Raimundo Fagner, cearense de Orós, já havia iniciado a carreira artística em Fortaleza, onde foi vencedor do Aqui no canto — IV Festival de Música Popular, com Nada sou, quando, em 1970, veio morar em Brasília, para estudar administração de empresa, na Universidade de Brasília (UnB). Ali, teve boa acolhida, até porque costumava, após as aulas, comandar concorridas rodas de violão no câmpus da instituição. Quase que imediatamente ele se integrou ao movimento musical da cidade.
No ano seguinte, em 8 de junho, ao participar da primeira edição do Festival de Música Jovem do Ceub, classificou para a final nada menos que três composições: Cavalo ferro, Manera frufru manera e Mucuripe, com a qual saiu vencedor. As outras duas também foram premiadas, e ele recebeu, também, o troféu de melhor intérprete.
- Leia também: Artista sergipano ganha exposição em galeria de Berlim
- Leia também: Grelo da Seresta: conheça o artista dono do hit 'Só fé'
Como a canção obteve boa repercussão, logo em seguida Fagner foi morar no Rio de Janeiro, tendo sido acolhido por Nara Leão, após ser apresentado à cantora pelo compositor e produtor Roberto Menescal, nome icônico da Bossa Nova. No mesmo ano, gravou para o chamado Disco de Bolso do semanário Pasquim, A volta da Asa Branca, de Luiz Gonzaga, e passou a ser mais notado.
Manera frufru manera deu nome ao LP de estreia, que saiu pela 1973, pela gravadora Philips. Desde então, Fagner lançou 30 discos de estúdio e outros tantos gravados ao vivo. Dez anos depois do mais recente de inéditas, intitulado Pássaros urbanos, o cantor acaba de chegar às plataformas digitais com Além desse futuro, que traz oito faixas.
Nesse álbum, o cantor gravou canções feitas com dois antigos parceiros, Caio Sílvio (Filho meu e Recomeçar, essa com a participação de Aulo Braz); e Fausto Nilo, co-autor da canção que nomeia o disco. Ele dividiu a autoria de Noites do Leblon e Besta fera com Zeca Baleiro e se juntou a Toninho Geraes e Chico Alves, na criação de Ponta de punhal; e a Jorge Vercilo em Amigo de copo. No set list há, ainda, a recriação de Onde Deus possa me ouvir, do saudoso Vander Lee.
Em Recomeçar, que poderia ser vista como sutil alusão ao retorno às gravações, Fagner canta a resiliência do amor maduro no verso que fiz: "Vida que não cabe na bagagem/ Tanta coisa já ficou pra traz/ Sonhos que não duram duram uma viagem/O amor nem sempre ao nosso alcance/ Podemos ser felizes sem romance..."
Entrevista, artista Raimundo Fagner
Que recordações da juventude em Fortaleza estão armazenadas em sua memória afetiva?
Foi lá onde começou tudo para mim musicalmente. Venci a quarta edição do Aqui no canto — Festival de Música Popular do Ceará com a embrionária Nada sou. Com Belchior, Ednardo, Rodger Rogério, Ricardo Bezerra e Jorge Mello e Amelinha formamos o que ficou conhecido como Pessoal do Ceará.
É daquela época Mucuripe, seu primeiro grande sucesso?
Sim. Mucuripe é uma canção importante em minha obra, que compus com o saudoso Belchior.
Quando inscreveu esta canção no 1º Festival do Ceub, imaginou que seria o vencedor?
Foram colegas da Universidade de Brasília, onde eu cursava administração de empresa, que me incentivaram a inscrever Mucuripe no Festival do Ceub. Além desta canção, que tem uma baita letra, e veio a ser a vencedora, inscrevi também Cavalo ferro, pela qual conquistei o prêmio de melhor intérprete; e Manera frufru manera.
Em que circunstância conheceu Clodo Ferreira, de quem veio a se tornar amigo?
Já estava morando aqui no Rio de Janeiro, quando fui convidado para presidir o júri da segunda edição do Festival do Ceub, do qual o Clodo foi o vencedor com Placa Luminosa. A partir dali, nos tornamos amigos. O Fausto Nilo, meu querido parceiro, que era professor do curso de Arquitetura da UnB, o conheceu antes e se tornaram amigos.
Tempos depois você viria gravar Revelação, de Clodo e Clésio, que se tornaria um dos seus maiores sucessos. Que importância atribui a essa canção em sua obra?
Revelação foi um grande presente que recebi de Clodo e Clésio. Indiscutivelmente, é uma canção belíssima que canto em todos os meus shows.
No Rio de Janeiro você foi acolhido por Roberto Menescal e Nara Leão. Eles foram determinantes para que viesse a levar seu trabalho adiante?
Totalmente. Ao ouvir Canteiros, outra das minhas composições de grande sucesso, ficaram impressionados e me deram suporte para seguir adiante.
Porque ficou 10 anos sem lançar disco?
É um hiato em relação à gravação de discos, mas continuei trabalhando bastante, fazendo muitos shows, principalmente no Nordeste, São Paulo, Minas Gerais e aqui no Rio.
O que busca propor com Além desse futuro, o álbum que está lançando?
Musicalmente, é um disco que visa fortalecer a poesia, na contramão do que se vê, atualmente, na música brasileira, algo que considero muito descartável.
Fausto Nilo volta a marcar presença nesse disco. Ele pode ser visto como um amuleto em sua obra?
Há muito tempo, Fausto é o meu parceiro mais frequente. Não faço nada, musicalmente, sem tê-lo ao meu lado. Trata-se de um arquiteto que se tornou um dos maiores letristas da MPB.
Caio Sílvio é outro parceiro de longa data também marca presença no Além desse futuro...
Caio é um velho e talentoso amigo que não pode faltar em meu trabalho. É outro grande parceiro.
Como surgiu a parceria com Zeca Baleiro?
Zeca é um amigo de longa data. Ele me apresentou o Erasmo Dibel, outro compositor maranhense, que é parceiro dele. Compusemos a seis mãos Besta fera, que fecha o repertório. Ele é um grande poeta com quem quero trabalhar muito.
Porque decidiu incluir Onde Deus possa me ouvir, de Vander Lee, no repertório?
Quis prestar um tributo a esse grande compositor mineiro, que conheci e de quem me tornei amigo aqui no Rio. Cheguei a fazer shows com ele em Belo Horizonte e no Nordeste.
Vai sair em turnê pelo país com o show desse projeto?
Com certeza. Vou começar por Belo Horizonte e logo chego a Brasília.