Após o lançamento de Cinco, álbum ofuscado pelo início da pandemia, o cantor, compositor, produtor e multi-instrumentista Silva viu, em um novo projeto autoral, a chance de se reapresentar ao público que o acompanha desde 2011. Encantado, sexto disco da carreira do capixaba, explora diferentes referências do artista, que vão do samba ao jazz, passando pelo hip-hop e a MPB. Em boa companhia, o músico divide o trabalho com grandes nomes da música nacional e internacional, como Arthur Verocai, Leci Brandão, Marcos Valle, Jorge Drexler e Carminho.
"O título do álbum tem esse sentido do: 'Prazer, Silva. Encantado'. Eu estou me apresentando de novo para as pessoas", explica o cantor, em entrevista ao Correio. Para o artista, o disco simboliza mais uma renovação na carreira. "Todo álbum, para mim, é sempre um recomeço. Eu nunca busquei chegar em um lugar musical que eu estabelecesse algo e continuasse com aquilo para sempre", conta.
Em meio às restrições da pandemia e o congelamento da agenda artística, Silva se viu obrigado a pisar no freio pela primeira vez em 13 anos, quando lançou o primeiro EP da carreira. "Eu sempre trabalhei muito. Quando não era lançamento de álbum de estúdio, era disco ao vivo, era projeto paralelo. Em algum momento, eu ia precisar parar, ter mais tempo para pensar que caminho minha carreira estava tomando e me reformular, porque senão eu ia chegar lá na frente e perceber que eu estava fazendo as mesmas coisas desde sempre", reflete.
O primeiro passo para Silva, portanto, foi se aceitar como cantor romântico, título que lutava contra desde os 18 anos, devido a comentários negativos que recebeu de um professor de música. "Eu estou com 35 anos e, quando você chega nessa fase, você não quer mais provar nada para ninguém. Antes, se um crítico falava que meu som era doce demais, eu pensava que eu tinha de melhorar. Hoje, eu só concordo em discordar", afirma.
"Eu não aceitava muito estar no lugar do cantor romântico, eu achava que era uma coisa muito melosa, meio amor de novela. Só que o amor tem muitas outras nuances, e eu demorei a aceitar isso, até que meu irmão, Lucas, falou: 'Você é um cantor romântico. Olha para as nossas composições. A maioria delas falam sobre amor'". Lucas é o principal parceiro de composição de Silva desde o início da carreira. "Eu já fiz músicas que não tinham compromisso com essa temática, músicas que eu gosto e são interessantes, mas eu acabei firmando o pé no amor. É um tema que eu gosto e me sinto sensível o bastante para cantar sobre", avalia o artista.
Em relação às inspirações por trás das composições, Silva garante que todas são autobiográficas. "Quando eu falo de amor, eu falo do meu ponto de vista mesmo. Estou amando e estou sofrendo, é sobre o que eu estou sentindo. Eu demorei para viver isso também. Eu sempre fui um cara de poucos relacionamentos sérios, porque o meu foco sempre foi a minha música, eu nunca tive esse tempo de focar em uma relação", compartilha.
"Era sempre minha carreira em primeiro lugar. Só depois eu fui entendendo que a gente precisa ter tudo na vida. A gente precisa se relacionar para ser feliz, e precisamos ser feliz em primeiro lugar. A gente precisa ser amado para conseguir amar as pessoas. Foi aí que eu comecei a entender que sou um cantor romântico mesmo", detalha o capixaba.
O canto, no entanto, foi o último lado musical de Silva a ser explorado. "Eu falo até hoje que a minha voz estará sempre em construção, porque foi o último instrumento que eu comecei a usar na vida", releva. Ele começou a tocar flauta doce com 3 anos de idade, violino — instrumento o qual é formado na faculdade — com 5, e piano com 7. "Eu sempre fui músico. Minha formação é toda de músico instrumentista, eu achei que minha vida ia seguir para esse lugar", relata o artista.
"Quando eu era criança, minha mãe e minha avó falavam que eu tinha de ser maestro, então eu sempre tive esse incentivo da minha família. Parecia até essas famílias de elite cultural, só que isso eu vivia no pé do morro. Mas eles sempre valorizaram muito a música, minha avó, meu avô e minha mãe são apaixonados por música, então eu sempre tive isso muito forte", narra. Em Encantado, Silva canta, toca piano, sintetizador, guitarra, violão, baixo e violino.
Na formação como músico, foram artistas como Verocai, Leci, Valle, Drexler e Carminho que o inspiraram. "Para mim, eles são meus ídolos. Eu não sou o tipo de pessoa que conhece uma pessoa que admira e depois fala: 'Ah, ele é meu amigão agora'. Eu consigo ter uma relação de amizade, mas eu gosto de mantê-la ali naquele lugar de admiração, porque são pessoas muito importantes para mim, que me acompanharam a vida inteira por meio da música. Eu realmente sou fã dessas pessoas", enaltece Silva.
"O Verocai, por exemplo, é um dos caras com mais assinatura da música brasileira. Quando você o conhece e escuta um arranjo dele, não precisa ninguém falar nada para você pensar: 'Acho que isso é Verocai'. Ele tem uma assinatura musical que não parece com ninguém no mundo, e olha que eu ouço música para caramba", ri o cantor.
Marcos Valle, por sua vez, é definido como "lenda" por Silva. "Ele é referência no mundo inteiro. Todo músico de jazz, de qualquer parte do mundo, conhece e estuda Marcos Valle. Ele já foi sampleado não sei quantas vezes por um monte de rappers incríveis, por exemplo, é um cara que é muito relevante historicamente e mundialmente. Eu lembro de uma vez que eu fui para Tóquio, no Japão, e, quando entrei em um café, estava tocando Marcos Valle à bessa", relata.
"Todas essas pessoas fazem parte da minha construção musical e da minha identidade musical. Eu sou o que sou hoje musicalmente, no sentido de estética e estilo, por causa deles", completa o instrumentista.
Na estrada
Com o lançamento do álbum, o capixaba comemora o retorno aos palcos para a divulgação de um trabalho próprio. Desde 2022, o cantor tem caído na estrada majoritariamente para a realização dos shows do Bloco do Silva, projeto de pré-carnaval com repertório voltado para músicas populares entre os foliões. "Eu estou muito feliz de voltar, porque quando você toca em festa como eu vim tocando nos últimos dois anos, você tem meio que uma obrigação de ser feliz o tempo inteiro, afinal as pessoas estão ali para festejar", conta o artista.
"Aquilo me deixou muito carente de cantar coisas que não necessariamente são de festa, porque eu gosto da melancolia também. Eu sentia muita falta de chegar em um show e fazer uma música só na voz e piano, porque é algo que primeiramente me emociona e consequentemente acaba emocionando as pessoas também. Você pega o público em outro lugar que não seja a excitação", explica.
Os romances cantados em tom melódico e ritmo menos agitado servem também como forma de cura para o cantor e uma alternativa para desacelerar. "Eu sou um cara ansioso, embora não pareça, porque minhas músicas transmitem muita calma. Mas isso é porque eu preciso de calma. É importante para a minha saúde mental que elas sejam músicas de calma, porque eu acho que se eu fizesse um som quebrando tudo, eu ia pirar. Eu de fato ia sair quebrando tudo. Então minhas músicas são remédio para mim também, elas me fazem bem", ressalta.
Brasília recebe a turnê Encantado em 7 de dezembro, numa apresentação única no Ulysses Centro de Convenções. "Eu lembro que na turnê do Brasileiro (álbum de 2018), eu toquei no Teatro dos Bancários. Minha equipe agendou uma sessão na sexta-feira, e aí o show esgotou. Abriram uma segunda sessão no sábado, e aí esgotou. Abriu outra sessão na quinta, e esgotou. Foi o primeiro lugar na minha vida que eu fiz seis sessões do mesmo show", lembra o músico.
"Foi muito legal, porque eu pensava: 'Caramba, as pessoas estão querendo muito ver meu show'. Eu lembro que Brasília foi muito marcante para mim por ser essa cidade em que as pessoas estavam buscando muito o show", relata o instrumentista. Para Silva, é "um prestígio e uma honra" tal reconhecimento.
"Eu sinto esse carinho toda vez que eu lanço alguma coisa, porque sempre tem muita gente pedindo show em Brasília. Eu sinto um calor ao chegar em Brasília, porque é uma cidade que eu já construí uma relação de carinho. Quando eu subo no palco, vejo pessoas que estão ali em vários shows. Eu posso não conhecê-las intimamente, mas conheço o rostinho, sei que aquela pessoa sempre está ali nos meus shows em Brasília", finaliza. A data na capital federal encerra a série de shows, que passa por mais 11 cidades brasileiras.