personalidade

Allan Souza Lima defende mergulho na verdade para personagens tão diversos

Assassino, cangaceiro, gigolô, frei e até Jesus: ator versátil e intenso, o pernambucano Allan Souza Lima fala de trabalhos recentes, como os filmes do caso Richthofen, a série Cangaço novo, novelas como Amor perfeito e Mania de você e a Paixão de Cristo

Allan Souza Lima, ator -  (crédito: Lucas Vianna/Divulgação)
Allan Souza Lima, ator - (crédito: Lucas Vianna/Divulgação)

Nove anos após interpretar o seu primeiro personagem fixo em uma novela da Globo, Allan Souza Lima se reencontrou com o autor de A regra do jogo — onde fez o MC Nenenzinho, em 2015 —, João Emanuel Carneiro, também criador de Avenida Brasil, produção em que, em 2012, atuou em uma participação especial. Agora, em Mania de você, ele deu vida a Guga, o marinheiro que manteve durante anos um caso com a vilã Ísis (Mariana Ximenes), e vibra com a oportunidade. Para o ator pernambucano, trata-se de um estilo de dramaturgia diferenciado. "Além de desvendar bem as sombras humanas, o João sabe expressá-las nos diálogos, nos conflitos e na narrativa do seu trabalho", elogia.

Na atual novela das 21h, Guga ajuda Ísis a matar o marido, Henrique (Antonio Saboia), antes de ser morto por ela. Praticamente emendando dois trabalhos na tevê aberta, Allan saiu de um religioso sensível — o frei João, em Amor perfeito (2023) — para um malandro sem escrúpulos. "O frei João me trouxe um reencontro com o celestial, com o sublime. Eu pedi ao universo naquele momento um personagem que não retratasse tanto a sombra humana, como os que eu estava vivendo recentemente", conta o ator que, entre um papel e outro na tevê, ainda protagonizou a Paixão de Cristo deste ano, em Nova Jerusalém (PE).

Antes, porém, Allan tinha "vivido a sombra humana" ao encerrar a trilogia do caso Richthofen, em que deu vida a Christian, irmão e cúmplice do assassino Daniel Cravinhos (Leonardo Bittencourt). "Foi um processo que exigiu uma densidade emocional muito grande e mexeu bastante comigo. Foi dilacerante. Por isso, precisei de uma pausa. Fui convidado, em paralelo, para outro trabalho igualmente denso, mas entendi que precisava de uma pausa. E foi nesse momento que o frei João apareceu na minha vida, seguido do papel de Jesus. Mais uma vez, falo sobre sincronicidade", defende.

Veracidade

Nessa transição de personalidades, o ator explica que busca sempre a verdade. "Independentemente do meio, meu objetivo é sempre o mesmo: buscar a veracidade. Desde que me entendo como ator, desde o meu primeiro grande trabalho, que foi Preamar (2012), sou adepto de viver os meus papéis, buscando ter uma experiência de vida o mais próxima possível da realidade do personagem que estou interpretando, o que é a essência da Atuação de Método", explica. 

Convidado diretamente pelo autor da novela, Allan acertou uma participação mais curta em Mania de você. Isso porque ele está envolvido com a produção da segunda temporada de Cangaço novo, um grande sucesso do streaming do qual ele é protagonista. A série do Prime Video em parceria com a O2 Filmes figurou no Top 10 da plataforma em 49 países e é a atual vencedora do Prêmio Grande Otelo, que teve Allan indicado como Melhor Ator. Para ele, o segredo desse trabalho está na união. "Acho que todo mundo acreditava no que estava fazendo e estava no mesmo barco. Todo mundo chorou junto, todo mundo se apoiou. Acho que isso é o ponto mais forte do nosso trabalho. Muita gente enfrentou suas próprias dores durante a caminhada", declara.

Natural de Recife, Allan destaca o elenco majoritariamente nordestino na produção, que revelou nomes como a potiguar Alice Carvalho, a Joaninha de Renascer. "O Brasil é extremamente cultural. Temos uma força artística gigante para sermos uma das maiores potências culturais do mundo", defende o pernambucano de 38 anos, que tem mais de 35 prêmios na estante — entre eles, um Kikito do Festival de Gramado de 2016.  

Formado pela Casa de Artes de Laranjeiras (CAL), no Rio de Janeiro, Allan Souza Lima já atuou em três idiomas. Além das diversas produções em sua língua nativa, o também diretor, roteirista e produtor explorou o espanhol no filme A cabeça de Gumercindo Saraiva, de 2018, e, recentemente, o francês, na película La Salamandre. Sobre uma eventual carreira internacional, o operário da arte — que já viveu de indígena a indiano na ficção — dá a pista: "Hoje me sinto muito mais firme para dar voos maiores".

Entrevista | Allan Souza Lima

Esse é o seu terceiro encontro, ainda que rápidos, com o texto de João Emanuel Carneiro. O que mais te encanta no estilo de dramaturgia que ele cria?

A primeira novela que eu fiz com o João foi Avenida Brasil, que inclusive foi uma das primeiras novelas que fiz na minha vida, na Globo. Eu acho que o estilo da dramaturgia do João é diferenciada, ele tem uma visão de entendimento em relação aos personagens, com a profundidade das suas sombras, e isso é o que acho muito intrigante. Ele consegue inter-relacionar os personagens nessa camada que exige mais profundidade, nas relações da história. E além de desvendar bem as sombras humanas, ele sabe expressá-las nos diálogos, nos conflitos e na narrativa do seu trabalho.

Praticamente emendando dois trabalhos na tevê aberta, você saiu de um religioso sensível em Amor perfeito para um malandro sem escrúpulos em Mania de você. Como você trabalha para compor personagens tão distintos e imprimir a mesma verdade?

Eu sempre busco a verdade. Claro que, no cinema, até pelos processos mais extensos, é possível atingir outra camada de profundidade. A televisão tem compromisso mais estreito com a obrigação de servir entretenimento. Mas, independentemente do meio, meu objetivo é sempre o mesmo: buscar a veracidade. Desde que me entendo como ator, desde o meu primeiro grande trabalho, que foi Preamar, em 2012, sou adepto de viver os meus papéis, buscando ter uma experiência de vida o mais próxima possível da realidade do personagem que estou interpretando, o que é a essência da Atuação de Método. Tempos depois, quando fui pesquisar a vida de Daniel Day-Lewis, comecei a entender e estudar mais profundamente esse processo. E acho que isso é o grande diferencial do que eu acredito como ator.

Falando em santo, como foi a experiência de viver Jesus na Paixão de Cristo? Houve algum preparo espiritual para esse trabalho e o que mudou após essa vivência?

Paixão de Cristo foi um processo muito delicado e bem diferente de quase todos os que vivi. Antes do “ação”, eu sempre estou me preparando em silêncio, em certo isolamento, dentro de um casulo, tentando alcançar a maior profundidade possível. No primeiro dia de ensaio geral, eu percebi que não podia seguir essa abordagem. Eu precisava me comunicar com todos os presentes, parar e buscar conhecer cada uma das pessoas que por perto estavam, parava e puxava assunto com quem estava mais próximo fazendo figuração, porque assim era quem eu estava interpretando. Jesus interagia, olhava as pessoas. Antes disso, eu já vinha numa busca espiritual há algum tempo, e acredito que nada é por acaso. Até a exposição do meu trabalho na fotografia, chamada Sertão Íntimo, já tinha uma conexão com a fé. O Frei João me trouxe um reencontro com o celestial, com o sublime. Eu pedi ao universo naquele momento um personagem que não retratasse tanto a sombra humana, como os que eu estava vivendo recentemente, como Christian Cravinhos e o próprio Ubaldo (de Cangaço novo). Sinto que vivi uma série de sincronicidades, da fotografia da minha exposição ao Ubaldo e a Jesus Cristo. Esse último processo mexeu muito comigo. Estudei e pratiquei o “sorriso interno” de receber, de julgar menos, porque nós, humanos, julgamos tanto. Acho que o maior aprendizado de Jesus não é sobre a dor, mas sobre o amor. Sempre digo que, depois de meses do processo, ainda estou tentando entender o que vivi. Tenho certeza de que houve uma transformação, um reencontro espiritual, sem dúvida. E sobre Jesus Cristo, eu firmo isso: acredito que cada personagem que aparece na nossa vida nos modifica de alguma forma. Ele surge para que, ao olhar para esse personagem, que tem um pouco de nós, possamos nos ver no espelho e nos transformar.

No oposto, não dá para não comentar sua atuação como um dos irmãos Cravinhos. Como foi para você estar nesse projeto biográfico tão forte de um caso que mexeu tanto com o país todo?

Foi um período muito delicado, principalmente no último filme da trilogia, A confissão. Eu saí de uma rotina intensa com a primeira temporada de Cangaço novo, porque foram oito meses de um trabalho que mexeu muito comigo, e logo depois emendei com o Cravinhos. Lembro que precisei emagrecer e já comecei esse processo de perda de peso sem muito tempo para respirar. Perdi quatorze quilos para o papel e, logo na sequência, já comecei a interpretar. Estava lidando com muitas dores nesses dois personagens. Em A confissão, o desafio era buscar essa energia continuamente em cena, e eu sinto que preciso viver, como Allan, um pouco dessa energia ao redor do personagem diariamente para, talvez, atingir uma combustão emocional. Isso é o que acredito. Foi um processo que exigiu uma densidade emocional muito grande e mexeu bastante comigo. Foi dilacerante. Por isso, precisei de uma pausa. Fui convidado, em paralelo, para outro trabalho igualmente denso, mas entendi que precisava de uma pausa. E foi nesse momento que o Frei João apareceu na minha vida, seguido do papel de Jesus. Mais uma vez, falo sobre sincronicidade.

Cangaço novo é um sucesso de crítica e público. Para você, qual o segredo dessa produção e o que podemos esperar da nova temporada?

Olha, eu acho que o segredo desse trabalho está na união, no encontro. Acho que todo mundo acreditava no que estava fazendo e estava no mesmo barco. Todo mundo chorou junto, todo mundo se apoiou. Acho que isso é o ponto mais forte do nosso trabalho. Muita gente enfrentou suas próprias dores durante a caminhada. Foram oito meses vivendo longe de casa. Ao mesmo tempo que essa distância alimenta artisticamente o encontro com os personagens, ela também pesa emocionalmente. A união foi fundamental. Claro, todo trabalho tem seus conflitos, mas nesse, os conflitos foram mínimos. Nós realmente nos tornamos uma família, e acho que esse é um dos grandes trunfos do nosso trabalho. E o que esperar dessa temporada? Bom, acho que sou suspeito para falar, já que estou envolvido no projeto, mas, quando li o roteiro dos episódios, senti o mesmo frescor e a mesma energia que senti ao ler o da primeira temporada.

Há um movimento atual (genuíno e tardio) de valorização dos artistas nativos nas obras que retratam a região e também nos papéis de mais destaque em obras ambientadas no sudeste do país. O que você pode comentar?

Já falei em outras ocasiões, mas acho que Cangaço novo é um exemplo máximo disso. Vários talentos que ainda não tinham enorme notoriedade popular. Eu, como protagonista, sou um cara artisticamente reconhecido, mas não estou nem de longe na lista dos mais famosos que poderiam ser escalados, e o mesmo vale para muitos outros do elenco, então, a gente teve a comprovação que não é a fama e curiosidade sobre aquele artista que contribui ou não pro sucesso da obra. Eu acho que são apostas. Acho que tudo começa com a produção. Desde os streamings, as grandes produtoras que os representam precisam entender que é importante fazer apostas. Sei que existem projetos super comerciais, e entendo que eles são necessários, mas também precisamos apostar em projetos como Cangaço novo para ganharmos reconhecimento até fora das fronteiras. É claro que o comercial é relevante, as views são necessárias para os streamings, mas precisamos investir também no que prioriza outros elementos. O Brasil tem uma cultura riquíssima e artistas incríveis. Então, por que continuamos a concentrar produções apenas no eixo Rio-São Paulo? Tivemos a oportunidade de fazer Cangaço novo no Nordeste, e vemos outros trabalhos, como Noites alienígenas, filmado no norte do país, com uma história incrível, retratando uma realidade diferente dentro do nosso próprio território. Acho que os produtores deveriam acreditar e apostar mais também nos novos talentos que temos. O Brasil é extremamente cultural. Temos uma força artística gigante para sermos uma das maiores potências culturais do mundo.

Após atuar em produções falando em outros idiomas, é um desejo seu partir para uma carreira internacional?

Sim, hoje me sinto muito mais firme para dar voos maiores. Estou me organizando para passar uma temporada fora e buscar também novos mercados fora do Brasil. Esse é o meu próximo foco.

 


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postado em 22/09/2024 08:00
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