MÚSICA

Sergio Mendes, o consagrado músico genial até a última nota

Um dos principais nomes da música brasileira, Sergio Mendes morreu na última quinta-feira (5/9), aos 83 anos, em Los Angeles, EUA. Nos últimos meses, o pianista lidava com as consequências de uma covid-19 de longa duração

Morreu, na última quinta-feira (5/9), o consagrado músico Sergio Mendes, aos 83 anos, em Los Angeles, Estados Unidos. Segundo comunicado publicado nas redes sociais do artista, a morte se deu por conta de complicações de uma covid-19 de longa duração — o pianista sofria há meses de problemas de saúde relacionados ao vírus. Ele deixa a esposa e parceira musical Gracinha Leporace, com quem foi casado por 54 anos, e cinco filhos. Detalhes sobre o velório e enterro ainda serão divulgados.

Símbolo da música brasileira internacionalmente, Sergio Mendes gravou, em seis décadas de carreira, 35 álbuns, foi três vezes vencedor do Grammy e conquistou, em 2012, uma indicação ao Oscar pela trilha sonora da animação Rio, ao lado de Carlinhos Brown. "Minha curiosidade e busca em aprender com músicos de qualidade me levaram a conhecer Sérgio Mendes através de seus álbuns", conta Carlinhos.

"Eu o admirava muito, junto a outros ídolos dele que eram meus também, como Johnny Alf e outros tantos grandes nomes. Afinal, é o brasileiro que tocou com Frank Sinatra, que gravou com Sarah Vaughan e Stevie Wonder e que sempre teve um pensamento jovem sobre a música", lembra ao Correio o cantor baiano.

Ao lado de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, Sergio Mendes foi um dos principais nomes da bossa nova. "Ele foi um dos grandes arquitetos da possibilidade da bossa nova virar música pop internacional. Tive a honra de conhecê-lo, ficar amigo e gravar com ele. Era um gênio no piano e no estúdio, um produtor e arranjador extraordinário. Aprendi imensamente com ele. Sentirei muita falta do amigo", lamenta o produtor musical Alexandre Kassin.

Arquivo Nacional - Pianista Sergio Mendes, em 1968: uma carreira de sucessos que rompeu fronteiras

Nascido em Niterói, Rio de Janeiro, Sergio Mendes se mudou para os Estados Unidos em 1964, após o golpe militar, e nunca mais voltou. Foi no país norte-americano que ele formou o lendário grupo Sergio Mendes & Brasil 66 e se consagrou no cenário internacional ao lançar a música Mas que nada, de Jorge Ben Jor, em versão bossa nova. Nenhum brasileiro fez tanto sucesso nas paradas dos EUA quanto ele. No total, foram 14 músicas emplacadas no top 100.

"Sergio Mendes conseguiu trazer um Brasil que foi muito mais valorizado fora do nosso país do que dentro. Ele é o símbolo desse Brasil consumido nos Estados Unidos, uma relação inclusive que representa vários outros brasileiros que lá moraram, como o Milton Nascimento, Naná Vasconcelos e o próprio Moacir Santos", avalia o pianista Amaro Freitas.

"Ele conseguiu popularizar e traduzir esse suingue tropical brasileiro, e elevar isso ao topo máximo dessa representação do que é a música brasileira fora do Brasil. Ele é um orgulho e uma referência direta. Um cara que eu adoro escutar e que lamento muito a gente ter perdido essa lenda da música brasileira", completa.

Sergio Mendes se manteve na ativa até os últimos anos de vida. Em 2020, lançou o que se tornaria o último álbum da carreira, In the key of joy. No ano passado, o pianista também se apresentou em casas de show lotadas de capitais europeias, passando por Paris, Londres e Barcelona.

Ao longo da carreira, colaborou com grandes ícones do jazz mundial, como Herb Alpert e Cannonball Adderley, e artistas do pop norte-americano, como Stevie Wonder, Justin Timberlake, Black Eyed Peas e John Legend.

Uma das mais marcantes parcerias do pianista, no entanto, foi com o músico brasileiro João Donato. "Los Angeles tem um relacionamento especial com João e Sergio, porque eles ajudaram a espalhar o som do Brasil pelo mundo", declara Andrew Lojero, produtor da gravadora norte-americana Jazz is Dead.

"Quando os dois amigos se reuniram em Los Angeles, em 1964, eles se ajudaram a trilhar novos caminhos musicais em uma plataforma internacional. Isso, por sua vez, ajudou a popularizar o som do Brasil para muitos ao redor do mundo", afirma.

Em 2019, Lojero produziu uma homenagem a Donato em Los Angeles, prestigiada pessoalmente por Sergio Mendes. "Eu assisto vídeos de nossos shows e me lembro de como Sergio nos surpreendeu apoiando seu amigo, João Donato. Quando olho em seus olhos e vejo seu sorriso, aquece meu coração ver como ele iluminava o ambiente todas as vezes. Era sempre um prazer estar em sua presença. Somos gratos pela luz que ele lançou sobre o mundo", finaliza o produtor.

Depoimento

Parceria e amizade

A jornalista Ivone Belem, viúva de João Donato, também falou com exclusividade ao Correio sobre a relação entre o marido e Sergio Mendes.

“Donato se divertia contando que Sergio Mendes não lançava um disco sem que gravasse uma música de sua autoria. Contava que a amizade deles começou em Los Angeles, onde Donato viveu por 12 anos. No icônico álbum Sergio Mendes & Brasil 66, Mendes gravou The frog e convidou Donato para uma turnê no Japão, com o conjunto Bossa Rio, que abria os shows de Sérgio. A viagem foi bastante produtiva, e resultou no disco Bossa Live in Japan e também em um convite a Donato, que o levaria a gravar um dos seus mais incensados discos: A bad Donato. Foi nesta viagem que o produtor da gravadora Blue Thumb, Bob Krasnow, que acompanhou a viagem, se apaixonou pelo piano de Donato e o convidou para gravar o álbum de 1970.

Entre o retorno de Donato para o Brasil em 1973 e a década de 2000, eles pouco se falaram. Em 2005, no Rio, Sérgio encontrou com Donato e levou na mala para Los Angeles três músicas para gravar no seu CD Timeless: The frog, Bananeira e Ê menina. Em 2008, no CD Encanto, Sergio gravou Lugar comum e E vamos lá. Depois, em 2010, gravou Emoriô, e em 2018, Muganga, no álbum In the key of joy, que saiu em 2020.

O último encontro dos dois foi em 2019, no evento musical Jazz is dead, em Los Angeles. Sergio Mendes fez questão de assistir ao show do backstage. Eles se falavam de meses em meses e era só gargalhada. Relembrando as aventuras em Los Angeles e os tempos difíceis da música no começo da carreira de ambos no Brasil.”

 

 

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