Paulo Leminski sabia exatamente o que fazia quando escrevia os haikais capazes de acertar em cheio e ao mesmo tempo a cabeça e o coração dos leitores. Certeiro, preciso, culto e habilidoso no conteúdo, o poeta curitibano completaria 80 anos, caso não tivesse morrido de uma cirrose hepática em junho de 1989. Este ano foi marcado por diversos eventos para celebrar o nascimento do poeta, incluindo lançamentos de livros, festivais de música e homenagens em festas literárias.
A Iluminuras lançou Metamorfose, um ensaio de Leminski sobre mitologia grega. Estrela Leminski, filha do autor, publicou Quando a inocência morreu, romance para o qual fez extensa pesquisa sobre a história da própria família para criar uma ficção que se confunde com a realidade em alguns momentos. Ela e a irmã, Áurea Leminski, criaram o Instituto Paulo Leminski numa tentativa de organizar o acervo do pai. "São mais de 30 mil documentos que precisam ser catalogados. Objetivo é ter um espaço físico onde as pessoas possam consultar esse material. É muito importante para pesquisadores", avisa.
As filhas também trabalham em uma edição que reunirá entrevistas dadas pelo poeta ao longo da vida. Muita coisa foi publicada, mas nunca chegou a ser digitalizada. "Seria interessante fazer uma edição das entrevistas porque é muito rico, é ele falando sobre seu próprio fazer, seu pensamento", garante Áurea. Além de poeta, Leminski era um jornalista de opinião e publicou muitas críticas e resenhas em jornais e revistas. "Alguns escritos ele deixou mais ou menos organizados, inclusive, um que a gente não conseguia localizar, intitulado Minha classe gosta, logo é uma bosta. E sabíamos que queria publicar, são ensaios, um misto de escritos e contos, não está dentro de um gênero definido. São textos reunidos no decorrer de muitos anos que ele ia publicar no fim dos anos 1980", garante Áurea.
Para o ano que vem, está prevista uma exposição permanente na Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba, com recorte específico para a música, já que o escritor era letrista e compositor, além de tradutor, com mais de 10 livros vertidos para o português de línguas muito diferentes entre si, como francês, inglês, latim e japonês. As traduções foram feitas entre 1984 e 1987. É, como diz o editor Tarso de Melo, que participou de uma série de debates sobre o poeta promovida pelo Sesc em São Paulo, tudo muito concentrado em pouco espaço de tempo. Leminski morreu aos 44 anos e nunca saiu da prateleira de fenômeno literário. "Ele mesmo explicou muito a respeito disso", garante Tarso. "O universo dele se alimenta do que há de mais erudito na literatura e na cultura, mas ele quer chegar a um público maior. Ele usa muito o vocabulário da teoria da comunicação, chama o poeta de emissor e o leitor, de receptor. Ele pensa a poesia como uma comunicação."
A estratégia deu tão certo que, quando Leminski desembarcou com Caprichos e relaxos e Distraídos venceremos na editora Brasiliense, pela qual sua obra ficou conhecida, era uma figura pop. "Ele calculou tudo isso, é impressionante. E depois ele vai escrever textos e poesias em que fala que a equação que queria era a invenção da poesia e comunicação. Porque ele via que os poetas, para serem fiéis a um desses caminhos, abandonavam o outro", aponta Tarso de Melo.
O editor lembra ainda que a poesia do curitibano nunca saiu de catálogo, o que ajudou a mantê-lo sempre acessível. Em 2013, a Companhia das Letras reeditou o Toda poesia, que reúne a obra completa do gênero. Além disso, La vie en close, Distraídos venceremos e Caprichos e relaxos também foram reeditados, além de Vida, volume no qual o poeta reuniu as biografias de Cruz e Sousa, Bashô, Jesus e Trotski. "A poesia dele não saiu de catálogo na Companhia das Letras. Esse é um grande fato, é muito bom que isso tenha acontecido, desde os anos 1970 que a poesia dele continua sendo encontrada. E o Vida, com as quatro biografias que ele escreveu, vale ouro", avisa Tarso.
Filho de uma brasileira descendente de indígenas e negros e de um neto de polonês, Leminski foi estudar em São Paulo muito jovem. Aos 14 anos, foi internado como aluno no Mosteiro São Bento e se orgulhava muito de ter aprendido a ler os autores gregos e latinos nas línguas originais. Com uma formação erudita sólida e uma aproximação consciente da cultura popular, se interessava tanto por trocadilhos e ditados populares quanto por filosofia, teologia e referências orientais. Essa mistura gerou o caldo no qual Estrela Leminski, cantora e escritora, nasceu e cresceu. Por isso, foi nos antepassados que ela decidiu buscar a origem das motivações do pai.
Estrela fez um verdadeiro mergulho na árvore genealógica dos Leminski e da família da mãe, Alice Ruiz, para escrever o romance Quando a inocência morreu, publicado este ano pela Iluminuras. "Quando as pessoas me perguntam o porquê de ir para os antepassados e por que estou falando da família, eu brinco: quando eu não tive que falar sobre minha família?", conta a autora, que também é cantora."Há 35 anos respondo à pergunta sobre como é ser filha dos meus pais. Sou filha de pai e mãe escritores e isso influenciou o fato de querer ir mais para atrás nas origens para entender os dois." Compreender também o contexto no qual está inserida e no qual cresceu foi outro ponto de partida para a pesquisa. Curitiba é uma cidade de imigrantes, ela lembra, "cheia de subjetividade e fantasias construídas tanto para a vinda deles quanto de narrativa de sustentação do sul do país".
A escritora não conheceu nenhum dos quatro avós e perdeu um irmão antes mesmo de nascer. Uma família enlutada, assim como histórias familiares cuja autenticidade ela não tinha certeza, fizeram parte do imaginário de Estrela desde cedo. "Essas narrativas familiares povoaram meu crescimento e amadurecimento artístico e tudo isso acabou sendo um grande adubo, um grande terreno de ideias para esse romance", avisa. Quando a inocência morreu é pura ficção, mas encontra a realidade em alguns pontos. "Criei uma história para cada um desses ramos (da família), desses avós, mas partindo de uma grande pesquisa histórica, inclusive, com correções de erros publicados em livro sobre minha família", diz.
Algumas incorreções quanto aos nomes tanto da família paterna quanto materna e quanto ao movimento imigratório que deslocou alguns membros do leste Europeu para o Brasil foram verificadas e corrigidas, mas Estrela focou em um aspecto específico: a invisibilização das mulheres. "Tudo fica muito focado nos grandes feitos dos homens, mas existe toda uma base, uma estrutura emocional das mulheres que é invisibilizada, e isso acontece em todas as famílias", lamenta. Conhecer essas histórias também ajuda um pouco a compreender o universo de Paulo Leminski e o ambiente no qual o poeta mais conciso do Brasil foi moldado.
Saiba Mais
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br