Cinema

Novo filme de Pedro Almodóvar mostra jogo contra o terror da morte

Ao lidar com o delicado tema da eutanásia, Pedro Almodóvar, no novo filme, O quarto ao lado, propõe um plácido encontro entre duas amigas interpretadas por Tilda Swinton e Julianne Moore

Martha e Ingrid são baseadas em roteiro a partir dos textos de Sigrid Nunez -  (crédito: Warner Media/Reprodução)
Martha e Ingrid são baseadas em roteiro a partir dos textos de Sigrid Nunez - (crédito: Warner Media/Reprodução)

"Augustina tem câncer!" — com esta frase, dita durante um espetáculo televisivo, qualquer fã de Pedro Almodóvar relembra de uma cena forte de Volver (2006). E é, a partir da mesma doença, que acomete Martha (Tilda Swinton), em instância cervical, que a personagem de O quarto ao lado começa a se desprender da vida, recusando o promissor tratamento experimental no qual ingressou. "Uma das coisas que este (novo) filme retrata é a autodeterminação, alguém que decide absolutamente tomar sua vida, sua existência e sua morte em suas próprias mãos", já defendeu Swinton, quanto ao drama que, derivado de Sigrid Nunez (autora do romance sobre empatia O que você está enfrentando), rendeu a Almodóvar o Leão de Ouro no último Festival de Veneza, depois de 18 minutos de aplausos, passada a projeção do longa (a estreia dele em inglês) naquele evento.

"Raramente vemos uma história sobre amizade feminina, e especialmente amigas mais velhas. Não sei se há outro cineasta no mundo que faria isso", comentou, à época do festival, Julianne Moore, atriz na outra ponta do enredo. No filme, ela dá vida a Ingrid — recrutada para acompanhar Martha na decisão de encerrar a sofrida vida. "Cada um deve se manifestar e reagir à sua maneira, deve ter a coragem de dizer basta ao negacionismo", defendeu Almodóvar, perto da premiação, palco para, no 23º longa criado, sair em defesa pela eutanásia "no mundo todo". Tema caro a Almodóvar, a maternidade desajustada de Julieta (2016) e Mães paralelas (2021) reaparece aqui, com a figura de Michelle, uma filha distanciada de Martha.

Trazendo à tona Os vivos e os mortos (filme de John Huston baseado na literatura de James Joyce), Almodóvar avança na dissolução do solidez do mundo e de uma ação branda da natureza frente aos viventes e aos que habitam cemitérios. Em tempos de reconsiderações dos humanos com o meio ambiente, o cineasta expõe absurdos e calamidades, a partir da ação de Damian (John Turturro), dono da voz de palestras alarmistas que tratam da sobrevivência entre o neoliberalismo e o crescimento da ultra-direita. Damian fez parte do passado em comum das amigas que, na Nova York oitentista, viram de tudo "acontecer à noite".

Entre exaltação das leituras de Faulkner e de Hemmingway (que, vale a lembrança, foi casado com Martha Gellhorn, jornalista atuante em temas bélicos, tal qual a Martha do filme), as protagonistas do filme — com Ingrid imersa em referências cerebrais e dona de emergente carreira de autora de ficção — muito discutem, entre amizade e estreitamento de confiança, sobre a vida de personalidades como a pintora Dora Carrington e os escritores Lytton Strachey e Virginia Wolf. Depois da pandemia, elas dissecam certa perda do tesão pelo material artístico que costumavam impulsioná-las. Vez por outra, engatam a sensação de uma boa leitura, tal qual a de Erotic Vagrancy, na qual o autor Roger Lewis escrutina o relacionamento turbulento entre Elizabeth Taylor e Richard Burton.

Pouca presença masculina é sentida, na trama em que, com filmagens em Madri, Nova York e Nova Jersey, a dupla central — longe do contexto à la Bergman, em Persona — se isola, num ambiente campestre. A "decisão livre" pregada, em Almodóvar, pela visão de uma personagem extremamente autodeterminada acopla imagens fortes como o do afronte à morte (frente ao enfrentamento de um incêndio) e a tentativa de incriminação de uma testemunha de suicídio assistido. A relativização da "vitória" frente
à um câncer e a incomum inclinação a um plácido autoextermínio, seguramente, rendem o debate que, desde sempre, colocam Almodóvar como um controvertido criador que visualmente segue impressionando como no raro (talvez pioneiro) uso de fade (pontuação entre uma cena e outra) na cor creme, a léguas do corriqueiro preto que domina este efeito.

Com o vigor de uma trilogia

Muito mais do que um cara de pavio curto, o astro Tom Hardy estrela a franquia de Venom com a pressão alterada pelo cerco que sofre: com uma parceria junto ao simbionte que lhe fez companhia nos dois primeiros filmes, o astro do longa criado (e dirigido) por Kelly Marcel será perseguido, numa captura protagonizada por alienígenas.

Depois de brilhar no drama Clube dos vândalos, Tom Hardy, que vive o protagonista Eddie Brock muito possivelmente enfrentará o personagem Knull, na trama em que seu corpo é dividido com uma entidade vinda de outro mundo. Duas cenas pós-créditos estão confirmadas para este novo exemplar da série que traz no elenco Rhys Ifans, Chiwetel Ejiofor e Juno Temple. Com filmes anteriores exibidos em 2018 e 2021 (este último com o intertítulo Tempo de carnificina) a franquia, até agora, rendeu mais de US$ 1,3 bilhão no mundo inteiro.

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

postado em 24/10/2024 06:01
x