Ainda que não seja um recurso inédito, uma das grandes sacadas de No rancho fundo, na faixa das 18h da Globo, foi o resgate de personagens que fizeram sucesso em Mar do sertão, novela dos mesmos autor, Mário Teixeira, e diretor artístico, Allan Fitterman. Entre as figuras que deram o nome na fictícia Canta Pedra e migraram para Lapão da Beirada está o malandro Vespertino, que passa de agiota a sócio de um cabaré. Para o intérprete, Thardelly Lima, a dobradinha foi um presente.
"Eu fiquei feliz demais, poucos personagens voltaram em telenovelas, então, foi aquela sensação de que o meu trabalho tinha atingido as expectativas daqueles que confiaram a mim essa responsabilidade", declarou o ator ao Correio.
Nessa nova produção, Vespertino torna-se o maior aliado da vilã Deodora (Debora Bloch) — personagem que também retornou —, mas se descobre que o nome dele é Laécio Oliveira e que teve um relacionamento no passado com Salete Maria (Mariana Lima) e é pai de Margaridinha (Heloisa Honein) — ambas inéditas. "Pela primeira vez, as pessoas conseguiram enxergar um lado mais humano dele, um olhar mais sensível. Acho que ele caminha para uma grande redenção de todas as maldades que fez no passado. O arco histórico de Vespertino foi incrível, uma montanha russa!", celebrou Lima.
Mar do sertão e No Rancho Fundo são marcadas pela ambientação no Nordeste, com uma participação robusta de elenco nativo. O ator paraibano comemora a oportunidade de poder trabalhar, agora na tevê, com grandes amigos com quem ele já tinha atuado no teatro e no cinema — como Suzy Lopes, Nanego Lira e Titina Medeiros, que também vieram da novela anterior.
"Você não faz ideia a alegria de estar junto dessa galera, dentro e fora dos estúdios!", ele resume. E festeja a transformação sociocultural que está em curso relacionada à multiplicidade de sotaques nas narrativas do audiovisual. "Essa representatividade tem que ir além, isso já tem que ser página virada, o que a gente vem lutando é que os sotaques sejam respeitados em qualquer obra! Que seja o Brasil que é de fato, o Brasil é isso! É múltiplo, é diverso!", concluiu Thardelly.
Resistência
Natural de Cajazeiras, o ator de 42 anos tem uma longa carreira teatral. Porém, foi revelado ao público após interpretar o prefeito corrupto do premiado filme Bacurau, de 2019. Até então, havia uma resistência da parte do artista ao audiovisual, até que, segundo ele, tudo mudou. "Era possível viver do sonho, depois tudo mudou! Acabaram os editais, os festivais fechando as portas, os teatros com pautas caríssimas… Foi uma época muito difícil, beirando aquele momento de desistir de tudo. Conheço muitos que tiveram interromper o sonho de viver de sua arte, para ir trabalhar em qualquer outro lugar e sobreviver. Isso é muito triste!", desabafou.
Nesse período conturbado, apareceu o teste para Bacurau, e a esposa de Thardelly, Helena, o "arrastou pelo braço", porque ele não queria "desistir do teatro". No mesmo ano, foi escalado para participar da primeira novela — uma participação especial em Amor de mãe (2020) —, antes de ser escalado para um papel de destaque em Quanto mais vida, melhor (2021). "Hoje, eu amo fazer audiovisual, mas o teatro é minha vida. Tudo que sou hoje eu devo ao teatro e nunca vou deixar de vivê-lo!"
Entrevista | Thardelly Lima
Uma das grandes sacadas de No rancho fundo foi o resgate de personagens que fizeram sucesso em Mar do sertão. Como foi para você receber essa notícia, seguida do convite?
Inicialmente, houve rumores que teria Mar do sertão 2, eu fiquei eufórico! Semanas depois, veio a ligação e o convite, falando que seria uma nova novela, com novos personagens e que alguns voltaria de Mar do sertão! Eu fiquei feliz demais, poucos personagens voltaram em telenovelas, então, foi aquela sensação de que o meu trabalho tinha atingido as expectativas daqueles que confiaram a mim essa responsabilidade!
O que o Vespertino traz de grande transformação entre uma novela e outra?
Acho que agora ele voltou mais seco, apesar de canastrão, dessa vez ele meio que ligou o botão “redução de danos”, até tentou diversas vezes impedir planos diabólicos da Deodora! E também teve essa virada na história, dele se chamar verdadeiramente “Laecio Oliveira” e que teve um relacionamento no passado com Salete Maria, interpretado pela maravilhosa Mariana Lima. Essa revelação da cidade dupla eu achei sensacional! E agora, a maior virada de chave possível, ele descobre que é pai de Margaridinha, onde pela primeira vez as pessoas conseguiram enxergar um lado mais humano dele, um olhar mais sensível. Acho que ele caminha pra uma grande redenção de todas as maldades que ele fez no passado! O arco histórico de Vespertino foi incrível, uma montanha russa! Amei demais!
As duas produções são marcadas pela ambientação no Nordeste com uma participação robusta de elenco nativo. Como é contracenar, agora na tevê, com a sua "patota" e qual a importância dessa regionalização para o audiovisual comercial brasileiro?
Você não faz ideia a alegria de estar junto dessa galera, dentro e fora dos estúdios! Grandes amigos que eu já tinha trabalhado no teatro e no cinema e agora na telenovela! Quando estive no Nordeste esses dias e o carinho do publico é diferente de qualquer coisa que eu já tenha visto! Eles amam ouvir o sotaque na telinha, principalmente, atores nordestinos quando colocamos “cacos” e gírias regionais que só quem é de lá conhece! Essa representatividade ela tem que ir além, isso já tem que ser página virada, o que a gente vem lutando é que os sotaques sejam respeitados em qualquer obra. Que seja o Brasil que é de fato, o Brasil é isso! É múltiplo, é diverso! Eu acho totalmente inverossímil uma novela que não tenha mais de três sotaques presentes nela. A não ser que, tudo aconteça dentro de um apartamento e que ninguém saia de casa. O Brasil não é mais o Leblon! Kkkkk
Você dedicou praticamente toda a sua carreira ao teatro, evitando o audiovisual. Até que surgiu Bacurau, mudando esse curso do rio. O que mais te induziu a encarar esse projeto?
O teatro é minha vida, tudo que sou hoje eu devo ao teatro e nunca vou deixar de vivê-lo! Anos atrás a gente conseguia viver dignamente só do teatro, meu grupo de João Pessoa, o Ser Tão Teatro, chegou a circular pelo Brasil 5 anos ininterruptos! Era possível viver do sonho, depois tudo mudou! Acabaram os editais, os festivais fechando as portas, os teatros com pautas caríssimas…foi uma época muito difícil, beirando aquele momento de desistir de tudo! Conheço muitos que tiveram interromper o sonho de viver de sua arte, pra ir trabalhar em qualquer outro lugar e sobreviver, isso é muito triste! Nesse limbo, apareceu o teste pra Bacurau, minha esposa Helena me arrastou pelo braço, porque eu não queria desistir do teatro, fiz o teste, passei, fiz o filme e já no set, eu amei! Hoje, eu amo fazer cinema!
Seu primeiro papel de destaque foi o Odaílson, de Quanto mais vida, melhor, atingida em cheio pela pandemia. Como você lidou com essa crise e, depois, com a exibição de um trabalho todo fechado?
Que saudades de Odailson! Foi uma das experiências mais loucas e arriscadas da minha vida! Imagina, vc sair da sua cidade, com sua esposa, no meio de uma pandemia, sem vacina, sem conhecer ninguém no Rio de Janeiro, sem nunca ter feito novela, com muitos amigos queridos morrendo pela covid-19 e vc ter que seguir em frente! Peguei o vírus duas vezes, uma menos grave e a outra mais séria e mesmo no período de Natal e réveillon! Tinha todo um protocolo meticuloso pra entrar no set, pra que todo mundo ficasse seguro. Foi tenso, mas foi uma delícia fazer! Eu só lamentei a obra ter ido fechada, acho que Odailson e a Deusa, personagem da parceirona Evelyn Castro, tinham dado uma guinada surpreendente! Eles foram muito bem aceitos pelo público!
Apesar de falar da Morte, a novela era leve e seu personagem era do núcleo cômico escrachado. O personagem foi um grande sucesso. Que história você pode contar dessa experiência?
Por conta do protocolo de segurança, a gente ficava em camarins individuais, lembro que a gente ficava passando o texto gritando pelas portas! Evelyn queimou a colher de plástico no fogão do cenário durando a cena! A gente tinha muita liberdade do autor (Mauro Wilson) pra criar. Teve um final de cena que a gente praticamente criou outra e ela foi ao ar. A equipe se divertia muito com a gente, ali a gente já sacou que estava dando certo!
Fale um pouco dos trabalhos em Ponto final, da Netflix, e No corre, do Globoplay.
Foi uma experiência incrível, eu nunca tinha feito sitcom, unir teatro e audiovisual é um deleite pra quem gosta de calor humano. Gravei os dois praticamente emendados, terminou um e no outro dia já estava começando o outro! Mas são dois trabalhos diferentes e, em ambos, me diverti muito. Ponto Final se passa na Lapa, no Rio de Janeiro, e No Corre, em um ponto de motoboys na Mooca, em São Paulo. Nos dois trabalhos fiz com meu sotaque, acho lindo demais esse respeito e entendimento do que é o Brasil real! Sou grato demais a essa sensibilidade das equipes. Eu sou fã de sitcom, desde Chaves, Friends, Sai de Baixo… quero fazer muito mais! É tudo muito leve e prazeroso.
Suas caixinhas de Instagram são uma loucura. De onde surgiu essa ideia das "traduções" de letras de músicas em inglês?
Então, durante a pandemia o celular virou nosso cinema, teatro, nosso único portal de comunicação com o mundo! As caixinhas de perguntas era uma ferramenta que estava no auge, eu canto muito errado, muito mesmo! Minha esposa, disse: pq tu num faz uma caixinha onde as pessoas falam o que cantam errado? Bingo! Deu certo demais, Helena é muito criativa, a maioria das ideias geniais saem da cabeça dela, eu sou uma fraude!
Você engordou para Bacurau e depois emagreceu bastante para Mar do sertão. Como se deu esse processo?
Minha vida é essa sanfona com meu peso, eu tento atender o máximo o que o personagem exige! Eu gosto de contribuir com a caracterização de todas as formas possíveis, o corpo é uma delas! Agora vou ter que emagrecer novamente porque vou circular com meu monólogo e ele exige muito fisicamente!
Tem vontade de encarar um dramalhão na tevê?
Tenho muita vontade, mas acho que os produtores de elenco ainda não me enxergam nesse lugar, só chega comédia e eu abraço tudo deliciosamente! Fazer comédia é anos luz mais difícil que o drama e eu posso provar! Na arte da interpretação não existe diferença entre a comédia e o drama, tudo está no timing! O time, o tempo, as pausas, a respiração… um choro é só um choro! Mas o que emociona não é a lágrima, é o que se engole, o que engasga! As últimas cenas de Vespertino No rancho fundo, estão carregadas de drama, mas sem perder a essência do personagem, daquilo que já foi mostrado na trama! Eu sou ator, encaro tudo, eu amo meu trabalho!
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