A crise climática chegou com força às prateleiras das livrarias e ao mercado editorial. Na última década, os lançamentos se acumulam e vão das distopias embaladas pelo apocalipse gerado pelo desequilíbrio do clima aos ensaios assinados por cientistas e pesquisadores que mergulham nas consequências sociais e políticas da situação. Agora, uma espécie de angústia discreta também se mostra cada vez mais presente em ficções climáticas contemporâneas, gênero literário que não é novo, mas ganhou um fôlego extraordinário nos últimos anos. Além de romances como Contra fogo, do brasileiro Pablo L. C. Casella, Deslumbramento, do americano Richard Powers, e As últimas crianças de Tóquio, da japonesa Yoko Tawada, livros sobre a preservação da Amazônia e a importância de compreender as ligações entre humanidade e natureza também desembarcam no mercado para tratar de temas que, agora, inundam noticiários e feeds de redes sociais. Confira uma lista de leituras urgentes e lançamentos recentes, de ficção e não-ficção, para se inteirar sobre a questão climática.
O drama das queimadas
Biólogo, servidor do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Icmbio) e analista ambiental do Parque Nacional da Chapada Diamantina (BA) por 20 anos, Pablo Casella foi invadido por um sentimento de desconforto quando se deu conta que seu primeiro romance, Contra fogo, ganhou certa visibilidade por causa da tragédia climática. No enredo desenvolvido pelo autor, o protagonista Deja é voluntário de uma brigada anti-incêndio que vive de apagar o fogo na Chapada Diamantina. Subir e descer as serras do parque para evitar que as chamas destruam a natureza é uma tarefa hercúlea e real hoje na chapada, embora nem sempre tenha sido assim. O fogo sempre fez parte do cenário da região e, durante séculos, costumava destruir extensões de até 60 Km sem que ninguém se mobilizasse para evitar. Fazia parte de um ciclo natural em tempos anteriores à especulação na qual tocar fogo passou a ser uma forma de avançar sobre terras públicas.
Dos anos 1990 para cá, as brigadas começaram a aparecer para tentar evitar as queimadas e era sobre a importância dessas equipes, formadas basicamente por voluntários, que Casella queria escrever. "Quando me lancei na escrita do livro, resgatei uma inquietação que me acompanhou durante todo o período na chapada, que é como eu via algumas matérias ou documentários retratarem o trabalho e o movimento das brigadas. Eu ficava frustrado com o resultado desses trabalhos. Eu sempre entendia que eles não estavam acessando o que me parecia mais notório, interessante e belo desse movimento", conta Casella. "Então, eu percebi que só conseguia escrever o que achava que devia ser dito sobre as brigadas. Me lancei nesse trabalho de ampliar o universo das brigadas para um público maior do que aqueles que têm contato íntimo com a chapada."
Um dos convidados da Festa Literária de Paraty este ano, Casella participou da mesa Cessar o fogo e viu o romance alçado a retrato da situação dramática vivida pelo Brasil com as queimadas que distribuíram fumaça pelos céus das metrópoles brasileiras. "Quando fui escrever essa história, não estava consciente que escreveria sobre a questão climática. Eu me surpreendi com essa recepção e essa classificação como obra de ficção climática. Para mim, eu estava escrevendo sobre pessoas. Mas fui me convencendo de que, mesmo que não tivesse sido consciente, me parece que essa percepção, no campo das artes, eventualmente acontece por parte dos artistas de entender o espírito do tempo", conta. "Estou aceitando que essa obra está dentro do espírito do nosso tempo", diz.
Também ficção, Deslumbramento versa sobre a angústia criada pela situação climática especialmente nas gerações mais jovens. Um pai precisa lidar com os comportamentos exacerbados do filho de 10 anos depois que o menino perde a mãe, uma advogada ambientalista, em um acidente de carro. Com hiperfoco em algumas questões como a morte de animais para o abastecimento da indústria de alimentos e a perspectiva de extinção de espécies inteiras, o garoto enfrenta níveis de estresse altíssimos provocados pelo medo do fim da vida no planeta.
Escrito por Richard Powers, autor americano afeito a incursões no universo da ficção climática (conhecida como cli fi), o romance tem um ritmo acelerado e desenha um cenário extremamente conectado com o contemporâneo, especialmente nas searas política e ambiental. "A Terra tinha dois tipos de pessoas: as que sabiam fazer contas e acreditavam na ciência; e as que ficavam mais felizes com suas próprias verdades. Mas na prática diária de nossos corações, sejam quais forem as escolas que frequentamos, todos vivíamos como se o amanhã fosse um clone do hoje", avisa o narrador de Deslumbramento, no caso, o astrobiólogo pai do menino. Ora irônico, ora dramático, ele luta para acalmar o filho, mas não inclui nessa batalha amenizar a catástrofe que se anuncia.
Mais explícita é a narrativa da japonesa Yoko Tawada, que acompanha Yoshirô em uma jornada apocalíptica na qual as crianças do Japão já nascem fracas e grisalhas, o vocabulário da população começa a rarear e a comida já não é tão fácil de encontrar. É um cenário desolador, provocado pela crise climática, que Tawada propõe ao leitor em uma história curta, direta e sem muitas elucubrações sobre o sentido da tragédia. Bem-humorado, apesar de tudo, o romance convida o leitor a imaginar o resultado das próprias ações com certa ironia. Em um trecho, o narrador conta como o fundo do mar está cheio de máquinas de lavar jogadas pelo homem. "As pobres máquinas de lavar sofriam muito batendo toalhas pesadas, exauriam-se completamente, e morriam por excesso de trabalho após três anos", conta o narrador.
Amazônia em pauta
O jornalista Claudio Angelo encara a publicação de O silêncio da motosserra — Quando o Brasil decidiu salvar a Amazônia como um sinal de que, finalmente, a floresta entrou para a agenda da sociedade brasileira. Quando sugeriu para a editora escrever um livro sobre como o desmatamento havia de fato atingido um patamar estável de não crescimento, na primeira década dos anos 2000, o autor esbarrou em negativas e o projeto não seguiu adiante. Foi apenas em 2019 que a editora não apenas topou como sugeriu caminhos para o livro. O interesse veio justamente quando a atenção nacional se voltou para o descaso do governo Bolsonaro com as questões climáticas e ambientais. Nos últimos cinco anos, além do livro de Claudio Angelo, publicações importantes sobre a Amazônia, como Arrabalde, de João Moreira Salles, Amazônia na encruzilhada, de Míriam Leitão, e Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo, e Eliane Brum, também encontraram eco no mercado editorial. "Essa é uma das razões para meu otimismo. As editoras estão mais receptivas e buscando ativamente publicar livros sobre esse tema, mesmo que sejam livros com potencial comercial muito baixo", diz Claudio.
Escrito em parceria com o engenheiro florestal Tasso Azevedo, O silêncio da motosserra é um livro otimista. "Se tivéssemos entregado o manuscrito agora, não seria totalmente otimista. Temos uma premissa de que é possível zerar o desmatamento na Amazônia, já provamos que é possível. Precisa de incentivos, é só o governo querer", diz o autor, que se acostumou, nos últimos 20 anos de cobertura da Amazônia para os grandes jornais do Brasil, a ouvir de especialistas que era impossível acabar com desmatamento. Fatores como a capacidade limitada de intervenção do governo e a ideia hoje ultrapassada e falsa de que o desmatamento da floresta representava crescimento econômico funcionam como barreiras que o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) demonstrou serem fictícias. "Então o livro é otimista no sentido de que zerar o desmatamento em 2030, como Lula prometeu, não é uma utopia, dá para fazer", garante o autor.
Outros dois lançamentos abordam questões relacionadas às mudanças climáticas de perspectivas mais biológicas e sociológicas. Os historiadores franceses Christophe Bonneuil e Jean-Baptiste Fressoz assinam O acontecimento antropoceno — A Terra, a história e nós, um manifesto que procura analisar, dos pontos de vista da política, da ciência e da economia, como o homem levou o planeta a entrar em uma nova era cujas características são fruto da intervenção de uma única espécie.
Uma história (muito) curta da vida na Terra: 4,6 bilhões de anos em 12 capítulos, de Henry Gee, é um livro com linguagem divertida no qual o autor se propõe a responder, em 12 capítulos, a questionamentos sobre a origem e o futuro da vida na Terra. A certeza da extinção é algo que o autor nunca perde de vista.
O acontecimento antropoceno — A Terra, a história e nós
Christophe Bonneuil, Jean-Baptiste
Fressoz. Tradução: Marcela Vieira.
Quinta, 400 páginas. R$ 79
Deslumbramento
De Richard Powers.
Tradução: Santiago
Nazarian. Todavia,
336 páginas. R$ 79,90
Contra
fogo
De Pablo L. C. Casella.
Todavia, 318 páginas. R$ 79,90
O silêncio da motosserra — Quando
o Brasil decidiu salvar a Amazônia
De Claudio Angelo. Com Tasso Azevedo. Companhia das Letras, 470 páginas. R$ 103
Uma história (muito) curta da vida na Terra:
4,6 bilhões de anos em doze capítulos
O acontecimento antropoceno — A Terra, a história e nós
Christophe Bonneuil, Jean-Baptiste Fressoz. Tradução: Marcela Vieira. Quinta, 400 páginas.
R$ 79
Uma história (muito) curta da vida na Terra: 4,6 bilhões de anos em doze capítulos
Henry Gee. Tradução: Gilberto Stam. Fósforo, 280 páginas. R$ 89,90
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