MÚSICA

Vitor Ramil transforma poesias de Paulo Leminski em músicas

Vitor Ramil lança álbum transformando as poesias de Paulo Leminski em canções. Ao Correio, o gaúcho conta como o projeto nasceu do acaso

Vitor Ramil: a poesia de Leminski é uma mistura de alta cultura e cultura de rua   -  (crédito: Marcelo Soares/Divulgação)
Vitor Ramil: a poesia de Leminski é uma mistura de alta cultura e cultura de rua - (crédito: Marcelo Soares/Divulgação)

O cantor gaúcho Vitor Ramil está lançando Mantra Concreto, disco que traduz a poesia de Paulo Leminski para a música. O primeiro single do projeto foi Amar você, com a letra de um poema que Paulo fez para sua esposa, Alice Ruiz. Com uma produção espontânea, o álbum foi realizado na época da pandemia e a realização foi feita a distância, juntando músicos de diversos pontos do país. 

Com inspirações visuais do construtivismo russo, movimento estético e político do início do século 20, o álbum reúne 15 canções inspiradas no livro Toda Poesia, de Paulo Leminski. Em entrevista ao Correio, Vitor Ramil falou sobre o fascínio da poesia de Leminski, a viagem musical pelos versos e transformação de palavra em música. 

Entrevista: Victor Ramil

Quando começou a ideia de transformar os poemas de Leminski em música? 

Foi totalmente inesperado até para mim. Estava na pandemia, lendo 'Toda Poesia', peguei o violão e musiquei um poema que eu tinha acabado de ler. Aquelas coisas que não se explicam muito. No dia seguinte, aconteceu a mesma coisa e assim entrei num ciclo, e em poucos dias eu fiz 13 canções. Foi uma espécie de surto leminskiano. Já tinha duas canções com ele dos anos 2000,  percebi que, de repente, eu tinha 15 canções com o Paulo. Foi irresistível não gravar.

Por que você escolheu Amar você como single do projeto? 

Nós ficamos bastante tempo entre 'Amar você' e 'Teu Vulto'. Em primeiro lugar, é um poema do Paulo para Alice Ruiz, é uma coisa bem deles, de família e de casal. Eu achei que seria uma homenagem bem significativa e a música ficou muito leve, muito luminosa. O arranjo dela tem sitar, um instrumento indiano. Ele remete muito às minhas próprias coisas, então eu me vi muito presente. Uma música nitidamente minha com uma letra do Paulo. Eu senti muita familiaridade com o poema, com o resultado do arranjo. E achei que seria a melhor maneira de começar a apresentar o trabalho.

O que mais te toca na obra do Paulo Leminski? 

Realmente me toca. A minha intenção é essa mesmo. Acho que o Leminski, para mim, em termos do meu trabalho criativo, ele é um cara que combina alta cultura com cultura pop. Ele vai da alta cultura, da alta poesia, das altas reflexões, aos grandes poetas, das grandes escolas, ao grafite, à poesia de rua, uma canção popular. Nisso eu me identifico muito com ele, porque eu faço canções populares, mas também escrevo literatura, estou escrevendo um ensaio nesse momento, então eu transito em um mundo parecido com o dele. Além de tudo, ele era um compositor, isso é uma faceta dele que ele prezava muito, ele queria muito ser reconhecido também pelas canções dele. A postura crítica dele sempre me interessou muito, sempre gostei muito de ver as posições dele. E a poesia dele é, ao mesmo tempo, tensa e leve. São qualidades que parecem antagônicas, mas que nele super se realizam juntas.

O que você acha que você conseguiu explorar de novidade na sua música com esse projeto? 

Musicalmente, eu fui muito fundo. São canções com uma característica meio mística, e ao mesmo tempo, são muito claras e comunicativas. Não são canções herméticas, elas receberam um tratamento bastante experimental. Eu usei em todo disco o baixo sintetizador, então deu uma radicalidade muito forte para o disco e somou muito bem com os violões. A radicalidade que eu vejo no Paulo, na poesia dele, eu quis trazer para a música também. Eu procurei refletir, até literalmente, as coisas que ele fala. Por exemplo, tem um poema que ele vai descrevendo a chuva caindo no telhado. E aí eu usei um violão e uma kalimba, que é um instrumento africano, que são como se fossem gotas de metal, um negócio muito bonito. Então, existe também uma transcrição sonora da poesia dele. A gente foi bem feliz nesse aspecto.

Como surgiu o título Mantra Concreto para o projeto? 

'Mantra Concreto' surgiu quando eu compus a música, era um poema que, graficamente, remetia à poesia concreta. E o Paulo sofreu uma grande influência da poesia concreta, embora depois ele tenha feito fortes críticas à poesia concreta, que são muito boas, inclusive. Tinha uma coisa mântrica também no poema, no próprio texto falava em Vishnu, Deus. Eu achei que tinha uma coisa mântrica e, ao mesmo tempo, um rigor de poesia concreta. Na hora em que eu escolhi 'Mantra Concreto', a Alice Ruiz gostou também, achava que tinha tudo a ver. 

No decorrer do trabalho todo, eu pensei que 'Mantra Concreto' era um nome super abrangente porque a minha música é bastante mântrica, repetitiva, minimalista. E o concreto também está presente na minha própria produção. Essa coisa do rigor, da concisão, tudo isso são valores que, assim como estão presentes na poesia do Paulo, estão presentes na minha música e letra. Então, eu achei que o 'Mantra Concreto' nos reunia bastante bem. E ficou sendo assim, é um nome que parece paradoxo, soa um paradoxo, no princípio, mas faz o maior sentido dentro do trabalho.

O quanto a família Ruiz participou do projeto? Como foi essa ligação entre vocês? 

Quando fiz a primeira música, eu logo mandei para Alice para ver se ela gostava e ela adorou. No dia seguinte, fiz 'Teu Vulto', essa música fala de uma pessoa que não está, vai descrevendo situações em que parece que sugerem a presença de uma pessoa que não está. Eu brinquei com a Alice que os arbustos estavam se mexendo aqui em casa como se a Alice foi o tempo todo me acompanhando e eu ia sugerindo nomes para os poemas. 

Tanto a Alice como a Áurea e a Estrela, as filhas, acabaram contribuindo muito, porque elas forneceram um material para a gente fazer o vídeo do 'Amar você', que tem fotos deles. Elas foram muito parceiras mesmo, o tempo todo, e foi muito legal, eu me senti bastante motivado por elas para levar o trabalho em frente.

A capa remete ao construtivismo russo. Como foi essa escolha? 

A origem dessa capa é um trabalho do Rodchenko, o famoso construtivista russo. Ele e Maiakóvski tinham uma agência de publicidade e faziam cartazes. Em um dos cartazes mais famosos tem a imagem da Lilya Brik, amante do Maiakovski também, era tipo a musa dos futuristas. Desde o começo da concepção da capa, eu tinha uma intuição de fazer alguma coisa com o construtivismo russo, com a poesia russa. Eu sei que é uma coisa que o Paulo gostava também. A capa funde, mais uma vez, alta literatura com o pop, porque é uma capa muito citada, esse cartaz é muito citado. Aqui no Sul, as pessoas usam aquele cartaz do Rodchenko para divulgar festas e alterar a escrita em russo. Eu gostei disso e achei que isso ia dar um caráter de alta cultura.

 


  • Vitor Ramil: a poesia de Leminski é uma mistura de alta cultura e cultura de ruai
    Vitor Ramil: a poesia de Leminski é uma mistura de alta cultura e cultura de rua Foto: Marcelo Soares/Divulgação
  • Capa do álbum Mantra Concreto
    Capa do álbum Mantra Concreto Foto: Divulgação
  • Vitor Ramil lançou o álbum Mantra Concreto
    Vitor Ramil lançou o álbum Mantra Concreto Foto: Marcelo Soares/Divulgação
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postado em 28/10/2024 06:00
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