Crianças ou pais, todos os brasileiros conhecem as famosas histórias em quadrinho da Turma da Mônica, autoria do cartunista Mauricio de Sousa. O universo de Mônica, Magali, Cebolinha e Cascão possibilitou a criação da Mauricio de Sousa Produções Ltda, empresa responsável por diversas vertentes de conteúdos da Turma. A inspiração da personagem dentuça é a própria filha de Mauricio, Mônica Spada e Sousa, que fala sobre a experiência de dar vida a uma das figuras mais famosas do Brasil no livro A mulher à frente da personagem.
A autobiografia de Mônica contém um prefácio do pai e um posfácio da irmã, Magali, também inspiração para a personagem homônima, e acompanha a história da vida da autora como um símbolo cultural. O lançamento é uma resposta a todo o carinho que as Mônicas, pessoa e personagem, receberam desde a estreia dos quadrinhos. A pequena Dona da Rua e a diretora-executiva da Mauricio de Sousa Produções compartilham a mesma missão: mostrar às meninas e mulheres do Brasil que elas podem se amar como são e ocupar todos os espaços que desejarem.
Mônica conta, em entrevista ao Correio, que cresceu sem perceber a dimensão do que o trabalho do pai representava. Foi em uma reunião de pais na escola de Mônica, quando todos fizeram um alvoroço ao ver Mauricio, que a filha percebeu que ele era importante. Ainda na infância, Mônica acompanhava o cartunista em programas de televisão e chegou a aparecer até no programa de Hebe Camargo. Ao crescer, Mônica priorizou a intimidade da família e optou por uma vida reservada.
O livro autobiográfico surgiu de um convite da empresa de Mauricio, mas Mônica se sentiu relutante em aceitar: “Aprecio muito minha privacidade, não sou de ficar postando minha vida nas redes sociais como outros membros da minha família. Quando recebi o convite do livro, achei que ia ser difícil e não ia ter muita coisa para contar.” Ao aceitar a experiência, a autora viajou no tempo e retornou à infância.
Na adolescência, Mônica almejava a independência financeira, mas o pai era muito protetor. Quando a primeira loja de produtos da Turma da Mônica foi inaugurada, as irmãs Mariângela, Mônica e Magali se ofereceram para trabalhar como vendedoras e eram chamadas de assistentes pelo pai. “Só nos reconheciam quando meu pai estava por perto, porque era a mesma cara”, comenta. Cursando faculdade de desenho industrial na época, Mônica se apaixonou pela área comercial e passou a gerenciar a produção.
Em uma área composta somente por homens na época, Mônica encarou o desafio. Tal qual a personagem, a empresária se sente empolgada em provar o próprio valor. A longa caminhada na empresa do pai iniciada aos 18 anos resultou no cargo de diretora comercial aos 40.
Após a morte da mãe, em 2011, Mônica foi diagnosticada com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade). O laudo foi fator de alívio e compreensão do sentimento de anormalidade que relata ter sentido a vida toda. “Eu me achava um marciano fingindo que estava tudo bem. Era uma luta prestar atenção nas coisas e lidar com o cansaço mental. Com o diagnóstico eu me perdoei e me aceitei”, comemora. A característica do hiperfoco permite que a empresária decore contratos e faturamentos da empresa.
Mônica é fundadora do projeto social Donas da Rua, em parceria com a ONU, que busca empoderar e fortalecer a autoestima de meninas e mulheres. Nascida em uma família de matriarcas, ela percebeu a desigualdade social e o machismo e percebeu que precisava fazer a sua parte. “Quero que as meninas percebam os próprios potenciais e evidenciar grandes nomes femininos da história. A história contada pelos homens deixa de lado as mulheres importantes. Fazemos palestras e projetos sociais com as meninas para que elas se sintam incluídas”, argumenta.
Nos quadrinhos da Turma, as mães não são mais retratadas com aventais e possuem os próprios trabalhos fora de casa. Os pais aparecem fazendo comida e lavando a louça, conquista possibilitada graças a conversas abertas entre Mauricio e Mônica. “A criança vê em uma linguagem simples que isso é uma possibilidade”, ressalta.
Sobre as relacionadas à ética alimentícia dos produtos da Turma da Mônica, como o macarrão instantâneo e a salsicha, a empresária aborda a questão brevemente no livro e explica: “Investimos em mais produtos naturais, como as frutas. Tudo em excesso faz mal, até os não industrializados. Culpar a mãe que chega em casa cansada para alimentar a família e só tem dinheiro para comidas rápidas e baratas também é uma violência. Nem todo mundo tem tempo para cozinhar alimentos saudáveis. A educação alimentar deve ser normalizada.”
A percepção de autoimagem de Mônica não foi prejudicada com a influência da personagem. Por mais que a protagonista possa ser associada com adjetivos pejorativos, o que mais agrada a autora na Dona da Rua é que ela se acha muito legal. “Ela não é um sinônimo de beleza, mas ela gosta de si mesma. Ela não está nem aí, acredita que tem potencial para tudo”, destaca. A mensagem de autoconfiança e justiça que toda a produção de Mauricio transmite é gratificante para Mônica.
*Estagiária sob a supervisão de Nahima Maciel