TELEVISÃO

Atriz de teatro, cinema e tevê, Suzy Lopes se declara uma operária da arte

Intérprete de Cira em "Mar do sertão e "No Rancho Fundo", a paraibana Suzy Lopes iniciou no teatro aos 15 anos e acumula 40 trabalhos em quase três décadas. Atriz de "Bacurau" poderá ser vista na novela "Guerreiros do Sol", do Globoplay, em 2025

Suzy Lopes, atriz -  (crédito: Jorge Bispo/Divulgação)
Suzy Lopes, atriz - (crédito: Jorge Bispo/Divulgação)

Com quase 30 anos de carreira e com 40 produções levando seu nome, Suzy Lopes é uma atriz versátil e inquieta que se considera uma operária da arte por acreditar que essa é a melhor arma de transformação de uma sociedade. Com uma dezena de prêmios de melhor atriz em festivais de cinema e teatro, a paraibana de 45 anos — bacharel em Teatro e mestrado em Literatura e Interculturalidade, com pesquisa na dramaturgia paraibana dos anos 90, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) — marcou presença em filmes emblemáticos como Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Na tevê, ela integrou o elenco das novelas Quanto mais vida melhor (2021), Mar do sertão (2022) e, agora, retorna com a personagem Cira em No Rancho Fundo (2024). Em breve, poderá ser vista na série original do Globoplay Guerreiros do Sol.

"Para poder viver do meu sonho, eu fiz tudo que apareceu na minha frente, atuei, animei festa infantil, fiz sarau em jantar, velório, aniversário de casamento, tudo! O que importava para mim era me sustentar e viver do que realmente me fazia sentir viva", afirmou a atriz ao Correio.

Suzy Lopes, atriz
Suzy Lopes, atriz (foto: Jorge Bispo/Divulgação)

Entrevista | Suzy Lopes 

Suzy, você tem uma longa carreira no teatro, no cinema e na televisão. Como foi a transição entre essas diferentes linguagens artísticas para você? 

Quando comecei a fazer teatro (1995), eu tinha 15 anos, sem nenhum histórico familiar de carreira artística, sem nenhum planejamento, apenas meu desejo de atuar, de ser atriz, de viver daquilo. E totalmente fora do eixo Rio-SP né? Então fui vivendo, aceitando todos os convites que me chegavam, fazendo todos os testes que via, mandando currículo para todas as seleções, não tinha empresário ou quem comigo planejasse ou me orientasse, fui fazendo. Fui ter agenciamento só em 2018 e já estava fazendo teatro e cinema, já tinha rodado Bacurau. Aliás, em 2018 eu participei de quatro grandes filmes: Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles; A febre, de Maia Da-rin; Paloma, de Marcelo Gomes; e Fim de festa, de Hilton Lacerda. Foi um ano incrível para minha carreira no cinema. Mas tudo isso sem agenciamento. Então, não teve um planejamento, de forma que não sei explicar uma transição, pois ela não foi pensada, eu sempre estudei muito, assisti muito e sempre fui muito interessada no que tinha relação com o ofício de atriz. Quando digo viver, não digo que seja somente alimentar meu sonho e minha satisfação pessoal, pois minha família nunca teve grandes possibilidades financeiras, então se eu não fizesse um trabalho que me desse retorno financeiro mesmo que básico, teria que largar esse sonho e arrumar um emprego que me desse meio de vida financeira, e ainda é assim até hoje. Mas, para poder viver do meu sonho, eu fiz tudo que apareceu na minha frente, atuei, animei festa infantil, fiz sarau em jantar, velório, aniversário de casamento, tudo! O que importava para mim era me sustentar e viver do que realmente me fazia sentir viva. E amo atuar nos três lugares, no teatro, no cinema e na TV. 

Quais foram os momentos mais marcantes da sua trajetória como atriz até agora? 

É engraçado responder que não sei falar de transição das linguagens artísticas e depois vem essa pergunta sobre os momentos marcantes, porque são transições os momentos marcantes. Penso logo no primeiro curso de teatro, quando decidi que era aquilo que queria fazer para sempre. Me descobrir artista foi marcante pela dificuldade que eu sabia que ia ter que enfrentar. Como sonhar em ser atriz quando se faz parte de uma família que luta dia-a-dia pelo prato do dia? Parecia uma loucura, e muita gente da minha própria família achava que aquilo era uma loucura, que logo logo eu iria cair na real e ia arrumar uma “profissão". Ainda bem que não escutei essas pessoas. Escutei a minha mãe, que me incentivava em tudo que eu queria fazer. Agradeço até hoje a sagacidade dela em me colocar naquele curso. Que só pude fazer por ser um curso gratuito da Funesc — fundação cultural da Paraíba — porque se fosse um curso pago, eu não teria feito. Mas voltando aos momentos marcantes, trabalhar com o Piollin Grupo de Teatro foi muito marcante, aprendi muito com eles. Ainda no teatro, fazer Mercedes com o Galharufas de teatro foi marcante. Primeiro por estar fazendo uma personagem que havia sido escrita pra mim, com Paulo Vieira de Melo dirigindo e sendo financiada por um edital de cultura que nós dois tínhamos feito o projeto, e nesse espetáculo eu além de protagonista, era também assistente de direção e produtora, quase pirei na época, mas essa personagem mexeu muito comigo e cada loucura valeu a pena! Bacurau é o momento mais marcante no cinema, pois nunca um filme que eu havia feito teve tanto retorno e foi tão longe. A chegada na TV também é um momento indiscutivelmente marcante, pois mudou minha vida completamente, começando por mudar meu endereço, vim parao Rio de Janeiro fazer minha primeira novela, Quanto mais vida, melhor, e estou morando no Rio há três anos. No início, era assustador estar nos lugares e as pessoas falarem comigo. Assustador e delicioso, pois vejo como as pessoas têm afeto pelas personagens, como falam comigo como se estivessem falando com elas. O público do cinema e do teatro quando falavam comigo, falavam de um trabalho, de uma personagem. O público da TV fala como se estivesse falando com a personagem, é engraçado e bonito essa relação, afinal estamos dentro das casas das pessoas por meses diariamente. De fato, elas conhecem aquela personagem… 

Agora você está interpretando Cira em No rancho fundo. Como foi o processo de construção dessa personagem que voltou para a sua vida? O que mais te atraiu nesse papel? 

A construção de Cira foi em 2022 quando fiz Mar do sertão. Agora tive que reconstruir, o que é um luxo né? Reviver uma personagem, poder dar novas tintas em sua trajetória. Uma personagem de novela é muito generosa no sentido de que ela vive uns meses, então você vai mudando, vai descobrindo, é como conhecer uma pessoa. Isso é o que mais gosto de fazer em novela, de como a trama pode mudar. Fico ansiosa por cada novo bloco de capítulo pra saber o que acontecerá com as personagens, como as histórias serão desenroladas, onde levarão as suas personagens, pois estamos falando de ficção, tudo por acontecer. Cira, por exemplo, voltou em No rancho fundo trabalhando e aprontando com Sababodó e sua esposa Nivalda, os brilhantes Welder Rodrigues e Titina Medeiros. Depois se junta com Deodora, a maravilhosa Deborah Block, e vai trabalhar na casa de Ariosto, vivido brilhantemente por Du Moscovis, Deodora leva Cira para dentro da casa de Ariosto para ser os olhos dela lá, nunca imaginei essa trama. A dupla Cira e Fé também percebo que o público gosta muito, é maravilhoso que a fofoqueira se junte com a Coroinha que também adora uma fofoca e as duas se intitulam o tempo inteiro de muito dignas. Hahahahahaha tem sido delicioso construir essa dupla com a atriz Rhaisa Batista, que é tão parceira e joga junto, as cenas delas duas são sempre gol! Adoro! Cira é uma personagem curinga que transita entre as histórias, então está livre e o autor pode fazer mudar completamente sua trajetória, como está acontecendo agora. O que mais me atrai em Cira é seu humor e capacidade de sempre ver a vida pelo lado bem humorado, isso tem muito a ver comigo mesma, por isso sou tão apaixonada por ela.

Você já viveu personagens com histórias e emoções muito diferentes. Tem algum que te marcou mais pessoalmente? 

A personagem que mais mexeu pessoalmente comigo foi no teatro, Mercedes, de Paulo Vieira de Melo. Porque era uma personagem política e nós estávamos atravessando (e ainda estamos) um momento político muito crucial e embora fosse um espetáculo que tinha como pano de fundo a ditadura militar no Brasil, o momento que o país estava passando estava muito ligado, e isso me atravessou muito, me deu uma chacoalhada que eu acordei politicamente e hoje sou uma pessoa muito mais consciente politicamente do que antes de fazer essa peça. Foi a personagem que mais me influenciou. Me fez acordar e perceber que tudo que fazemos é político e não dá pra olhar apenas para o próprio umbigo, que vivemos coletivamente e nossas escolhas precisam ser pelo bem coletivo. 

Como você enxerga a importância da representatividade da cultura nordestina no audiovisual brasileiro? Você sente que há mais espaço para as histórias do Nordeste na mídia hoje em dia? 

A representatividade da cultura nordestina no audiovisual é essencial. O Brasil é um país com diversidade cultural vasta, e muitas vezes sub-representadas. Por muito tempo, a mídia brasileira retratou o Nordeste de forma estereotipada, associando a região à pobreza ou caricaturando seu povo de forma limitada. Ver sua própria cultura representada de forma positiva e digna na televisão, cinema ou outras mídias é essencial para a autoestima e identidade e reconhecimento de suas lutas, alegrias e formas de viver. Estou falando em pertencimento e identidade. E não apenas incluir é importante, mas também dar protagonismo. Ainda temos muito chão para caminhar, mas estamos no caminho. Parafraseando Guimarães Rosa, digo que o Nordeste é antes de tudo forte, e isso podemos ver pela quantidade de obras que são criadas sobre essa região. Culturalmente, a região mais rica do país. Se for citar os nomes fortes do Nordeste, essa resposta teria muitas páginas. 

Quais foram suas primeiras referências nas artes? Que artistas ou obras te inspiram na sua atuação?

Assim como a maioria das crianças, cresci vendo televisão. Minhas primeira referências foram televisivas. O Sitio do Picapau Amarelo eu lembro muito, até porque meu primeiro personagem foi Emilia, ainda criança. Lembro muito do programa de Chico Anisio, Chico City, que eu amava, justamente porque ele fazia todos os personagens, e eu achava incrível aquilo, já era minha atriz encantada e eu não sabia. Os Trapalhões também, A Turma do Balão Mágico… eram as coisas que eu consumia quando era criança. Lembro que pirava com a Viúva Porcina (de Roque Santeiro), a novela Que rei sou eu?, A gata comeu. Mas, nessa época, eu não fazia teatro ainda. Quando comecei a fazer teatro, a minha maior referência foi o Piollin Grupo de Teatro, um grupo paraibano que ganhou o Brasil e o mundo com o espetáculo Vau da Sarapalha, uma das coisas mais geniais do teatro brasileiro. Eu lembro que ficava em casa fazendo a personagem da atriz Soia Lira. Eles falavam em gramelot e isso me pirava, eu ficava falando com as pessoas em casa por gramelot, claro que não de forma genial como eles faziam no teatro, mas eu sonhava em fazer uma peça assim. Em Mar do sertão, teve uma cena que fiz com Titina Medeiros e Clarissa Pinheiro, que quando fosse ao ar, o som seria suprimido. Como nós três nascemos no teatro, fizemos a cena em gramelot e, para mim, essa foi umas das melhores experiências da novela, a gente se divertiu muito fazendo. Foi incrível a diretora Nathalia Warth ter permitido essa brincadeira.

Existe algum diretor ou ator com quem você ainda não trabalhou, mas que adoraria ter a oportunidade de dividir o set? 

Têm muitos e muitas!!!!!! Anna Muylaert é um dos nomes da direção com quem nunca trabalhei e que tenho muita vontade. Uma vez eu quase fui trabalhar com ela, mas as agendas não bateram. Na TV, tenho muito desejo de estar num projeto assinado por Paulo Silvestrini, adoro as novelas dele. Nossa, tem muita gente. Os filmes de Gabriel Martins tem me impressionado muito e claro que queria estar num elenco dele, Karim Aïnouz também é um diretor que me emociona sempre e que tá na minha prateleira de sonhos. Ator e atriz nesse país tem muitos, fantásticos, e minha lista é imensa. Começa com "Dona" Fernanda "Maravilhosa" Montenegro, passa por Tony Ramos que muitos amigos já trabalharam e que é a pessoa mais incrível do mundo, segundo eles. Maeve Jinkings e se for com a direção de Carolina Markowicz, então, será um sonho completo. Fernanda Torres, Julio Andrade, também sou apaixonada. Pedro Wagner é outra grande paixão, já estivemos na mesma obra, mas nunca contracenamos. Alice Carvalho, minha grande amiga que tanto me ensina, também já estivemos na mesma obra, mas não contracenamos. Até temos uma cena em Guerreiros do Sol, mas é muito rápida e uma cena de ação, então não tivemos muito espaço para trocas, embora estivéssemos muito conectadas. Tenho grande desejo de estar em cena com meu marido Paulo Vieira de Melo, que também é ator e tem grande responsabilidade em minha formação, foi meu professor na UFPB, meu orientador na graduação e já me dirigiu, ou seja, é meu mestre! acho que seria uma experiência deliciosa. Enfim… essa lista é infinita porque temos muitos atores e atrizes incríveis. Sou apaixonada por muitos profissionais da minha área. 

Quais são os próximos projetos que você pode compartilhar conosco? Alguma novidade que os fãs possam esperar? 

Tenho alguns novos projetos em negociação, mas que ainda não posso falar por não estarem fechados, mas em 2025 estarei no elenco de dois grandes projetos que estou ansiosa para assistir. O agente secreto, novo longa de Kleber Mendonça Filho, protagonizado por Wagner Moura. E Guerreiros do Sol, com direção artística de Rogério Gomes. Ambos com um elenco muito incrível. 

Como você se imagina daqui a 10 anos, em termos de carreira? 

Em 2034, estarei com quase 40 anos de carreira e imagino/desejo que eu esteja plena, atuando em projetos incríveis, sendo protagonista de alguns deles. Mas desejo também que em meus quase 40 anos de carreira, meu país esteja respeitando, valorizando e incentivando mais a sua cultura. 

 


 

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postado em 20/10/2024 09:00
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