Luto

O adeus a Carlos Elias, o mestre da alegria

Morre, aos 91 anos, o compositor, cantor, dançarino e agitador cultural Carlos Elias, que contribuiu, decisivamente, para a consolidação do samba em Brasília

Com as roupas imaculadamente brancas, o andar gingado, o trato elegante e o sorriso no rosto, Carlos Elias parecia um carioca da gema. E, na verdade, era assim que se sentia. Nascido em Laranjal, cidade da Zona da Mata de Minas Gerais, quando tinha 1 ano, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde conviveu com Nelson Cavaquinho, Cartola, Paulinho da Viola e Zé Keti. Ele plantou a semente do samba em Brasília com projetos como o Clube do Samba e a Feira de Música, que revelaram inúmeros talentos. Carlos Elias morreu, aos 91 anos,na madrugada de segunda-feira, em razão de complicações de pneumonias em série.

Ele esteve internado quase seis meses em UTI e, nos últimos dois meses, ficou em um hospital de transição. Os antibióticos combateram a pneumonia, mas, ao mesmo tempo, debilitaram a função renal, explica João Carlos Elias, filho de Carlos Elias: "Estivemos no hospital no sábado. Estava inconsciente, mas foi possível uma conversa ao pé do ouvido. Eu disse para minha mãe que ele estava esperando apenas um 'oi' nosso para partir".

Carlos Elias era funcionário do Ministério das Relações Exteriores e chegou a Brasília em 1975. Além do trabalho de cantor, compositor e dançarino, sempre se destacou na condição de agitador cultural. E, claro, uma das primeiras coisas que procurou foi por samba. Como havia poucos lugares, fundou o bar Camisa Listrada, que se tornou um ponto de referência da música ao vivo.

No entanto, ele coordenou, ainda, duas iniciativas mais marcantes na história da música em Brasília: os projetos Clube do Samba e Feira de Música, no Teatro Galpão, que acabara de ser inaugurado.

Carlos Elias lembrou-se do Clube do Disco e do Clube do Jazz e Bossa do Rio de Janeiro e resolveu propor o projeto. O Clube do Samba fez muito sucesso com shows todas as semanas e durou dois anos e cinco meses, de 1978 a 1981. Segundo Carlos Elias, parou porque as pessoas não tinham tempo para ensaiar.

Mas ele aproveitou o espaço e resolveu criar a Feira de Música, diretamente inspirada no evento do mesmo nome, promovido todas as sextas-feiras, no Teatro Jovem, no Rio de Janeiro. A Feira de Música começou em 1980 e terminou em maio de 1981, porque Carlos Elias teve se mudar para Marselha, em missão profissional do Itamaraty. Não havia cobrança de ingressos nem pagamento de cachês para os artistas. A programação não contemplava apenas samba.

Passaram pelo palco figuras ilustres da cena musical brasiliense: Os Raimundos, Renato Matos, Zelito Passos, Forró sem nome, Littler Quail e Detrito Federal, entre outros. Com essas ações, Carlos Elias contribuiu, decisivamente, para que Brasília se tornasse um reduto da música e do samba, com a revelação de inúmeros instrumentistas, grupos, cantoras e cantores: "Meu pai nasceu em Laranjal, Minas Gerais, mas com um ano de idade, foi para o Rio de Janeiro, onde fez faculdade de jornalismo e conheceu músicos, como Paulinho da Viola, um grande amigo dele, Cartola, Nelson Cavaquinho e Zé Keti", destaca João Carlos Elias, filho de Carlos Elias."E, depois veio para Brasília, cidade que amou. Nunca demonstrou sentir saudade do Rio de Janeiro e vivia Brasília intensamente. Eu tenho a certeza de que quando se fala em música em Brasília, tem muito da sementinha que meu pai plantou".

Líder da cultura

O produtor e cineasta Leandro Borges dirigiu o documentário De bem com a vida Carlos Elias e o samba de Brasília, disponível no youtube, no qual faz um recorte da relação do sambista com acena cultural da cidade. Para ele, Carlos Elias foi um grande agitador cultural, um entusiasta da cultura em todos os sentidos. "Carlos Elias representa o samba. Ele trouxe para Brasília toda a experiência cultural que tinha das rodas de sambado Rio de Janeiro. Ele foi um grande representante da cultura da nossa cidade, amava Brasília como poucos e lutava pela cultura da cidade. Realizou projetos importantíssimos, trouxe artistas de renome para cá, compôs lindas canções, gravou com diversos músicos da cidade. Ele se fazia presente, estava sempre nos locais que promoviam a cultura e sempre tinha um punhado de projetos a realizar. Foi um grande exemplo e referência para todos nós."

Carlos Elias entrou no mundo do samba em 1950. Ficou amigo da porta-bandeira da Portela, Vilma, e de Mazinho, filho de Natal da Portela. Eles o convidaram para entrar na escola de samba. Entrou como pé direito. Em 1962, compôs o samba Rugendas, viagem pitoresca pelo Brasil, em parceria com Zé Kéti, vencedor do concurso de carnaval daquele ano. Teve gravadas as composições Canção da primavera, por Nara Leão, e Homenagem a Nelson Cavaquinho, por Beth Carvalho: "Sobretudo não podemos deixar de lembrar que ele foi um apaixonado pela Portela", lembra o filho João Carlos Elias."O maior orgulho dele era ter a carteirinha de compositor da Velha Guarda da Portela."

Na Portela, Carlos Elias organizou o conjunto Show da Portela,formado por ritmistas, passistas e dançarinos de gafieira. A relação de Moacir Oliveira, o Moa, presidente da Aruc por cinco mandatos,com Carlos Elias, era muito antiga e animada pelo apreço da Portela. Elias sempre frequentou a Aruc, e eles fizeram juntos vários projetos tanto na escola quanto no Feitiço Mineiro. "Ele era uma figura fundamental para a cena cultural brasiliense, com aquela alegria sempre presente em todos os eventos. Era conhecido como Gene Kelly no Cerrado porque era um grande bailarino, em todo lugar que chegava,  dançava e animava as pessoas. Então, a passagem dele deixa uma lacuna muito grande, não só na cena cultural de Brasília, mas brasileira, principalmente no samba. Um dos salões da Aruc leva o nome dele, a gente, quando reformou, batizou de Salão Espaço Carlos Elias."

Além disso, participou de shows importantes, com grandes nomes do samba. Em 1966 esteve ao lado de Zé Kéti, Paulinho da Viola, Jair do Cavaquinho, Casquinha, Joãozinho da Pecadora, em show no Teatro Opinião, com a participação especial de Billy Blanco.

Integrou, ainda, o espetáculo A fina flor do samba, produzido por Sergio Cabral e Tereza Aragão, e do show Zicartola nº 2, ao lado de Clementina de Jesus, Alvaiade da Portela, Cartola, Nelson Cavaquinho e o Conjunto Nosso Samba. Ambos apresentados no Teatro Opinião, no Rio de Janeiro.

Para Breno Alves, vocalista e pandeirista do grupo 7 na Roda, Carlos Elias foi um mestre. Foram amigos e ele sempre o convidava para participar de inúmeros projetos. Participou do DVD De bem com a vida, no qual gravou Rugendas — Viagem Pitoresca pelo Brasil, um antigo samba-enredo da Portela, em parceria com Zé Kéti. No repertório do disco, gravado em 2011, ele incluiu Homenagem a Nelson Cavaquinho e Uma rosa na janela, que, anteriormente, recebeu gravação de Nara Leão. "Depois do lançamento Brasília, no Calaf, do qual participei, o acompanhei nos shows que ele fez no Rio de Janeiro e São Paulo. A Beth Carvalho assistiu ao show no Rio e depois fomos jantar com ela, que nos convidou para, no dia seguinte, ir à casa dela, onde nos serviu uma macarronada".

A cantora Dhi Ribeiro, um dos nomes de mais destaque no samba brasiliense, se despede de Carlos Elias de maneira poética: "Carregando seu samba no peito,na alma e no pé..., lá se vai nosso mestre, com seu copo de leite numa mão e aquele sorriso sincero. O céu está em festa chegou mais um mestre da alegria".

Colaboraram Irlam Rocha Lima, Carolina Rubo e Luisa Mello

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