OBITUÁRIO

Relembre a trajetória de carreira de Cid Moreira

Jornalista, apresentador e locutor, Cid Moreira morre aos 97 anos de idade com uma carreira marcante na televisão brasileira

 

O Brasil se despede de uma das vozes mais marcantes da história do jornalismo do país. Cid Moreira, jornalista, locutor e apresentador que marcou gerações, morreu, ontem, aos 97 anos, em decorrência de complicações causas por pneumonia. Com uma carreira de mais de seis décadas, Cid tornou-se um símbolo do telejornalismo da Rede Globo.


Internado no Hospital Santa Teresa, em Petrópolis (RJ), desde 4 de setembro, o jornalista não resistiu e morreu de falência múltipla dos órgãos. O libriano havia acabado de completar 97 anos em 29 de setembro. 


Cid era filho do bibliotecário Isauro Moreira e da dona de casa Elza Moreira, irmão do locutor Célio Moreira. Formou-se em contabilidade em 1944. Nascido em Taubaté (SP), iniciou a trajetória no rádio nos anos 1940, destacando-se, rapidamente, pela voz grave e imponente.

Em 1969, passou a comandar o Jornal Nacional, função que ocupou até 1996, tornando-se uma figura emblemática da TV Globo. Durante esses anos, narrou momentos históricos como a redemocratização do país, o impeachment de presidentes e acontecimentos globais de grande impacto.


A carreira jornalística foi iniciada na Rádio Difusora de Taubaté, cujo o dono era o pai de um amigo, até Cid se mudar para São Paulo, onde trabalhou na Rádio Bandeirantes e na Propago Publicidade. Em 1951, Cid se mudou novamente de cidade, desta vez para o Rio de Janeiro, quando foi contratado pela Rádio Mayrink Veiga. A época foi marcada pelo início da carreira do jornalista na televisão, na qual apresentou comerciais ao vivo em programas como Além da Imaginação e Noite de Gala, na TV Rio.

 

Em 1963, Cid estreou como locutor de noticiários no Jornal de Vanguardas, da TV Rio. Nos anos seguintes, o jornalista continuou a apresentar o programa nas emissoras Tupi, Globo, Excelsior e Continental. Em 1969, ao substituir Luís Jatobá no Jornal da Globo,  Cid  foi escalado como o primeiro apresentador do recém-lançado Jornal Nacional, o 1º telejornal transmitido em rede no Brasil. A estreia ocorreu em setembro de 1969, e Cid dividiu a bancada com Hilton Gomes.

O ‘boa noite’ diário de Cid marcou gerações de telespectadores brasileiros. Em entrevista do arquivo do Memória Globo, Cid reflete sobre o compromisso com o trabalho: “Gosto mais das notícias de grande impacto, de emoção, porque eu tenho sensibilidade para passar isso, e consegui passar durante todos esses anos. Quando o Drummond morreu, fizemos um ‘boa noite’ diferente. No final do jornal, sussurrei: ‘E agora, José?’ Ninguém esperava isso. Fizeram uma fila para me cumprimentar, e até hoje me sinto honrado.”

Segundo o Memória Globo, Cid estreou no Jornal com grande nervosismo, que ele próprio custou a entender: “Eu chegava no horário de fazer o jornal, não participava da redação. Eu só ia para apresentar o jornal. Naquele dia, cheguei e vi aquele nervosismo, todo mundo preocupado. E, para mim, era normal. Mas no dia seguinte, vi na capa do jornal O Globo: Jornal Nacional… Aí comecei a perceber a dimensão”, revela. “Eu ainda tinha na minha cabeça a ideia de rádio, que estava em todos os lares, em todas as casas, pela facilidade. A televisão não tinha essa facilidade”.

Paulo José Araújo da Cunha, jornalista e professor na Universidade de Brasília, destaca que Cid Moreira transformou não só o jornalismo televisivo, mas o jornalismo por inteiro. “ Antes, o telejornalismo era puramente sensacionalista, não havia credibilidade. Houve um salto de qualidade na época em que Cid estava apresentando”, comenta o professor. 

Além disso, Paulo José comenta que os jornalistas buscavam o que Cid já possuía naturalmente. “Ele era muito eloquente e tinha a voz muito marcante. Ele lia as matérias em um papel, não utilizava o teleprompter. Cid se tornou uma figura de credibilidade e muitas pessoas só acreditavam na informação quando ouviam pela sua voz”, destaca. 

Em 1991, Cid Moreira deu uma entrevista para a Playboy onde conversou sobre dinheiro, notícias falsas, viagens e relação com os fãs de forma descontraída. Ao ser perguntado do segredo de estar 22 anos em frente as câmeras, Cid responde: " Há profissionais que criam um estilo, são reconhecidos por aquela maneira de falar e mesmo depois de cinquenta anos, o cara não muda. Eu sou contra isso. Acho que é como na vida, como naquela teoria de que nada se perde, tudo se transforma. Um fator meu de permanência é que eu tenho a capacidade de me adequar. A minha narração, se você prestar atenção, para cada assunto eu faço diferente". 

Após 26 anos como apresentador do Jornal Nacional e 8 mil ‘boa noites’, uma reformulação da bancada foi realizada em 1996, e William Bonner e Lillian Witte Fibe passaram a comandar o programa. Cid permaneceu na Rede Globo e revezou com outros apresentadores na estreia do Fantástico. Em 1999, narrou o quadro do ilusionista Mr. M, um dos grandes sucessos do programa no ano. A voz do locutor ficou de tal forma associada ao quadro que, quando Mr. M esteve no Brasil, no ano seguinte, o próprio Cid Moreira o entrevistou com exclusividade para o Fantástico


Em março de 2010, foi lançado o livro Boa Noite – Cid Moreira, a Grande Voz da Comunicação do Brasil, pela editora Prumo. A biografia foi escrita pela mulher do locutor, Fátima Sampaio Moreira, e reúne depoimentos de jornalistas, amigos e parentes de Cid. Nesse mesmo ano, durante a Copa do Mundo da África do Sul, Cid gravou uma vinheta a ser exibida durante as reportagens do Fantástico e de programas esportivos da Rede Globo. A vinheta “Jabulaaani!“, nome da bola da Copa, foi um sucesso.

Nas redes sociais, a apresentadora Renata Vasconcelos ressaltou que Cid Moreira tinha uma qualidade rara: a de conciliar características opostas. Era imbuído da formalidade, do peso, da sobriedade e da seriedade que o Jornal Nacional exige. Mas, ao mesmo tempo, transmitia um olhar carinhoso, um sorriso quase maroto, de garoto, com alma leve: "E ele conseguia passar isso, ao mesmo tempo. Isso fazia com que os brasileiros se identificassem e se sentissem seguros na imagem de uma pessoa íntegra e ao mesmo tempo humana".

Além do jornalismo, o apresentador dedicou-se à divulgação da Bíblia. Gravou textos sagrados em áudio que alcançaram milhões de brasileiros, disponíveis no Youtube. Esse projeto reforçou a imagem de um homem de princípios e profunda espiritualidade. Em 2011, cumpriu o objetivo de gravar a Bíblia na íntegra. Os CDs bíblicos com a locução de Cid se tornaram um grande sucesso, com milhões de cópias vendidas.


Em 24 de abril de 2015, dois dias antes de a TV Globo completar 50 anos, Cid voltou à bancada do Jornal Nacional com Sérgio Chapelin para um bloco especial. Intitularam a última da reportagem da série 50 Anos de Jornalismo da Globo, apresentada para celebrar a data.


Após se aposentar das bancadas televisivas, Cid manteve-se ativo, sempre envolvido em novos projetos e presente nas redes sociais, onde compartilhou reflexões e memórias. Mesmo com a idade avançada, o jornalista conquistava públicos novos com a dedicação ao trabalho e a ética cristã. Cid Moreira deixa o legado de uma voz que sempre será lembrada pela serenidade e pela clareza com que transmitiu as notícias mais importantes do Brasil e do mundo.

 

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Depoimentos

Luiz Inácio Lula da Silva - Presidente

“Jornalista e radialista, Cid Moreira trabalhou em rádios e TVs antes de assumir a bancada do Jornal Nacional, onde trabalhou por décadas como seu principal apresentador. O rosto das notícias e do 'boa noite' para milhões de brasileiros. Meus sentimentos aos familiares, amigos, colegas e admiradores de Cid Moreira. Seu legado no jornalismo e na televisão brasileira sempre será lembrado."

William Bonner - Jornalista 

O Cid, depois que saiu do Jornal Nacional, conseguiu ser marcante de outras formas, até com certo humor. A voz do quadro do Mister M, quem não lembra? (Ele foi) A voz que imortalizou o nome de uma bola de futebol, durante a Copa do Mundo, em 2010. Esse é o profissional que chegava às casas das pessoas. O profissional que eu tive a honra e a felicidade de trabalhar, algumas vezes, era uma pessoa de extremo bom humor.

Fátima Bernardes - Jornalista 

“Quando eu comecei a assistir ao Jornal Nacional, ele estava lá. Quando eu me tornei jornalista, ele estava lá. A primeira vez em que entrei ao vivo no JN no meio de uma enchente, foi ele que chamou o meu nome: “de lá fala ao vivo a repórter Fátima Bernardes”. A voz dele naquela bancada, era uma grife, um selo de qualidade. Hoje, Cid Moreira se foi, mas não será esquecido, marcou uma época. Meu carinho sincero pra todos que o amavam”. 

Ana Maria Braga - Apresentadora 

“Cid Moreira, sua voz e talento marcaram gerações e transformaram o jornalismo brasileiro. Agradecemos por sua dedicação e por nos ensinar a importância da verdade. Sua contribuição será eternamente lembrada. Descanse em paz.”

Celso Portiolli - Apresentador 

"Hoje nos despedimos de uma das vozes mais marcantes da história da televisão brasileira. Cid Moreira, aos 97 anos, partiu, mas sua voz e legado ficarão eternizados. Muito mais do que um ícone do Jornal Nacional, ele soube se reinventar e levar sua sabedoria e carinho ao público, seja nas redes sociais ou através da gravação da Bíblia, um trabalho que tocou e inspirou milhões de pessoas."