a identidade.
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