» Arthur Monteiro*
As obras homoeróticos do artista brasiliense Fernando Carpaneda estão presentes em diversas galerias ao redor do mundo e, em outubro, ele vai participar de um dos maiores leilões internacionais de arte: o 32º leilão anual Take Home A Nude (leve uma nudez para casa), em Nova York, na famosa Sotheby's. Organizado pela Academia de Arte de Nova York, o evento reúne um elenco de celebridades, artistas e filantropos unidos pelo objetivo comum de apoiar a próxima geração de artistas da cidade e arrecadar fundos para a instituição, fundada por Andy Warhol em 1982.
A adolescência em Taguatinga nas décadas de 1980 e 1990 influenciou Fernando e toda uma geração inquieta. Escutar música punk, ir a shows do Aborto elétrico e curtir lançamentos dos Sex Pistols construíram naquela época o imaginário de uma juventude. No caso de Carpaneda, tais referencias foram o norte para o trabalho que ele viria a construir. "Minha juventude em Taguatinga foi marcada por uma explosão cultural. Era um ambiente vibrante e desafiador ao mesmo tempo (...) Taguatinga sempre teve essa energia de contestação, o que me influenciou profundamente. Foi ali que tive meu primeiro contato com o punk e com o underground, e isso moldou meu olhar sobre o mundo e a arte", diz o artista.
Carpaneda conta ao Correio um pouco sobre seu processo ético e estético: "Eu admiro muito o trabalho de Robert Mapplethorpe e Alair Gomes, ambos foram pioneiros em explorar a sensualidade masculina. No entanto, percebo que há uma diferença fundamental na forma como abordo o corpo e a sexualidade em comparação com eles. Meu trabalho não busca idealizar ou estetizar o corpo de uma forma específica, mas sim celebrá-lo em toda a sua autenticidade, com suas imperfeições e características únicas".
"Além disso, não tenho a intenção de capturar o corpo como objeto de desejo voyeurístico, mas de criar uma conexão genuína com a vivência das pessoas que represento, mostrando-as como são, sem filtros. Gosto de enfatizar a realidade crua e a beleza do que é natural, sem buscar uma perfeição estética", acrescenta.
O trabalho que representará Carpaneda no leilão novaiorquino foi selecionado pela própria academia. O retrato de Jesus Cristo negro, descamisado questiona as representações eurocêntricas de Jesus e propõe novas possiblidades de como pintar figuras religiosas. "A pintura fala sobre liberdade, sobre ser o que é sem medo de assumir ideias ou ideais", diz o artista. Entretanto, os avanços nas pautas da população LGBTQIAPN não tornam artistas isentos de retaliações preconceituosas do público conservador.
"Fiquei profundamente indignado com o boicote à exposição Queermuseu. Esse tipo de censura é um reflexo de um conservadorismo que ainda permeia muitos setores da sociedade. Enfrentei críticas retrógradas e ataques devido ao meu trabalho, mas isso só reforça minha convicção de que a arte precisa ser um espaço de resistência e questionamento. Não podemos nos calar diante da opressão; pelo contrário, é nosso dever como artistas expor essas questões", diz o artista.
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira